2023, Um Balanço Sónico- As Canções
É tempo de olharmos para os últimos doze meses de colheita e celebrarmos o que de melhor nos trouxe. Eis as escolhas do escriba:
1º Taylor Swift- "Cruel Summer"
O melhor tema de Lover deveria ter sido um hit em 2020. De acordo com o plano swifteriano, a intenção seria guardá-lo para quinto e último single do sétimo álbum, mas depois uma pandemia aconteceu. A nação swiftie e a crença de que o que tem de ser tem muita força, não deixaram morrer a canção - e por fim em 2023, a promessa concretizou-se. No ano mais brilhante da carreira galáctica de Taylor, uma das canções mais perfeitas da sua discografia brilhou alto, por fim. Tudo está certo quando acaba bem.
2º Caroline Polachek- "Welcome to My Island"
Um álbum que começa com uma canção tão primitiva, urgente e libertadora só tem dois caminhos: ou se sustenta com temas de infindável encanto ou se afunda na impossibilidade de manter o nível. Felizmente para todos os envolvidos, a primeira opção revela-se como resposta, et voilà, nasce o álbum do ano. "Welcome to My Island" não é mais do que o prodígio de Miss Polachek em todo o seu esplendor: um convite ao seu maravilhoso intelecto numa enorme amálgama avant pop com ecos de electrónica, rock e 80s pop. Novo máximo de carreira? Podem apostar que sim.
3º Kim Petras & Nicki Minaj- "Alone"
Bronze na classificativa geral, mas ouro puro no campeonato de canções que deveriam ter sido hits absolutos em 2023, "Alone" toca todos os prismas daquilo que um êxito moderno deve ser. Toada eurodance? Check. Sample de hit essencial da viragem de milénio? Confere. Vibe trap-pop para gen-Z aderir? Oh yeah. Feat poderoso da inigualável Nicki Minaj? Oremos. Petras já merecia um diploma de estudiosa mais aplicada do circuito pop.
4º Kylie Minogue- "Padam Padam"
2023 numa palavra? Padam. O single de avanço daquele que foi o 16º álbum de estúdio da deusa australiana é um triunfo em todos os sentidos. Um, porque é o testemunho da sua vitalidade e mestria ao fim de trinta e cinco anos de actividade. Dois, porque tem o condão de ser o seu single mais ubíquo e inescapável desde "Can't Get You Out of My Head", também ele um acontecimento na cultura pop, vinte e dois anos antes. E três, porque é efectivamente uma canção do caraças. Hipnótica no seu recorte dance pop sensual, sofisticado e onomatopaico que nos rouba o fôlego em menos de três minutos.
5º NewJeans- "OMG"
As NewJeans já tinham ganho o ano ao segundo dia de Janeiro quando "OMG" nos caiu no colo: uma saltitante construção de pop, R&B e hip hop melódico que nos faz sentir borboletas no estômago com os versos de pura paixão colegial. E durante três minutos e meio somos outra vez adolescentes embriagados por aquele amor secreto que nos faz sentir leves, doces e tontos. Uma valente feel-good song em forma de beijinho.
6º Troye Sivan- "Rush"
Se em Bloom Troye conquistava a libertação e emancipação sexual, em Something to Give Each Other é ele o centro da revolução sexual. Suado e intensamente carnal, "Rush" foi o concentrado vitamínico house-pop que nos guiou pelo Verão fora, líder dos deboches e raves espirituais ou corpóreas a que nos quisemos entregar. It's so good, it´s so good - e nem queríamos de outra forma.
7º Olivia Rodrigo- "Vampire"
Em 2017 Lorde ditava o tom do álbum da sua vida com "Green Light", frenética construção electropop coming-of-age a desafiar as convenções da dita estrutura pop moderna. Seis anos volvidos, é impossível escutarmos "Vampire" e não pensar que Olivia Rodrigo está a fazer o mesmo com um single que se envolve de aura gótica ao piano e cresce, cresce, cresce em intensidade e amargura, primeiro em cadência pulsante e sem freio, e depois num industrial caótico que recebe uma das prestações vocais mais musculadas da sua curta, mas impressionante carreira. Amar e confiar debaixo dos holofotes pode ser cruel, mas proporciona material incrível.
8º Billie Eilish- "What Was I Made For?"
Algo de muito especial aconteceu aqui. Ao mesmo tempo que nos unimos em torno do furor de Barbie, o maior evento cinematográfico do ano, voltámos a recordar o apreço que nutrimos por Billie Eilish, menos notório do que no início. E o que começou por ser algo inspirado no universo da boneca mais famosa do mundo, acaba por encontrar paralelismo na condição enquanto jovem mulher e artista de Billie. Não houve momento mais lacrimejante do que este - a humanidade de uma marca e o reencontro de uma identidade perdida por meio de uma canção. Choremos.
9º Le Sserafim- "Eve, Psyche & The Bluebeard's Wife"
Destacadíssimo ponto alto de Unforgiven, o primeiro LP deste formidável quinteto que já tinha feito virar cabeças com "Antifragile" no ano passado, encharca-se de girl power e de Jersey club frenético com inspirações bíblicas, mitológicas e enraízadas no folclore para dar vida a um dos temas mais dominantes e imediatos quer do circuito k-pop ou internacional. Slaaaaaaay, girls!
10º NewJeans- "Super Shy"
Pensem no cupcake mais maravilhoso e perfumado possível. Trinquem-no e lembrem-se da sensação maravilhosa que é ficar com todos aqueles sabores no paladar. Escutar "Super Shy" é como comer esse cupcake incrível, uma e outra vez, com o fascínio da primeira dentada. Pedaço celestial de drum & bass, bubblegum pop e Jersey club sobre - novamente - tremer na presença de um crush, dá-nos a volta à cabeça em dois minutos e meio apenas. Que miúdas mais adoráveis.
11º Olivia Rodrigo- "Bad Idea Right?"
Olivia 'Punk' Rodrigo era um mood à espera de desabrochar no álbum nº2. Soubemo-lo assim que "Brutal" escancarou a porta do memorável debute. Algures entre "Pretty Woman" de Roy Orbison e uma qualquer banda pop-punk de filme teen do início dos anos 00, "Bad Idea Right?" amplifica a rebelião bubblegum de 'Liv numa caótica e divertidíssima prosa sobre voltar a cair na cama de um ex, mesmo sabendo que o universo nos aconselha no sentido contrário. Fuck it, it was sooo fine.
12º Paramore- "Running Out of Time"
Na melhor versão possível de si mesmos, os Paramore entregaram-nos este admirável pedaço de dance-rock dissonante sobre ansiedade social, gestão de tempo e contemplação da própria mortalidade, num colírio visual que muito deve ao universo de Alice no País das Maravilhas, mas também a vídeos de Nirvana, Smashing Pumpkins ou Gwen Stefani.
13º Miley Cyrus- "Violet Chemistry"
A primeira metade do ano foi inegavelmente comandada por Miley Cyrus e pela força de um single tão poderoso quanto "Flowers", mas apesar de Endless Summer Vacation não ter sido capaz de acompanhar o evento do cartão de visita, houve ainda boas surpresas no oitavo álbum da antiga estrela da Disney, como esta inebriante construção synthpop sobre prolongar um momento de intimidade, que junta Mike Will Made It, James Blake e Sia. Quente quente, a escaldar.
14º XG- "Shooting Star"
O septeto japonês que rasgou 2022 com a fúria empoderada de "Mascara", inaugurou o ano que agora finda com um díptico igualmente estrondoso. Misto de rap glaciar e dance pop galáctica, "Shooting Star" é o som de um grupo a cumprir um sonho e a fazer legiões de fãs sonhar, ao mesmo tempo que pisa o próximo patamar das suas carreiras - o das possibilidades infinitas. Xtraordinary Girls, indeed.
15º Taylor Swift- "Is It Over Now?"
Primeiro houve "I Knew You Were Trouble". Depois "Out of the Woods", a sequela. Nove anos volvidos, o affair com Harry Styles conhece um epílogo com "Is It Over Now?", monumental power ballad electropop 80s que mostra Swift na sua versão mais ferida, ressentida e contundente. Absoluto ponto alto da regravação de 1989, com entrada directa para os momentos mais estelares da sua discografia.
16º Troye Sivan- "Got Me Started"
Contemos sempre com Troye para acender a centelha de desejo na noite. Voluptuoso e estiloso objecto 2 step/UK garage que sampla "Shooting Stars" dos conterrâneos Bag Raiders, o segundo avanço de Something to Give Each Other versa sobre aquele alguém que nos faz sentir vivos e sensuais de novo, depois de uma crise existencial potenciada por um desgosto amoroso. E que vídeo incrível, este.
17º Piri & Tommy Villiers- "Updown"
A melhor forma de descrever "Updown" será como entrarmos numa loja de marshmallows, encontrarmos uma rave britânica pelo meio, e sairmos de lá com menos peças de roupa do que aquelas com que entrámos. Há candura bubblegum, drum and bass engenhosa, mas também uma clara mensagem de feminismo e de reclamação de controlo no quarto. Dominadíssimos.
18º Jessie Ware & Róisín Murphy- "Freak Me Now"
A euforia french house noventista de "Freak Me Now" já era um dos momentos mais acesos de That! Feels Good!, mas quando Miss Ware decidiu adicionar Miss Murphy à mistura, por ocasião do seu lançamento enquanto single, o evento cruzou as estrelas. Uma percursora da electrónica no feminino a dar a mão à mais aplicada estudiosa da febre disco dos nossos dias - só podia dar cocktail vitaminado, álcool destilado e gelo na quantidade certa. 2023 não ficou mais divertido que isto.
19º Dua Lipa- "Houdini"
Entre o pós-Barbie e a temporada de Natal, talvez não tenha sido a melhor altura possível para Dua Lipa largar o cartão de visita do tão aguardado terceiro álbum, mas nem por um segundo hesitemos em pensar que não valeu a pena. A génese disco ainda está lá, mas a urgência e a confiança são maiores, e há uma ligeira equação psicadélica via Kevin Parker que aponta já caminhos maiores. Este é o som de uma estrela maturada, pronta para continuar a galgar o seu destino. Iremos todos atrás em 2024.
20º Fifty Fifty feat Kaliii- "Barbie Dreams"
O mundo das Fifty Fifty estava a desmoronar na altura - alcançavam o estrelato com "Cupid", mas ao mesmo tempo travavam uma batalha judicial com a sua agência, que as fez terminar o ano reduzidas a um só elemento - mas o universo de Barbie exigia atenção imediata. Podemos ter sido privados de um videoclip, mas para a posteridade fica uma das canções que melhor serviu a banda sonora: garrida, bubblegum e imensamente extasiante.
21º Aespa- "Spicy"
Cabeças rolaram no dia em que "Spicy" rasgou o éter: nada menos do que um avassalador torpedo dance pop a trazer à memória o também mui escandaloso "Dirrty" de Christina Aguilera. Depois de dois EPs no vanguardismo do hyperpop, o quarteto sul-coreano expandiu assim a paleta sónica para latitudes mais mainstream, sem perder o arrojo que as caracteriza. Hot damn.
22º Kylie Minogue- "Tension"
É garantido que ninguém estava à espera que Kylie Minogue dominasse o ano com um single, muito menos que à espreita estivesse outro single tão ou mais brilhante que "Padam Padam". Sofisticado pedaço de euro-house sobre desejo e libertação, e servido por um vídeo tremendamente futurista e estiloso de Sophie Muller, "Tension" deu à deusa australiana um combo perfeito e o título de figura do ano entre a comunidade LGBT.
23º Troye Sivan- "One of Your Girls"
Caramba, o Troye realmente dominou 2023, não foi? Âncora emocional do seu último álbum, "One of Your Girls" é um lamento synthpop encharcado em vocoder sobre questionamento gay em homens heterosexuais, e sobre como perpetuar essa curiosidade apenas leva a ciclos de vazio, confusão e frustração. O impactante vídeo assinado por Gordon von Steiner com Sivan a mostrar a sua vulnerabilidade em modo drag, é um dos momentos altos da cultura pop em 2023.
24º Tove Lo- "I Like U"
Dirt Femme foi uma era tão consistente e pródiga em bom material, que naturalmente tinha que ser prolongada. Imersiva experiência eurodance-Y2K de lírica embriagada sobre como a artista sueca se sentiu ao conhecer o amor da sua vida, "I Like U" incitou muitas raves físicas e espirituais e deu a Tove um dos seus singles mais aventureiros e insanos até então.
25º Disclosure- "Talk on the Phone"
Alchemy é facilmente esquecido ao mencionarmos os melhores álbuns do ano, mas aí está ele - facilmente o mais forte e coeso dos manos Lawrence desde a imbatível estreia, há precisamente dez anos. Este é o som de uma dupla amadurecida, que priveligia agora o conteúdo em vez da forma, abandonando tanto a alçada de uma major como o formato de featuring. A encerrar o álbum, um arrebatador e caleidoscópico "Talk on the Phone", sobre agarrarmo-nos à ténue esperança de que uma relação à distância possa funcionar. Brisa pop electrónica perfeita.
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