18 canções arrojadas e invulgares de estrelas pop


O mainstream e a experimentação parecem não andar de mãos dadas: para uma acontecer, a outra tem que ceder. Mas há momentos - incríveis e por vezes singulares - de desafiante brio em que assistimos à quebra de convenções por parte das estrelas pop. São esses rasgos de criatividade que hoje vos tento trazer.

É possível que algumas das vossas crenças sejam abaladas, por isso puxem de um banquinho e da máscara de oxigénio:


1) Girls Aloud- "Sexy! No No No..."- Há uma boa razão para as Girls Aloud serem consideradas a girlsband mais arrojada dos anos 00. A operar no topo do mainstream, várias das suas canções tinham o condão de pensar para lá da estrutura convencional do dito êxito pop, dispensando a habitual construção de verso-refrão-verso - e ainda assim soarem um arraso. Tome-se o exemplo de "Sexy! No No No...", míssil electropunk sobre mudar a abordagem do engate, que se reveste de um sample de "Hair of the Dog" dos metaleiros Nazareth e é feita de, pelo menos, três canções distintas.

2) Towa Tei feat. Kylie Minogue- "GBI (German Bold Italic)"- Isto desafia toda e qualquer concepção que se possa ter de uma estrela pop. Em 1998 Kylie vinha expedita e particularmente obscura com a experimentação sónica de Impossible Princess, fechando a década com uma imprevisível aliança com o produtor/DJ japonês Towa Tei (ex-Deee-Lite) que pôs a australiana ao serviço de uma invulgar composição house-techno sobre, hum, tipografia. E é ver Minogue vestida de gueixa a deambular pelas ruas de Nova Iorque no respectivo vídeo. Surreal.

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3) Britney Spears- "Early Mornin'"- Vamos parar por um momento para analisar as implicações disto. Portanto, quatro álbuns volvidos e Britney era a maior estrela pop do universo, tendo pela primeira vez carta branca para experimentar texturas sónicas e novos produtores. Há tantos momentos a destacar em In the Zone, mas "Early Mornin'" e a sua crónica de perseguição carnal pela noite fora narrada pelas sensibilidades musicais ambient/downtempo de Moby continua a fazer virar muitas cabeças. 

4) Christina Aguilera- "Elastic Love"- Bionic será sempre um álbum mal-amado e incompreendido, mas deu-nos fantásticas adições ao catálogo de Xtina. Como "Elastic Love", uma robótica orgia electro/new wave orquestrada por M.I.A, John Hill e Switch que compara o amor de Aguilera pelo parceiro a... material de escritório. É um notável trabalho metafórico e também de transferência de valor da voz para a parafernália digital, enquanto chamariz da canção.

5) Robbie Williams- "Rudebox"- Se para uns o ex-Take That nunca soou tão cool como nesta altura, para outros Rudebox foi a fase mais nonsense e desleixada de Robbie - uma em que se marimbou completamente para o rótulo de estrela pop e fez o álbum que lhe apetecia fazer. Amálgama electro-hop algures entre Jamiroquai e Vanilla Ice, "Rudebox" - até hoje ainda ninguém percebeu muito bem o que raio significa - talvez não tenha lugar entre os seus temas mais memoráveis, mas permanece um divertido exercício de improvisação e despretensiosismo.

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6) Gwen Stefani feat. Pharrell Williams- "Yummy"- A alquimia criativa entre Gwen e Pharrell já conta uns bons anos e tem pináculo em momentos como "Hollaback Girl" ou "Can I Have It Like That", mas é The Sweet Escape (2006) que detém o maior nº de colaborações entre o par. E é uma pena que apenas "Wind It Up" tenha recebido estatuto de single, quando o tão superior e futurista "Yummy" merecia semelhante destino: uma insana rapsódia electro-rap que bem podia ter sido retalhada pelo Chapeleiro Louco de Alice no País das Maravilhas

7) Katy Perry- "Power"- Vamos aceitar o facto de que Witness é o álbum mais fraco e inconsistente do catálogo de Katy Perry, mas tal não invalida que não reserve uma ou outra surpresa. Ao sexta tema do alinhamento damos de caras com "Power", feitiçaria pop de alto calibre conjurada por Jack Garratt - o maior tiro ao lado nesta década da lista de apostas da BBC - que liberta uma torrente de frustração e humilhação acumuladas, trasformando-as num manifesto de força e poder recém-encontrados. Imaginem só o vídeo incrível que isto teria dado.

8) Little Mix- "Wasabi"- De entre as penosas consequências da mudança brusca de editora na semana de lançamento de LM5, está o término abrupto da campanha promocional que poderia ter vivido para conhecer mais uns dois singles, no mínimo. O assanhado e flamejante "Wasabi" estaria seriamente na linha da frente: uma construção de R&B em parte industrial, em parte futurista, que aponta a mira a todos os tablóides e detractores que tentam deitar abaixo a girlsband desde o início. Rolariam cabeças.

9) Usher- "Climax"- Ora aqui está algo que ainda nem os próprios envolvidos devem ter processado bem. "Climax" é um rasgo de génio e de visionarismo no percurso recheado de êxitos sólidos, mas maioritariamente seguros de Usher, que aqui se deixa guiar pelos intentos de Diplo, também ele fora de pé. Sob uma densa e compelativa névoa de R&B alternativo mergulhada em partículas de electrónica, Usher lamenta num falsete magistral o término de uma relação. Prova de que um veterano como ele conseguia ombrear com os então emergentes Frank Ocean e The Weeknd.

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10) Madonna- "Shanti/Ashtangi"- Chamemos-lhe um despertar espiritual. Isto é Madonna na sua acepção mais experimental, naquele que porventura é o melhor e mais expedito álbum da sua longa carreira, Ray of Light (1998). Em "Shanti/Ashtangi" ouvimo-la a entoar uma oração hindu em sânscrito, guiada por uma propulsiva batida techno cortesia do mestre William Orbit. É um estado totalmente superior da mente.

11) Lady Gaga- "Government Hooker"- Se há algo que Gaga tem feito é construir a sua carreira à custa de canções arrojadas que não raras vezes mudaram a configuração da pop. Há todo um leque de escolhas possíveis, mas existe algo de extremamente inusitado em "Government Hooker" que fere, rasga e queima: versos de empoderamento sexual feminino andam de mãos dadas com um escândalo político, embrulhados numa tenebrosa odisseia synthpop que engloba canto gregoriano e elementos de música trance, techno, post disco e industrial. Passível de originar tonturas e dores nas têmporas.

12) Rihanna- "G4L"- É sabido que Rihanna é das mais aventurosas e multidimensionais estrelas pop do nosso tempo, mas foi apenas há uma década que começou a ganhar grão na asa. A culpa é toda de Rated R, cujo pioneirismo se verifica particularmente nas faixas produzidas por Will Kennard e Saul Milton da dupla Chase & Status. "G4L" é exemplo disso mesmo: uma obscura criação hip hop de afiliações ao dubstep que jura vingança contra qualquer acto imoral à ala feminina. É também conhecida por ter nomeado a sua base de fãs ("we're an army, better yet a navy"). 

13) Britney Spears- "Coupure Électrique"- Temos que abrir uma excepção para Britney Spears, simplesmente porque é impossível passar pela edição deluxe de Glory e não ficar minimamente intrigado com a audácia de "Coupure Électrique": uma provocante composição electropop que encerra o seu 9º álbum de estúdio e que tem a particularidade de ser entoada em francês (algo tosco, mas ainda assim notável para uma não nativa). Passaria melhor enquanto breve interlúdio, mas prova que Britney se estava a divertir e a experimentar com a sua música.

14) Ariana Grande- "Sweetener"- Sheesh! Ainda ninguém recuperou totalmente do tubo de ensaio que Sweetener revelou ser na carreira de Ariana, a Grande. O tema-título atesta bem o carácter disruptivo da obra: uma intrigante composição soul sobre incidir alguma luz perante situações mais adversas, que desemboca num bizarro bop trap repleto de interjeições onomatopaicas. Tinha que provir, obviamente, da imaginação de Pharrell Williams.

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15) Justin Timberlake- "Blue Ocean Floor"- The 20/20 Experience será recordado como o ainda último álbum francamente excepcional de JT, uma imensa odisseia sonora que calou um jejum de sete anos e o devolveu ao trono com particular estilo e sofisticação. Guardaremos sempre um espacinho especial para a faixa de encerramento, missiva de amor profundo à sua cara metade, que se desenrola numa câmara de R&B alternativo à boa moda de Frank Ocean e que não encontra comparação em nenhum outro momento da sua discografia.

16) Beyoncé- "Ghost"- Esta é possivelmente a melhor faixa do melhor álbum de estúdio de Beyoncé. Ou melhor, metade dela, porque o todo faz-se com a não menos sublime "Haunted". "Ghost" funciona como um fragmento do subconsciente de Beyoncé, que versa num rap de cadência monótona e encharcado em reverb sobre o desencantamento da vida de estrela pop e a incapacidade inerente de ser-se bem sucedido quando se correm riscos. A produção abstracta e experimental de Boots não é deste mundo, sequer.

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17) Kelly Clarkson- "Yeah"- No chão. Estamos todos no chão com o impacto deste colosso pop/rock de guitarras crispadas, bateria tensa e vocalização maior-que-a-vida acompanhada por uma requintada secção de sopro, como se do maior espectáculo da Broadway se tratasse, que nos diz que o seu parceiro tem que ter estômago para aguentar a vida sob os holofotes. Não poderia pertencer a outro álbum da sua discografia que não a My December (2007), claro está.

18) The Weeknd- "False Alarm"- Algo nos diz que Abel Tesfaye não se diverte da mesma forma na sua encarnação pop, tanto quanto nos tempos em que caminhava nas sombras. Excepção feita a "False Alarm" de Starboy, uma caótica instalação de nervo dance-punk que versa sobre uma figura feminina perdida nas malhas do materialismo, e dessa forma indesejável para o coração. O sample que encerra o tema em tom místico pertence a uma canção de 1989 de uma artista etíope.

Que tal, lembram-se de outros exemplos? Sintam-se à vontade para partilhar!

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