'Petals for Armor' de Hayley Williams: A Pele Que Há em Mim



Durante pelo menos uma década todos vivemos na expectativa de conhecer um disco a solo de Hayley Williams. Mas a devotada frontwoman dos Paramore parecia mais interessada em descobrir novas tonalidades dentro da sua banda de sempre. Mesmo quando os constantes problemas indicavam que uma breve fuga ou saída definitiva seriam a solução mais fácil. Se tal não é um acto de amor e resiliência, não saberemos o que lhe havemos de chamar.

2020 chegou e, ainda antes mesmo de se revelar um ano maldito, trouxe consigo o anúncio do primeiro álbum em nome próprio da outrora denominada great orange hope. Num momento em que a narrativa dos Paramore parecia não precisar de mais nenhum parágrafo imediato, e em que as palavras da vocalista já não cabiam no diário que vinha a escrever com os seus companheiros da banda.

À superfície, Petals for Armor parece um álbum dos Paramore, ou não contasse ele com a produção executiva de Taylor York. Mas examinado com atenção, está longe do universo da banda, ainda que a matriz seja a mesma. Como uma espécie de spin-off de uma série de qualidade, que vem revelar novos detalhes e perspectivas de uma das personagens da trama. Apesar de Hayley ter sido sempre a protagonista, nem por isso esta história é menos relevante ou fascinante.

O álbum chegou em três tranches, numa estratégia pouco usual para um projecto de lavra alternativa. Num primeiro EP editado em Fevereiro com as cinco primeiras canções. Depois num segundo lançado em Abril, com outras cinco canções. E por fim, foi desvendado na íntegra em Maio, com as últimas cinco canções que faltavam conhecer. A campanha promocional cronológica permitiu que as canções ganhassem o seu espaço e identidade, ao mesmo tempo que ajudavam a acender o rastilho de curiosidade em torno daquilo que Hayley queria mostrar neste seu debute.


O negrume alt rock de "Simmer", primeira faixa revelada do projecto com ecos de Nine Inch Nails e Death Cab for Cutie, revela um torvelinho emocional que contempla sentimentos de ansiedade, ira acumulada, vingança e compaixão, que Hayley aprende a gerir ao expôr a sua vulnerabilidade, envergando pétalas como armadura. A quietude indie pop de "Leave It Alone" traz à memória as explorações mais imersivas de Thom Yorke, num tema que lida com as adversidades de perder as pessoas que amamos ("if you know love, you best prepare to grieve") um tópico que tem sido bastante premente na vida de Hayley. À terceira faixa sentimo-la a soltar a sua St. Vincent interior numa imensamente bizarra composição art rock sobre a sua vida doméstica - escutamos "Cinnamon", o primeiro esgar de surpresa (choque, talvez) ao longo do disco. 

"Creepin'" passava pela sua contribuição para a banda-sonora reinventada de Twilight: dark pop com ares de gótico que versa porventura sobre uma relação abusiva da qual tem dificuldade em se libertar. O primeiro tomo encerra ao som da periclitante "Sudden Desire", arrancada às páginas de Brand New Eyes (2009) com a sua toada emo pop bem vincada, numa confissão de sentimentos de desejo por alguém próximo do seu círculo de amigos, que preferia não sentir. 

Recuamos à era de After Laughter na ginga pop/rock confrontacional de "Dead Horse", inspirada na traição que conduziu ao seu relacionamento com Chad Gilbert e ao subsequente divórcio entre ambos, canalizando todos os sentimentos de angústia e vergonha que reprimiu no seu decurso. Funciona como o desfecho frio e vingativo da trilogia que compreende também "The Only Exception" e "Still Into You". "My Friend" é uma dedicatória sentida ao amigo e parceiro da Good Dye Young (a sua empresa de tintas para cabelo), mas resulta num dos momentos mais moribundos do disco. "Over Yet", outra das mais acessíveis na sua toada pop punk/new wave, nasce de um lugar bastante negro para dar luz e esperança a quem, como Hayley, atravessou sérias crises depressivas e pensamentos suicidas. 


"Roses/Lotus/Violet/Iris" vive também das influências Yorkianas e conta com os préstimos vocais das boygenius - super colectivo feminino formado por Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus - num tema mais longo que o necessário sobre feminismo, amadurecimento e auto-aprendizagem, que perto do final evoca a lembrança de Björk. O final do segundo tomo reserva-nos também a melhor faixa de Petals for Armor: "Why We Ever" parece ser a continuação de "Tell Me How", canção que encerrava After Laughter, próxima na evocação de um quase R&B/funk melódico com a sua secção rítmica calorosa, até que desce a uma linha de piano frágil e deixa a descoberto todo o remorso e a tristeza pela quebra de laços afectivos com o sujeito a que Hayley se refere. É imensamente dolorosa e magnífica.

A terceira e última secção é ligeiramente inferior às outras duas, talvez por prolongar o disco um nadinha mais que o necessário. Em "Pure Love" a constatação de que a vulnerabilidade será uma condição essencial para poder voltar a amar e ser amada de volta, em cama synthpop que condensa as ideias sónicas de "Dead Horse" e "Over Yet". Encontramos novamente pegadas funk/R&B na declaração de compromisso amoroso (?) de "Taken", que soa a Stevie Wonder e ao Timberlake de Justified (2002) com a benção dos Neptunes. 


Novo esgar de choque à decima terceira faixa: em "Sugar on the Rim" escutam-se ecos de Paula Abdul e Madonna de True Blue (1986), inflexões house, dance pop e art pop no mais impensável e experimental tema alguma vez assinado por Hayley, que versa sobre encontrar a ponta do arco-íris no final do percurso sinuoso que a conduziu até este álbum. Não conseguimos recuperar a tempo de "Watch Me While I Bloom", outra luminosa canção art pop com influências de Björk dentro, sobre amadurecimento pessoal e a compreensão de que o melhor de si está prestes a chegar. Há uma serenidade bela e confiança latente no sopro final de "Crystal Clear", que nos indica que não irá mais sucumbir ao medo, na esperança de que desta vez a fé que deposita no seu novo relacionamento seja capaz de durar uma vida. 

Tarefa mais do que cumprida no seu primeiro teste a solo. Petals for Armor soa a uma progressão natural para uma artista que já não sabe entregar apenas discos pela metade, e que agora encontrou a solo a liberdade estilística e a capacidade para confrontar a sua psique, sem ter que se escudar na banda que criou enquanto adolescente. Há uma certa sensação de realização e conforto por vê-lo finalmente editado, e a certeza de que foi um passo mais que essencial para fortalecer a sua escrita e a visão artística para o álbum nº6 dos Paramore. O futuro é uma folha em branco, vejam-na só a ganhar cor. 


1. Simmer (8/10)
2. Leave It Alone (8/10)
3. Cinnamon (8/10)
4. Creepin' (8/10)
5. Sudden Desire (8/10)
6. Dead Horse (8/10)
7. My Friend (7/10)
8. Over Yet (8/10)
9. Roses/Lotus/Violet/Iris (7/10)
10. Why We Ever (10/10)
11. Pure Love (8/10)
12. Taken (8/10)
13. Sugar on the Rim (9/10)
14. Watch Me While I Bloom (7/10)
15. Crystal Clear (8/10)

Classificação: 8,0/10

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