2021, Um Balanço Sónico- As Canções Internacionais


Doze meses de boas canções resumidos em vinte e cinco escolhas:

1º Dua Lipa- "Levitating"- Tal como "Blinding Lights" em 2020, o êxito maior de Future Nostalgia recusou-se a descer das alturas e ficou a planar o ano inteiro a uma considerável altitude para nos arrancar da letargia induzida pela pandemia. Algures entre "New Rules" e "Don't Start Now", "Levitating" é agora a jóia da coroa do arsenal de hits incessantes de Dua Lipa. Um clarão de luz em tempos de agrura. 

2º Olivia Rodrigo- "Good 4 U"- Esse braço no ar se, por instantes que fosse, todos canalizámos o nosso adolescente de quinze anos eternamente revoltado com a vida ou com aquele boo manhoso para sempre entalado na garganta. O regresso inesperado do pop punk em 2021, ou como Olivia declarou residência prolongada no topo das tabelas com um género que se pensava moribundo. 

3º Olivia Rodrigo- "Deja Vu"- Tudo sobre Olivia começou a ser interessante a partir do momento em que se percebeu que não seria só mais uma cantautora de bedroom pop. "Deja Vu" corresponde a esse glorioso fascínio inicial, nada menos do que um calculado estudo da lírica devastadora de Taylor Swift, cruzada com o seu "Cruel Summer" e com ecos de pop psicadélica dos anos 90. Um primor.

4º Olivia Rodrigo- "Brutal"- Para sempre um dos momentos mais espectaculares de 2021, aquele em que Miss Rodrigo aniquilou gargantas à entrada de Sour com a angústia teen grunge/pop punk de um objecto tão explosivo quanto compelativo deste "Brutal", vomitado existencial de alguém a navegar pelos insondáveis circuitos que hão-de conduzir à vida adulta. PS: estacionar em paralelo não se tornou mais fácil com o passar do tempo.

5º Mabel- "Let Them Know"- Bendito o dia em que Mabel acordou e decidiu que queria ser Dua Lipa - porque esse devaneio originou uma das melhores (e mais divertidas!) oferendas disco pop do ano. Algures entre "Cosmic Girl" de Jamiroquai e "Supermodel (You Better Work)" de RuPaul, "Let Them Know" é um acesa declaração de intenções pop da sua autora, com um dos vídeos mais esforçados e bem conseguidos de 2021. 

6º Boys World- "Something in the Water"- As Boys World são quase demasiado boas para ser verdade, de maneira que há imensa expectativa em vê-las romper o mainstream mais ou menos dia. "Something in the Water" foi como um oásis no final do Verão, e o primeiro momento grandioso e indelevelmente pop do seu trajecto, espécie de "Teenage Dream" da geração Z. Que o seu destino se possa cumprir em 2022. 

7º Lorde- "Solar Power"- Lorde é como aqueles eclipses que ocorrem uma vez em vários anos, recebidos sempre com grande expectativa e causando furor à sua passagem. Desta vez veio alinhada com o sol e entregou-nos à entrada do solstício de Verão o hino mais legítimo da temporada, a surfar na mesma onda funk de "Freedom!" de George Michael e psicadélica de "Loaded" dos Primal Scream. Vitamina D imprescindível.

8º Justin Bieber, Daniel Caesar & Giveon- "Peaches"- Bieber nunca deixou de ser um nome consistente nos últimos anos, mas faltava-lhe um êxito global que atestasse a sua maturidade pessoal e artística. Ele chegou na Primavera em paletes de doce fragrância pop-R&B e por via dos seguríssimos préstimos de Daniel Caesar e Giveon, complementado por um vídeo multicolorido a prestar vénia aos dias aúreos da MTV. Trincámos e não mais tirámos da cesta. 

9º Little Mix feat. Saweetie- "Confetti"- Imaginem só um grupo recuperar da saída de um elemento com um remake ao quarto single de um álbum lançado há seis meses. Imaginem agora que dois dos seus membros estão a gerar vida nos seus ventres em absoluto secretismo - e executam coreografia elaborada como se nada fosse. Por último, pensem nos alter-egos masculinos de Jade, Perrie e Leigh-Anne. Para sempre no livro de uma das jogadas mais espectaculares vinda de uma girlsband

10º Ava Max- "My Head & My Heart"- Falemos de slow burners e temas que mereciam ter tido mais sucesso nas tabelas em 2021. Forjado por Jonas Blue e Cirkut, comprovou Ava Max como a ponta de lança do revivalismo dance pop dos noughties no mainstream de hoje, munida da eterna dicotomia entre cabeça/coração, da sua entrega vocal imbatível e do triunfante sample de "Around the World (La La La La La") dos ATC. 

11º Troye Sivan- "Angel Baby"- Troye deu-nos mesmo uma imensa power ballad gay e cumpriu no momento de lhe dar vida com um vídeo de pura libertação e expressão sexual, tão necessário na configuração pop de 2021. Se isto é de facto a primeira amostra do terceiro álbum, os portões do céu estão escancarados. Amar e ser feliz, é só o que importa. 

12º Years & Years- "Starstruck"- Em 2021 o outrora trio viu-se reduzido ao projecto a solo de Olly Alexander, mas não acusou de todo a perda de fulgor criativo: "Starstruck" é facilmente o melhor single do britânico desde o imbatível "King", uma torrente de synthpop mirabolante sobre não conseguir (ou querer, de todo) ultrapassar a fixação amorosa por outro alguém. A performance corporal de Olly no respectivo vídeo é maravilhosa. 

13º Wolf Alice- "Delicious Things"- De Visions of a Life (2017) para este último Blue Weekend, os Wolf Alice só aprimoraram a arte de entregar álbuns imaculados. Em "Delicious Thing", zénite do terceiro álbum, somos puxados de novo para o universo íntimo de lume lento/crispado como em "Don't Delete the Kisses", mas desta vez com as inquietudes de uma rapariga perdida nas complicadas malhas de LA. 

14º Normani feat. Cardi B- "Wild Side"- Normani continua a hesitar na edição do álbum de estreia, mas não desilude na sua saída anual da toca: tal como "Motivation" em 2019, também "Wild Side" foi o melhor videoclip do seu ano, um acontecimento cultural imenso, desta vez com argumentos mais fortes na mistura, entre eles um sample do intemporal "One in a Million" de Aaliyah, e o featuring tentador de Cardi B. Só lhe falta mesmo o projecto na íntegra para reclamar o seu principado no R&B contemporâneo. 

15º Agnes- "24 Hours"- E o que dizer da direcção criativa de sonho de Agnes em "24 Hours"? Um l-u-x-o. Bulldozer disco pop/synthpop sobre abandonar alguém tóxico, que prossegue a herança de Donna Summer ou Gloria Gaynor no campeonato de canções disco assertivas de lágrimas nos olhos e fogo nos punhos, e que colocou Agnes no mesmo patamar da compatriota Robyn no que a pérolas nórdicas diz respeito. 

16º Doja Cat- "Need to Know"- Um parque de diversões do primeiro ao último segundo, contém tudo o que torna Doja tão magnética: a fluidez e versatilidade vocal, as potencialidades melódicas, e a capacidade de alternar entre pop e trap, entregando um rap indecoroso pelo caminho, ao serviço de uma batida sci-fi com uma das melhores explorações visuais do ano. 

17º Olivia Rodrigo- "Traitor"- Começou por ser a irmã mais nova de "Drivers License" e talvez por isso um bocadinho sobrestimada, mas o tempo tratou de mostrar que os alicerces de "Traitor" são igualmente inabaláveis: uma das melhores prestações vocais, emocionais e plenas de intensidade de todo o disco, com a lírica imaculada que já lhe aprendemos a estimar. 

18º Aly & AJ- "Pretty Places"- Quando as irmãs Michalka regressaram à vida, ninguém acreditou que seria verdadeiramente impactante. Mas duas, quatro, seis, quinze canções depois, aqui estamos rendidos à sua nova encarnação. A soft pop/rock da solarenga "Pretty Places" é o pináculo da beleza infinita a que almejaram com o quarto álbum, a servir também de polaroid mental às recordações dos últimos 365 dias. 

19º Adele- "Easy on Me"- Mais um single intemporal para Miss Adkins, mais sóbrio e minimal do que a vimos fazer no passado, mas pleno de carga emocional e com a sabedoria vocal do costume empregue em cada verso. Não tivesse chegado tão avançado no calendário, e estaria bem colocado no top 5, seguramente.

20º Regard, Troye Sivan & Tate McRae- "You"- Se há colaboração que merecia ter tido maior aclamação comercial em 2021, seria esta: uma intoxicante construção house-pop sobre fixação amorosa que une o DJ albanês-kosovar Regard ao australiano Sivan e à canadiana emergente Tate McRae, que embalou a Primavera e grande parte do Verão. A produção é robusta e concisa, enquanto as assinaturas vocais de ambos são memoráveis. 

21º Camila Cabello- "Don't Go Yet"- Camilita não falhou em momento algum na campanha promocional que conduzirá a Familia, o seu próximo álbum, não se entendendo por isso como é que uma canção tão pegadiça quanto o festim latino de "Don't Go Yet" não fez sequer fricção. Tem ramo de salsa, tem floreado tropical, cor infinita, o abraço da família e a tradição toda lá dentro - e por isso resplandecerá para sempre no nosso coração. 

22º Jessie Ware- "Hot n Heavy"- Holy Jessie Mother Ware of God! Não bastava o excelente What's Your Pleasure? que nos entregou o ano passado, este ano expandiu-o de forma generosa com mais oito novas canções, entre elas este divinal "Hot n Heavy", disco propulsiva e sofisticada da lavra de SG Lewis, ilustrada na perfeição por uma coreografia carnal de Mimi Maxwel e Patric Kuo. 

23º Pabllo Vittar- "Triste com T"- Quando pensamos que Pabllo vai fazer zig, eis que do nada faz zag - e o mundo vai naturalmente atrás. Poucas coisas foram mais divertidas do que sucumbir a releituras pop de temas do universo forró que nos proporcionou em Batidão Tropical, com particular destaque para a tristeza erótica crónica que nos invade de tempos a tempos, retratada neste single irresistível.

24º Lana Del Rey- "Arcadia"- Lana vai acrescentando títulos à sua discografia a um ritmo estupidamente veloz, mas mais impressionante que isso é a extrema qualidade de cada um deles. Blue Banisters é o projecto superior por si editado este ano, e guarda em "Arcadia" - elegia triunfal à indústria de LA - um dos hinos maiores da sua carreira, equiparável à comoção de "Video Games". É obra. 

25º Doja Cat- "Woman"- Há poucas canções em Planet Her que não possam ser transformadas em single, mas o apelo afrobeat/reggae-pop de "Woman", manifesto uptempo sobre os mil encantos femininos, tornava quase garantida a sua chegada a tal. O TikTok deu um empurrão, mas depois chegou este vídeo monumental que ajudará a canção a cumprir o seu destino em 2022.


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