Ídolos 2022: O Balanço



Sete anos após a última edição, o Ídolos voltou à grelha da SIC. Dezanove depois da estreia e no ano em que a estação comemora trinta de existência - poderia existir regresso mais celebrado? Afinal de contas, a história do canal, do programa e dos próprios talent-shows portugueses estão interligadas. Na semana em que conhecemos o vencedor da actual edição, fazemos o balanço daquilo que este regresso significou e traçamos também o cenário final. 

A sétima temporada do formato chegou com a premissa da renovação. Uma nova geração de candidatos. Uma nova apresentadora. Um novo painel de jurados. A própria mecânica do formato foi alterada. A começar na forma como a etapa dos castings foi transmitida, até ao modo como as habituais fases do concurso foram geridas.

A anunciada diferença na fase dos castings prendia-se com a maneira como os habituais "cromos" eram tratados: de maneira alguma poderiam existir as chacotas do passado em plena era de cancelamentos e sensibilidades facilmente afectadas. Mas era preciso ser-se muito ingénuo para achar que as audições menos felizes não passariam no crivo da edição - está na génese do programa e ignorá-lo seria anular a sua essência. Os "cromos" estavam lá na mesma. Apenas eram apresentados de forma mais dissimulada e discreta. Mas boa tentativa em apregoar o contrário. As boas intenções ficam para a malta do The Voice.

Depois, houve uma drástica mudança nas etapas seguintes do concurso. A dita fase do teatro foi despachada em cerca de meia hora de emissão, com os concorrentes separados por estilos, a cantarem em "linhas" e a serem reduzidos de cerca de uma centena para apenas trinta, com as habituais fase de grupos e do piano a serem excluídas. Em vez disso, assistimos na mesma emissão à escolha dos quinze finalistas - com a introdução do concerto antes do Juízo Final. Com três eliminatórias apenas e umas quantas dúvidas ainda no ar, ficou a sensação de que qualquer um poderia ter chegado às galas - e isto para um seguidor atento do formato, ficou um bocadinho difícil de engolir. Mas enfim, uma pessoa tolera porque um Ídolos apressado sempre é melhor do que um Ídolos não concretizado. E as saudades eram muitas.

Daniel Oliveira teve a sábia decisão de resgatar o formato, mas depois tomou duas decisões questionáveis. A primeira foi a de eleger Sara Matos para ser o único rosto do programa: colocar uma estreante sozinha à frente de um programa histórico, foi bastante disparatado. Ainda para mais porque o Ídolos sempre teve tradição de duplas (à excepção da última edição de 2015, conduzida a solo por João Manzarra). Se a intenção era ter uma Cláudia Vieira 2.0, tudo bem, mas os espectadores mereciam mais do que ter uma actriz a fazer-se passar por apresentadora. E logo num canal que tem uma apreciável frota de activos no comando. João Paulo Sousa e Carolina Torres teriam dado bem conta do recado. Carolina Patrocínio poderia ter aqui a chance de ouro que já provou merecer no canal generalista. Raios, qualquer um dos rostos que tem passado pelo Curto Circuito poderia ter aqui a sua rampa de lançamento. Mas Sara Matos a fazer de Catarina Furtado com figurinos super espampanantes foi bastante mais digno, claro. Mas, lá está, um fã é capaz de engolir e apreciar o espectáculo à mesma. 

A outra decisão questionável foi a de relegar o programa para as noites de Sábado, dando o horário nobre de Domingo ao programa dos matrimónios de fachada. Aqui a questão nem foi tanto o horário de transmissão - basta recordar que as duas primeiras edições, em 2003 e 2004, foram emitidas à sexta (!), no tempo em que nos podíamos dar ao luxo de assistir a grandes formatos durante a semana - mas mais a despromoção de que foi alvo. Porque resgatar um formato destes para depois não lhe dar a visibilidade merecida, é um bocadinho cruel. E em que planeta é que se considera um formato cansado e ficcionado como o Casados uma melhor opção do que um talent show que vem de sete anos de pousio e que já deu mais cantores ao mundo, do que o outro casamentos duradouros? Enfim, esperemos que as audiências tenham compensado. 

Se há algo em que o director da SIC acertou, contudo, foi no painel de jurados. À primeira vista, um elenco formado por Martim Sousa Tavares, Ana Bacalhau, Joana Marques e Pedro Tatanka poderia despertar algumas dúvidas, mas foi vê-los em acção para as dissipar. Martim, o senhor maestro, presença serena e assertiva com conhecimento da causa. Dona Bacalhau, figura castiça e querida do público com bom temperamento e tacto a completar a sua metamorfose pop (props para os figurinos exuberantes). Joana Marques, "terror" da rádio e rainha da ofensa pública, trouxe a perspectiva de observadora da bancada e regou sempre com algum humor cáustico e elegante os comentários que fez. Tatanka, o rato Mickey de soul de ouro na voz, o apaixonado eloquente que fala sempre do coração. Este quarteto é a prova de que elencos improváveis frequentemente resultam em elencos bestiais. 

Com a introdução das galas em directo, um novo receio surgia: seguiria a SIC o actual modelo norte-americano e encurtaria o seu número para umas meras quatro ou cinco, com expulsões aos pares, ou continuaria a apostar no modelo de apenas uma expulsão por semana? Nim. Acabámos por ter um formato híbrido, com sete concorrentes a serem despachados nas duas primeiras emissões ao vivo, com os restantes quatro a abandonarem o programa nas seguintes quatro. Ainda assim, esta temporada terá o menor número de programas de todas as edições: foram oito programas de eliminatórias gravadas, e sete galas transmitidas ao vivo, em vez das habituais dez. O que a estação não seguiu decididamente, foi o design de palco, arrancado a um qualquer programa da década de 90, um tanto piroso quando comparado aos das edições anteriores.

Ninguém sabe ao certo se aquele top 15 foi o mais sensato, tendo em contas as eliminatórias apressadas pelas quais passaram, mas foi seguramente um retrato fiel da qualidade desta edição. O top 10, porém, foi inegavelmente bem escolhido: a minha única dúvida prendia-se com a Diana Mendes, mas lutou bem pelo seu lugar com "Crazy" dos Gnarls Barkley. Seria interessante ver até onde chegaria se a deixassem. O Mário Pedrosa talvez não devesse ter voltado ao lugar onde já tinha sido feliz em 2015, mas aquele "Ouvi Dizer" foi o melhor que fez nesta e na outra edição. Naquela noite em particular, não tinha merecido a expulsão. A Ana Carolina tinha uma voz pequena mas muito bonita, achei que não sobrevivesse aos dez eleitos sequer, mas seguiu até ao top 8 e creio que não conseguiria mostrar muito mais se seguisse em frente. O Miguel Pavia era uma das apostas para a final, mas a inexperiência e os constantes comentários menos positivos dos jurados (por vezes demasiado influenciadores) selaram o seu destino, e talvez tenha sido melhor assim, porque a qualidade dos restantes começava a ser superior. Não deixa de ser curiosa a saída do Fábio Augusto, assumido favorito dos jurados que, parece-me, queriam fazer dele uma estrela (e o vencedor) à força. Foi vítima da própria expectativa que lhe depositaram. E não houve uma única alma que não fosse apanhada desprevenida com a sua expulsão. Ali, da forma como aquele top 6 estava, qualquer candidato era fortíssimo. 

A Gabriela Lemos, porventura a surpresa maior desta edição, ainda viveu para chegar até ao top 5. Presença discreta nas eliminatórias, agigantou-se de gala para gala. Intrépida e disciplinada, nunca deixou que os seus verdes dezasseis anos se metessem entre si e a vitória. Foi a candidata que mais evoluiu e que mais vezes se atirava para fora de pé, principalmente da quarta gala em diante: "Gaivota", "Anyone", "Toxic", "Chuva Dissolvente" e "I Don't Wanna Be You Anymore" foram medalhas olímpicas da temporada. E engraçado que nunca nos apercebemos do seu humor espirituoso até à gala passada - ídolo e artista de grão na asa in-the-making, seguramente.

Com a sua eliminação, chegámos a um inédito top 4 final. Não teria sido antes mais fácil eliminar outro concorrente para serem apenas três? Novamente, especificidades de fã acérrimo a falar, até porque isto pouco ou nada importa quando qualquer um dos concorrentes finais reune condições para ganhar. E é sobre eles que nos focaremos de seguida.

Beatriz "Rosa Prosa" Almeida. Confesso que era uma das minhas favoritas nas eliminatórias e no arranque das galas, mas foi-me perdendo com o avançar do tempo. Muito por culpa do favoritismo exacerbado dos jurados, que lhe deram confiança para se atirar fora de pé, e com isso houve um decréscimo de qualidade nas suas prestações. "Eu Sei Que Vou Te Amar" e "A Pele Que Há em Mim" foram francamente óptimas, mas o que se seguiu nem sempre me convenceu. "Multimilionário" de Zambujo foi ao lado, "Flor Sem Tempo" até foi agradável mas sofreu pelo violoncelogate, "Eu Sei" foi das vezes em que menos gostei de ouvir a canção em talent shows, "You Know I'm No Good" não fez honra ao génio da Amy, "Ana Lee" não teve grande sumo para ser extraído, e "Do I Wanna Know?" primou pelo arrojo, mas honestamente não teve pulso para um stoner rock de veias grossas. Jogam a seu favor a formação musical e o extremo cuidado que tem com as palavras, mas a elegância com a prosa não pode ser factor único para a vitória. É certo que mostrou mais facetas com o desenrolar do programa, mas não foi tão convincente como quando canta em português e no registo que nos habituou. Se for ela a eleita, a vitória fica bem entregue, mas neste momento é a minha escolha para ficar fora do pódio. 

Eduardo "Vintage Rocker" Gonçalves. Como é que alguém assim passou despercebido nos castings, mesmo? A maioria dos telespectadores só terá dado por ele na altura do concerto, quando efectivamente percebemos que seria um caminho tranquilo até à final, ou não tivessem os portugueses um fraquinho por rockers especialmente dotados. E, para contentamento do Eduardo, era o único de serviço nesta edição. No portefólio somam-se actuações imaculadas e com bom gosto: "The House of the Rising Sun", "Wicked Game" e "Roadhouse Blues" deram o tiro de partida, mas foi a partir da gala nº4 com "Canção de Engate" que começou a almejar à vitória. Com "Feeling Good" conseguiu fintar a monotonia de ouvirmos o tema em talent shows pela 87ª vez (bendito megafone!). "Times Like This" e "Enemy" foi jogar em casa mas acrescentando o elemento da contemporaneidade e o arrebatador "Jardins Proibidos" a prova de que em português o seu magnetismo se intensifica. Não há um passo em falso, uma actuação menos bem conseguida, nada, absolutamente nada que lhe possa ser apontado. E foi o único a nunca ter estado entre os menos votados - se a vitória lhe estiver destinada, não podemos dizer que não fomos avisados.

Eva "Diva Máquina" Stuart. Tem sido a maior constante desde o primeiro dia. Quando irrompeu por aquela sala de castings e entoou "Drivers License" como se sempre lhe tivesse pertencido. Seja filha de quem for, a Eva é uma estrela em qualquer parte do mundo. Uma estrela pop adolescente como Portugal nunca teve (a anos luz de Bárbara Bandeira, sim) e que não parece destinada a outra coisa que não seja à grandeza. Nunca esqueceremos o arranque das galas em directo ao som de "Black or White" e a constatação de que não osbtante a voz, Stuart Júnior era ainda um animal de palco. E o choque de perceber que não estava entre os favoritos do público, mas que felizmente os jurados não iam abdicar dela de ânimo leve. "My Heart Will Go On" instaurou a era baladeira. " I Wanna Dance with Somebody" prosseguiu o legado de Whitney com tremenda nobreza. "Sol de Inverno" para todo o sempre o seu apogeu no programa, com entrada directa para o quadro de honra da história do formato. "My Immortal" irrepreensível e emocionalmente arrasadora. "I'm Outta Love" foi vitamina D em formato canção. "Lusitana Paixão" incrível na forma como respeitou e honrou a tradição. Apenas vacilou um nadinha em "Set Fire to The Rain", ao querer imprimir ainda mais fogo de artíficio a uma canção já de si apoteótica. Parece-me a escolha óbvia para vencer o programa: tem T-U-D-O o que se pode pedir a um ídolo com tão tenra idade. E que bom seria ter pela primeira vez uma vencedora que cumpre todos os requisitos de um ídolo pop. 

Juliana "Dua Lipa da Madeira" Anjo. Enquanto o look é de uma Dua Lipa mais jovial, a voz é efectivamente de um anjo. Sinto-me a gravitar em redor da Juliana desde que ouvimos "At Last" no primeiro casting. Intemporalidade. Ela canta tudo como se tivesse escrito e vivido o que canta, apesar de ter (só) 16 anos. Faz-me lembrar bastante a Raquel Guerra (vice-campeã da segunda edição) e canta tudo tão bem, como se embalasse cada canção nos braços e a entregasse como um tesouro precioso. É decididamente uma alma velha, e não houve momento algum em que comprometesse a sua integridade artística para obter mais votos, o que explica o seu percurso quase integralmente em português e na ancestralidade. "Canção de Embalar" foi belo demais. "O Mundo é um Moinho" um murro no estômago. "Só Me Apetece Dançar" trouxe especiarias mil. "O Sopro do Coração" o triunfo da palavra e da interpretação. "Encontros e Despedidas" foi como nadar com as baleias. "Roxanne" trouxe o arrojo que faltava. "A Gente Vai Continuar" soou a volta de consagração e "People Help the People" foi a actuação mais bonita desta edição até agora e prova do que ela consegue quando abraça a música contemporânea. A Juliana não fez o trajecto de um ídolo, e por vezes parecia até estar a concorrer numa liga e concurso à parte, mas fez o seu caminho da forma mais íntegra possível, e há imensa beleza e dignidade nisso. Tem toda a Madeira a apoiá-la, e bem sabemos pelo histórico destes programas o peso que as ilhas acarretam, por isso uma vitória não está fora das cartas. 

Argumentos apresentados, sinto que o pódio se organizará com a Beatriz em quarto, a Juliana em terceiro, o Eduardo em segundo e a Eva em primeiro, mas qualquer dos desfechos será justo e celebrado. A maior vitória será mesmo a longevidade e herança que o Ídolos transporta quando encerrar a sua sétima temporada em dezanove anos no próximo Domingo: obrigado por terem tornado isto possível e nos terem entregue mais uma edição memorável. 

Nota (1): Não queria deixar de salientar em como esta é a geração de finalistas mais jovem que alguma vez tivemos: a sua média de idades ronda os 19 anos. Duas delas nasceram em 2006 (!!!) e já vêm com a escola toda, algo que só se pode atribuir à proliferação do YouTube e das redes sociais enquanto tutoras musicais. 

Nota (2): Considero impensável que um programa desta envergadura não disponibilize os seus vídeos no YouTube. Perde o formato, o canal e principalmente os espectadores, que não podem rever e partilhar os conteúdos. Com OPTO ou sem OPTO, é inadmissível.

Nota (3): Reformei-me oficialmente do comentário regular de talent shows com a edição de 2015 do Ídolos, mas nunca deixei de assistir ou vibrar (se bem que um tanto menos) com eles. Não poderia deixar de o fazer novamente, ainda que só por uma ocasião, para aquele que é o programa da minha vida. Espero que tenham apreciado tanto quanto eu. 

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