A lição de Raye à indústria
Julho 2021. Raye batia com a porta à Polydor, editora que a acolhia desde 2016, altura em que lançou o seu segundo EP (primeiro por uma major), com apenas 18 anos. A mesma "parceira" que a impedia de lançar o prometido álbum de estreia, alegando para tal a falta de resultados sustentáveis dos singles até ali lançados.
Olhemos para os números. Nesses cinco anos, Raye conseguiu colocar nove singles no top 40 da tabela de singles britânica - seis deles obtendo a certificação de platina e três deles no top 10, inclusive. Resultados mais do que satisfatórios para qualquer artista contemporâneo e que deveriam agradar também a qualquer editora. Não foi o caso.
Nesses cinco anos, Raye deu o litro e fez tudo - e mais ainda, se possível - do que lhe era pedido. Três EPs, um mini-álbum, colaborações mil, composições para terceiros (Charli XCX, Little Mix ou até Beyoncé) e percorreu uma miríade de géneros desde R&B, dancehall, dance pop, house, pop insípida e até disco. Mas não foi suficiente para lhe permitirem editar um álbum que lhe era contratualmente devido.
Depois da angústia vivida ter sido tornada pública, receou-se pela saúde mental da cantora britânica, que após um pequeno hiato das redes sociais acabou por partilhar então a notícia da sua saída da editora - e o começo de uma nova vida na independência. Apesar de aliviado, o público receou que fosse o primeiro passo para o eclipse mediático da cantora, como acontece tão recorrentemente com outros artistas que seguem a mesma trajectória.
Em Junho do ano passado, saía "Hard Out Here", o primeiro single a solo enquanto artista livre, longe dos ditames convencionais a que a vida numa major obrigava, e com palavras de rancor para a sua experiência junto dos grandes da indústria. "Black Mascara" seguiu-se, desafiante e envolto em dor. Ambos sem expressão comercial, mas com repercussão junto da comunidade pop e dos seus admiradores.
Seria "Escapism" a fintar o destino. Lançado em Outubro último, inspirado numa espiral hedonista de más decisões e musicalmente aventuroso graças à sua estrutura electropop, R&B e trip hop, tornou-se num êxito súbito no TikTok, sem que nada o fizesse prever. A canção começou por escalar o top 40 do Reino Unido, ascendendo até à vice-liderança no início de Dezembro, travado depois pela habitual residência de canções de Natal na tabela.
Eis que a 6 de Janeiro de 2023, "Escapism" ascende até ao nº1 da tabela de singles britânica, levando-a ela, agora artista independente, e à convidada 070 Shake, a alcançar o primeiro nº1 das suas carreiras. E a Polydor, nas sombras, a levar a lição da sua vida.
O single entretanto é também já nº1 na Irlanda e entrou no top 10 de países como Grécia, Finlândia, Nova Zelândia, Noruega, Alemanha, Austrália ou Holanda. Os EUA vêm já de seguida - a canção está prestes a romper o top 40, quiçá um potencial futuro nº1.
É possivelmente a história de superação mais emocionante dos últimos anos a que assistimos no mainstream. A prova de que nunca se deve duvidar da intuição de um artista, tentar moldá-lo ou silenciar a sua arte. Que esta lição perdure para as próximas gerações e seja o início do fim da opressão aos pequenos/médios artistas. Viva a liberdade! Viva, Raye!
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