REVIEW: Britney Spears- Glory


Ao 9º álbum de estúdio Britney desliga o piloto automático, recupera vitalidade e dá-nos algumas das suas melhores canções em quase uma década. 

Durante séculos perdurou a crença de que D. Sebastião retornaria um dia do nevoeiro em que se dissipou para ajudar a sua pátria. Para desgosto de muitos, não voltou, mas tornou-se símbolo do messianismo e da centelha de esperança que o ser humano acalenta mesmo nas condições mais improváveis. 

Ajustado ao nosso tempo e ao plano musical, Britney Spears é a princesa perdida em combate algures entre o final da década passada e o início desta, que todos os devotos à causa pop aprenderam a não abandonar, mesmo quando ela desistiu de si própria e arruínou o legado que vinha a construir ainda antes da viragem do milénio.

O último Britney Jean (2013) foi de tal modo ultrajante que parecia simplesmente impossível um retorno à boa forma. Mas à medida que o álbum se afundava nas graças do público e nas tabelas, Britney dava início a uma residência em Las Vegas que, dada ao seu sucesso, se mantém até aos dias de hoje. Entre sucessivas apresentações e revisitações de antigos êxitos, a máquina voltou a estar oleada e a Princesa da Pop ganhou de novo vida.

17 anos de carreira e uns quantos trambolhões depois, Britney Spears recupera em Glory a consciência e o sentido da missão enquanto estrela pop planetária e ícone maior do seu tempo, soando mais humana e ligada à sua música como há muito não acontecia. Combinando os apetites libertinos e urbanos de Blackout (2007) com a atmosfera sedutora e proficiência de In the Zone (2003), Miss Spears oferece-nos a sua melhor colecção de canções em quase uma década.

"Invitation", sedutor convite à libertação de inibições e troca de energias, proporciona um hipnótico arranque e uma sensação encantatória que perdura no tema seguinte, "Make Me...", cartão de visita do álbum que dilui R&B e ambiência chillstep na ténue electrónica basilar. Dois bons exemplos que atestam a maturidade de Miss Spears enquanto mulher dominadora, confiante e de infindáveis luxúrias.

Candura pop apresenta-se ao serviço na estação espacial de "Man on the Moon", que poderia perfeitamente figurar nos seus dois primeiros álbuns; temores de traição pairam em "Just Like Me", a sequela melhorada de "Perfume"; necessidade de compreensão e afecto presentes na calorosa construção electro-R&B de "Just Luv Me", e um quase infalível número R&B com floreados tropicais/dancehall à imagem de "Sorry" de Justin Bieber para conhecer em "Love Me Down".

Glory torna-se arrasador em quatro ocasiões. "Clumsy" devolve-a à parafernália EDM dos últimos trabalhos, mas com classe e charme sulista, combinado com uma batida europop de intensidade variável - é ligeiramente absurda mas extremamente divertida. "Do You Wanna Come Over?" da dupla sueca Mattman & Robin honra as produções visionárias dos extintos Bloodshy & Avant - que tantas pérolas ofereceram a Britney - uma infecciosa declaração de disponibilidade total que casa guitarra acústica com uma estonteante batida clubby e transporta-nos de volta a 2004, quando a diversão era uma máxima garantida nas suas canções. "Slumber Party" convence pela proposta madrugadora e pelo fabuloso balanço R&B quase a pedir um featuring de Drake, enquanto "Hard to Forget Ya" é um mash-up entre In the Zone e Femme Fatale entregue com surpreendente humanidade e entusiasmo, que se propaga ao ouvinte e reacende uma antiga chama há muito esquecida.

Passos em falso materializam-se em "Private Show" e "What You Need". A primeira cola-se demasiado a "Pusher Love Girl" de Justin Timberlake - um ginasticado número pop/R&B com inspiração directa nos seus espectáculos de Vegas - enquanto a segunda surge à queima-roupa e trucida-nos como se uma versão não aprovada de Christina Aguilera em Burlesque se tratasse. Ambas utilizam o seu registo agudo/infantil diabólico que tornam a audição um tanto penosa.

Impossível não salientar as cinco faixas bónus: costela dancehall de "Love Me Down" em "Better", romance latino no delicioso "Change Your Mind (No Seas Cortés)", pop urbana imaculada no delator "Liar", electropop oriental na hipnótica "If I'm Dancing" - com sitar e chacras à mistura - e incursão pela língua francesa (!) no inexplicável e levemente ridículo "Coupure Électrique". Boas demais.

Há coisas fantásticas, não há? Las Vegas salvou a carreira de Britney Spears e trouxe-a de volta à vida. Três anos antes e o fim parecia iminente, mas ei-la aos 34 a reclamar e a firmar o seu lugar na hierarquia pop e a conseguir resultados muito satisfatórios ao 9º álbum de estúdio, enquanto concilia o papel de mãe de família com uma mediática residência artística que celebra 17 anos de monumentos erguidos à pop - é isto a glória. Avé.


Classificação: 7,4/10

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