Virando costas a 2020

Aqui estamos nós. No último dia de 2020. Sobrevivemos ao pior e mais bizarro ano das nossas vidas, e só por isso já devemos estar gratos, apesar de tudo o que tivemos que deixar para trás, silenciar e adiar. Continuamos cá, caramba.

Apesar de todos o querermos esquecer, creio que é importante reflectirmos sobre aquilo que 2020 significou na nossa existência. As linhas que se seguem são, portanto, a mais profunda tentativa de o fazer. 

Estava bastante infeliz com a minha vida no final de 2019, mas sabia exactamente aquilo que tinha que fazer para chegar à melhor versão de mim mesmo. Comecei por suspender temporariamente o blogue na esperança de me redescobrir. Tentei estreitar laços e abrir-me para o mundo que teimava em deixar escapar. Criei conta na Netflix para conhecer outras narrativas que já não cabiam num televisor. Tentei mudar de trabalho para deixar de me sentir inconformado. Cheguei inclusivé a inscrever-me em aulas de dança para dar continuidade a uma paixão que há muito havia adormecido. 

Apenas 2/5 destas coisas aconteceram antes de o mundo se fechar sobre si mesmo. De repente estávamos todos a viver o nosso Walking Dead e tudo o que julgámos inimaginável acontecia diante dos nossos olhos. Durante dois meses escapei à sociedade e confinei-me no meio do nada, entre a natureza, num retiro imposto que preferia não ter atravessado. Senti-me ainda mais infeliz, frustrado e estagnado que antes. Tentei iludir a mente da melhor forma que consegui, mas até a maior fortaleza emocional ficaria abalada com tamanha provação.

Recuperar o gosto pela escrita foi o primeiro passo para a recuperação. Dançar e reclamar orgulho e identidade através dela, foi o segundo e mais importante. Voltar à sociedade e reintegrar-me, foi o último e mais assustador. Estou orgulhoso da forma como lidei com a adaptação à nova realidade, e nunca mais me vou esquecer da sensação maravilhosa que foi recuperar o meu espaço, a minha ocupação e estar de novo em contacto com alguns dos que me eram próximos. De me sentir novamente na minha pele, ainda que o mundo continuasse do avesso. 

As coisas pioraram antes de melhorar. O Verão instalou-se e vi-me sem escapes criativos para além dos possibilitados pelo distanciamento social, vivendo apenas para o trabalho e afastado dos amigos de sempre. Estava grato por ter recuperado a minha vida, mas era uma questão de tempo até quebrar de novo. A Taylor foi a primeira a salvar-me. Folklore chegou na primeira semana de férias pós-pandémicas que tive e nunca me vou esquecer do absoluto deleite que foi descobri-lo em múltiplas idas à praia, num curto mas abençoado escape/interregno das preocupações pós-apocalípticas. Esse álbum tornou-se no meu oásis favorito para enfrentar o que restava de 2020. 

Em seguida, salvaram-me as pessoas. Fiz por cumprir a minha promessa de me dedicar mais aos laços afectivos, e encontrei amigos em locais improváveis, e em circunstâncias desfavoráveis. Graças a eles e ao que construímos, os últimos quatro meses e meio compensaram o que restava de um ano miserável. Isto vindo de alguém que sempre encontrou forças e fé na música, permitir que as pessoas me salvassem foi absolutamente transformador.

Pelo meio continuei a sentir-me levemente triste e inconformado, mas já não me afecta como dantes. Sei que não estou sozinho. Que construí algo mais para além deste legado virtual que mantenho. Continuo a ter metas e objectivos para atingir. Mas agora tenho a força e a capacidade de mudança que não tinha dantes. Talvez 2020 fosse essencial para compreender isso, escusava era de vir com o preço associado a um episódio de Black Mirror

É muito possível que todos tenhamos que aguentar um pouco mais antes que o novo normal dê lugar ao normal restaurado e refeito das cinzas da pandemia, mas agora quase que conseguimos sentir na mão as coisas pelas quais vale a pena lutar. Só precisamos de um pouco mais de foco, fé e paciência.

Não queria terminar este texto sem agradecer em particular a Dua Lipa e a Future Nostalgia (indiscutível álbum pop do ano!) por me terem mantido à tona durante o isolamento - e muito após ele, aliás - e a Taylor Swift por nos ter entregue duas obras de encanto infinito que coloriram os meus dias e proporcionaram escapismo como poucos, bem como de deixar uma palavra de gratidão mais abrangente a todos os artistas que continuaram a dar-nos o melhor de si na altura em que mais precisávamos. 

Está cada vez mais vazio deste lado, mas se por acaso ainda por aí permanecem, obrigado por me acompanharem. Que possamos todos seguir apaziguados e conformados rumo a um 2021 que só poderá ser infinitamente melhor. 

 
And I was catching my breath
floors of a cabin creaking under my step
and I couldn't be sure
I had a feeling so peculiar
this pain wouldn't be for
evermore

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