REVIEW: Camila Cabello- Camila


Camila Cabello passa à tangente na sua prova a solo: um bom punhado de singles e pouco mais capaz de perdurar na memória. Mas o potencial está lá todo. 

Conhecemo-la há cinco anos enquanto destacado membro das Fifth Harmony - um de propriedades eucalípticas, capaz de captar os holofotes todos para si - e nos últimos meses temos assistido à sua jornada de emancipação a solo, não alheia de dramas, anseios e já uns quantos triunfos. Estaremos a testemunhar o nascimento da próxima grande estrela feminina do seu tempo ou mais um caso de sobrevalorização sem provas evidentes?

Não nos precipitemos ainda em conclusões. Para já, há algo que não deixa margem para dúvidas: a melhor coisa que lhe poderia ter acontecido foi ter seguido viagem sem as suas companheiras. Poder-se-á questionar o quão prematuro e insensato terá sido este passo - afinal, Camila saiu no pico comercial da banda - mas não lhe sobrava muito mais espaço para crescer na trajectória vazia de ambições artísticas que a editora havia escolhido para o grupo.

O drama na hora da saída foi inevitável, alimentando em parte a força que conduziu Camila ao longo de 2017: a de querer provar ao mundo que conseguiria singrar também a solo nos seus próprios termos. A caminhada, porém, não foi livre de sobressaltos: "Crying in the Club" chegou com estrondo em Maio, mas de alguma forma (e lamentavelmente, porque de facto tinha potencial) não caiu no goto do público. No final do Verão esmorecia o conceito musicalmente redentor que a sua autora havia construído no então denominado The Hurting. The Healing. The Loving., bem como a sua data de edição.



Sobravam apenas dois tasters de curioso destino: "OMG", o banger urbano em que todos tinham depositado a esperança, mas que cedo acabou por esfriar, e "Havana", um intenso flirt latino de dengosas teclas e sedutor trompete que lenta mas seguramente conquistou o seu espaço, tornando-se num dos maiores hits do último trimestre de 2017 e acabando por ditar o rumo que o projecto a solo da sua intérprete tomaria. Et voilà, eis que Camila nos chega às mãos, com o melhor timing e expectativa possíveis. 

"Never Be The Same" abre-nos a porta em tom convidativo: uma majestosa composição pop/R&B atmosférica e de percussão retumbante que versa sobre como o seu mundo foi abalado - e não voltou a ser o mesmo - graças à passagem de uma paixão intensa. Encontram-se vestígios de Miley Cyrus (a letargia alucinogénica), Britney Spears (a candura) e Taylor Swift old school (a crença no conto de fadas) no seu ADN, mas a soma de todas as partes é inegavelmente Camila. "All These Years" - diluída na mesma tónica acústica de "Real Friends", mas com nuances R&B - parece ser a sequela do tema anterior: um encontro com a antiga paixão reacende os sentimentos que, afinal, nunca deixaram de existir. Nota de destaque para as belíssimas harmonias vocais que preenchem a melodia.

A pedir estatuto de single num futuro próximo temos o affair latino de "She Loves Control", cruzamento entre reggaeton e flamenco idealizado por Skrillex (a conferir um certo toque de Major Lazer à produção), que retrata uma rapariga de ideais fixos e temperamento de aço - nada mais do que uma metáfora para a necessidade de controlo criativo almejada por Camila. De seguida apanhamos o ferry boat para Cojímar onde nos aguarda "Havana", linda e sedutora no seu vestido vermelho e salto alto, a suspirar pelo garboso indivíduo que lhe roubou o coração - é um monumento erguido às suas origens cubanas e que acaba também por definir o ano da febre popular em torno da música latina. E é ao vitaminado sol de Cuba que permanecemos em "Inside Out", bamboleante construção reggaeton com elementos dancehall que nos inebria com a sua doce brisa insular - belo trio, este.



Saímos dos trópicos para a secção que lida com alguma da dor e mágoa gerada pelos seus primeiros anos debaixo dos holofotes. "Consequences", frágil e delicada composição ao piano, faz alusão a um relacionamento amoroso que a deixou com alguns golpes ainda por sarar; "Real Friends" - versão mascarada de "Love Yourself" com ténues laivos de reggae - é a reflexão de quem deixa para trás as amizades tóxicas e anseia (e desespera um bocadinho) por encontrar novas almas luminosas no circuito do showbiz, e "Something's Gotta Give" a compreensão de que não encontrar motivos para permanecer é uma razão válida para partir - aí temos a crónica da intempestiva saída das 5H. 

A torrente de confissões está a ficar um tanto densa, por isso a cadência R&B sedutora de "In the Dark", súplica para descobrir o lado lunar de um parceiro, vem dissipar a atmosfera pesada. Revela algumas semelhanças com "Pretend" de Tinashe, apesar de não partilharem qualquer compositor ou produtor. "Into It" supreende pelo arrojo lírico, a indicar um certo despertar sexual em Miss Cabello (similar ao propagado por Reputation de Taylor Swift) e uma produção elástica algo decalcada de "Sober" de Lorde. Muito menos interessante, claro está. A fechar, e num inexplicável episódio de insanidade, temos o radio edit de "Never Be the Same", em tudo igual à versão original, largando apenas as substâncias alucinogénicas. Como se a falta de material fosse uma questão, pff

Chegamos ao fim de Camila com a sensação de que a intérprete se encontrou a ela mesma, mas não achou ainda uma identidade musical concisa e relevante que valha a pena acompanhar. O que é natural quando se tem 20 anos, uma montanha de expectativas em cima e prazos apertados para cumprir. O que Camila nos dá - e nesse aspecto é bem-sucedido - é uma série de vertentes sónicas e qualidades líricas a serem lapidadas em futuros trabalhos. Britney Spears, Christina Aguilera ou Beyoncé também não fizeram o álbum das suas vidas logo à primeira tentativa, mas deram-nos sérios vislumbres do seu potencial. O mesmo acontece com este disco - apenas o início do fabuloso destino a solo de Camila Cabello. E é mais do que suficiente por agora. 



Classificação: 7,0/10

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