Recordando os The Cranberries


Todos assistimos com tristeza esta semana às notícias que davam conta do desaparecimento súbito de Dolores O'Riordan, a mítica vocalista dos The Cranberries, banda estandarte do rock alternativo dos anos 90 e uma das mais populares de sempre originária da Irlanda.

Ao contrário de outros vultos que em tempos recentes nos têm abandonado, o legado de Dolores não parecia estar nas gavetas cimeiras da memória - o que se explica não só pelo abrandamento do ritmo discográfico no séc. XXI como também pela perda de relevância geracional e cultural - daí estas palavras terem levado mais algum tempo a serem libertadas do que seria expectável.

Não importa estar a analisar a obra da banda nem a desfiar a sua importância para o mundo: está disponível na wikipédia e pode ser-lhe tomado o pulso através do YouTube. Mais pertinente que isso será partilhar a forma como o seu legado nos marcou - e é em parte por esse motivo que este post nasce.

Não sei precisar ao certo a primeira vez que escutei Cranberries. Sei que já tinha idade para saber que era gente, mas entre o altar erguido ao Buéréré e a descoberta dos primeiros hits pré-mileniais da MTV, não sei o que terá surgido primeiro. Apenas que parte da discografia deles coexistia cá em casa com discos de Tracy Chapman, The Corrs ou Silence 4.

Era fácil ficar cativo àquela voz de timbre tão peculiar e distintivo, repleta de intensidade, paixão e aroma celta. Não importa com que canção os descobrimos, que o efeito era sempre arrebatador. Comigo, e à semelhança de muitos, foi com "Zombie", a canção-protesto feita hino para a geração de 90 que chorava ainda a morte de Cobain e procurava uma alternativa às agruras grunge dos Pearl Jam. 

Sem compreender patavina da letra ou do contexto em que existia, retive a intensidade da performance e a ira por ela propagada - algo que até então só deveria ter conhecido ao de leve cantado por vozes masculinas. Fosse qual fosse o assunto, o que se estava a passar ali era sério e assinalável. Depois havia o vídeo, igualmente poderoso e forte na simbologia, que me amedrontava tanto quanto fascinava.

Com o passar dos anos fui descobrindo outros temas seus - "Just My Imagination", "Dreams", "Ode to My Family" ou "Analyse" - através da rádio e do VH1, associando-lhes sempre um rótulo de nostalgia por saber que pertenciam ao passado. Aos 16 tive um breve episódio de revivalismo - possivelmente despertado por alguma contagem do VH1 - que me levou a gravitar especialmente sobre "Linger" (o remorso para com uma paixão que teima em partir) e "Stars" (valente feel good song para ser bradada a plenos pulmões) que foi possivelmente o último contacto que tive com a banda. 

À semelhança de tantas outras glórias da década de 90, os Cranberries passaram a ocupar um lugar terciário no circuito musical, vivendo apenas na mira dos seguidores mais acérrimos e num canto recôndito da mente da geração que os viu nascer. Pelos vistos chegaram até a editar um novo álbum o ano passado, mas ninguém estava disponível para os receber de volta.

Por mais triste que seja ver uma mulher ainda jovem e talentosa partir cedo demais, é um pouco reconfortante saber que na hora da sua partida voltamos todos a recuperar aquela página perdida em que os deixámos e renovamos o encanto - passando também o testemunho à nova geração - para que os conservemos pela vida fora. E ainda que passageiro, essa é a marca mais bonita que alguém pode deixar na sua despedida.

Fiquemos com um punhado de canções para guardar na mão:

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