Pensar a Música #3: A pop não é para velhas


A pop consegue ser particularmente cruel para as veteranas da indústria: parece que rugas e traços de expressão, antiguidade no posto e experiência não podem ser celebrados no mainstream. Mas se é verdade que isto não é tão válido para os homens quanto para as mulheres, porque razão continua a existir um preconceito de género e etário?

Madonna será o caso mais gritante. Sessenta e um anos de vida recém-completados e pelo menos dez de irrelevância cultural. É verdade que Madge se pôs a jeito desde Hard Candy (2008) em diante, incapaz de produzir algo que transforme e impacte a esfera pop, mas nem a música é assim tão má, nem a idade pode ser um impedimento para que continue a fazer arte. Existe uma censura muito óbvia e reprovação severa dos seus actos que não se verifica necessariamente em contemporâneos masculinos como Bruce Springsteen, Bono ou, ainda que um bocadinho distante mas igualmente controverso, Iggy Pop - alguém lhes pedirá a reforma de maneira tão veemente ou invocará a idade avançada como barreira para continuarem a exercer o seu ofício? Antes pelo contrário, são até elogiados.

Todos os olhos estão postos em Mariah Carey, Jennifer Lopez e Gwen Stefani, as mais recentes chegadas ao clube dos cinquenta. As três tiveram picos de carreira já depois da dita idade típica: Mariah aos 35 com The Emancipation of Mimi, J.Lo aos 42 com "On the Floor" e Stefani também aos 35 na fase a solo com "Hollaback Girl". Avistamo-las com regularidade no circuito do mainstream, não pelo impacto da sua obra recente - as rádios fecharam-lhes as portas, streaming não é com elas e a vida nas tabelas não lhes sorri - antes pelo valor acrescentado de décadas de labuta: Mariah renasce todos os Natais com o seu êxito supremo de há vinte e cinco anos, Gwen está actualmente no painel de jurados do The Voice norte-americano e J.Lo triunfa enquanto actriz, produtora executiva e performer do próximo Super Bowl. Em comum têm o facto de ainda manterem (ou terem terminado recentemente) residências de sucesso em Las Vegas. Ao contrário de Madonna, elas preferem jogar o jogo. Mas o verdadeiro desafio começa agora.

O estigma surge por volta dos trinta. Britney Spears, Christina Aguilera, Katy Perry e Lady Gaga que o digam, vencidas não só pelo tempo mas também pela nova geração que entretanto veio ocupar o lugar que antes era delas entre as preferências de adolescentes e jovens adultos. Há excepções como Shakira, que continua a singrar pela sua ligação e baseamento estratégico da carreira ao mercado da América Latina; Pink, que parece ter encontrado a sua voz e aclamação crítica e comercial quando as suas congéneres começaram a decair; ou Sia, que depois de anos nas sombras e a escrever para terceiros, despertou para o estrelato aos quarenta de idade, ainda que resguardada dos holofotes. 

O preconceito começa muitas vezes pela própria indústria. Temos que culpar essencialmente editoras, executivos e promotores - tudo malta que impacta directamente as decisões que afectam o sucesso ou insucesso de um artista - por imporem esta barreira sexista e nefasta. Ao dificultarem a criação, distribuição e promoção de música por veteranos, estão a alimentar o fosso geracional e a ideia já existente de decadência associada a estes artistas. Porque é tão mais fácil impingir aos consumidores o que é novo e apelativo do que apostar em alguém que já foi brilhante e influente, e agora é só um nadinha menos reluzente.

Isto é válido também para novos artistas que se tentam estabelecer já depois dos trinta. Quão triste é - e isto é mesmo verídico - que quando iniciaram a carreira, Anastacia e Paloma Faith tenham sido obrigadas a reduzir uns quantos dígitos à sua verdadeira idade apenas para se poderem tornar mais vendáveis? Escusado será dizer que isto jamais aconteceria com um homem. O padrão duplo atinge níveis históricos se recuperarmos a história de quando La Roux, a voz andrógina de "In for the Kill", foi barrada em 2014 da playlist da BBC Radio 1, a principal rádio de Inglaterra, por ser considerada "demasiado velha" pelos responsáveis da programação. Elly Jackson contava 26 anos à data.

É tempo de pararmos de aceitar que é normal desvalorizar artistas femininas porque passaram seja a barreira dos trinta, quarenta, cinquenta ou de que idade for. É tempo de nos insurgirmos perante a ideia de que um artista, independentemente do género, tenha um prazo de validade associado. É tempo de apreciarmos as rugas, traços de expressão e experiência acumulada como valor acrescido na obra de alguém. E talvez seja tempo de pararmos de dar tanta importância à própria passagem do tempo - porque, afinal, a idade é só um número. Que a pop possa ir sendo cada vez mais feita por e para velhas.

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