15 anos de 'Loose' de Nelly Furtado: Livre, Leve e Solta

 


Verão de 2006. Um adolescente de catorze anos ocupava os seus dias de férias com longas maratonas de MTV, idas à praia e sessões de Pokémon, enquanto desesperava pela árdua transição para o secundário que estava para vir. Havia apenas alguém mais entusiasmante e transversal que a Floribella nessa época. O seu nome era Nelly Furtado.

Foi um Verão incrível para a música pop no geral, o de 2006. Tínhamos Beyoncé, Justin Timberlake e Christina Aguilera a entregarem novas eras com estrondo. Rihanna dava os primeiros passos para o domínio mundial, as Pussycat Dolls afiavam as unhas em tudo o que podiam, Shakira demonstrava o poder das suas ancas, enquanto Fergie comprovava ter igualmente pernas para andar fora dos BEP. Mas depois havia Nelly.

A rapariga que na aurora do séc. XXI disse ser livre como um passarinho e mais tarde deu voz ao hino oficial do Euro 2004, curioso caso de identidade pop com afiliações ao trip hop e à denominada world music, deu um salto de gigante com o seu terceiro álbum de estúdio, um dos trabalhos mais influentes e fundamentais para compreendermos o panorama pop dos anos 00, e com o qual declarou supremacia mundial. 


Loose é tanto uma emancipação sexual para Nelly como Britney (2001) ou Stripped (2002) foram para Spears e Aguilera, mas com alguma da melhor música produzida na primeira década do séc. XXI. A experiência da maternidade por certo contribuiu para uma maior libertação da sua autora, mas o trunfo principal do disco é ter o mago Timbaland (e o discípulo Danja) na sua concepção, naquela que foi também a sua primeira contribuição executiva para um álbum de uma artista pop.

"Maneater" mudou por completo a estética pop da época. Um monstro dance-rock de três cabeças com presas afiadas, que faz parecer a homónima dos Hall & Oates um gatinho amestrado. Timbaland, qual cientista louco, opera teclados e bateria de forma trepidante, enquanto Nelly serpenteia delirante e lasciva pela batida insana, como quem está prestes a cometer um acto de carnificina. E depois havia aquele vídeo tenebroso de Anthony Mandler a complementá-lo, num tom igualmente underground e proibido. 

Mas foi "Promiscuous" a canção que se tornou no porta-estandarte desse Verão, levando-a pela primeira vez ao topo da tabela de singles norte-americana. Um muito bem-conseguido e divertido exemplar electro-hop que põe à vista toda a química com Timbaland, num tema que basicamente consiste numa sucessão de linhas de engate e que deve muito do seu espírito flirtante ao catálogo das TLC, Salt-n-Pepa ou Queen Latifah.


Do hip hop propulsivo de "Afraid", sobre deixar de viver condicionada pelo julgamento alheio, passando pela electropop caótica de "Glow", a sua linha de baixo distorcida ou a sua conclusão completamente genial (e demente), até ao transe R&B chill-out de "Showtime", sobre deixar de viver um amor em segredo, não decorre sequer metade do disco - e a prestação de Loose é já estelar. Depois há também o combo infalível entre o reggaeton aceso misturado com hip hop de "No Hay Igual" e a pujante balada bilíngue com Juanes de "Te Busqué", responsáveis pelo sucesso do disco nos mercados latinos.

E se "Maneater" e "Promiscuous" marcaram o Verão/Outono de 2006, "Say It Right" e "All Good Things (Come to and End)" comandaram o Inverno/Primavera do ano seguinte. A primeira é a faixa mais ubíqua do disco e a que figura mais na memória colectiva: uma magnífica canção pop multidimensional, atmosférica e ancorada numa estrutura R&B, que volvidos quinze anos ainda não conheceu comparação. É um momento místico e de absoluto esplendor artístico por parte de Nelly e Timbaland. "All Good Things", por seu lado, é igualmente bela e reflexiva, a contemplar o carácter efémero das coisas da vida. Não esquecemos a sua melancolia nem o vídeo alado que a ilustrou. 


"Do It" é um encontro entre os Talking Heads e Madonna da década de 80, um sugestivo e assertivo pedaço de dance pop uptempo com um breakdown à la Eurythmics; "In God's Hands" a faixa mais serena e espiritual do disco, na ressaca de uma separação; "Wait for You" o expoente máximo de exotismo no álbum, R&B com influências balcãs e um sample de um tema turco, enquanto nas faixas bónus "Somebody to Love" sempre se destacou mais: um épico de flamenco com 5 minutos, que se extende em deliciosas divagações de música western e saloon nos minutos finais. 

A campanha promocional de Loose prolongou-se por mais de dois anos, contemplada em oito (!) singles oficiais, permitindo que o álbum chegasse a nº1 numa dezena de países e alcançasse 12 milhões de cópias vendidas a nível global. Rendeu-lhe ainda um BRIT Award, três nomeações para os Grammys, quatro para os VMAs, cinco para os EMAs e dois números 1 na Billboard Hot 100, um feito inédito para uma luso-descendente. É certo que Nelly Furtado nunca mais voltou a alcançar os níveis estratosféricos conseguidos com este trabalho, mas para a história fica um disco seminal, transformador e audacioso que marcou não só uma era como a vida de tantos que o escutaram. Apesar de praticamente inactiva, o seu legado perdura e na nossa memória continuamos a conservá-la livre, leve e solta. Whoa, Nelly!

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