O que há a retirar sobre o Festival da Canção 2018
Debati-me um bocadinho acerca de como (e se) devia falar do Festival da Canção este ano. No final achei que seria estúpido perder a oportunidade de o fazer, ainda para mais no ano em que a Eurovisão ganha outro significado por se realizar no nosso país. Agora que o processo de selecção está concluído, vamos então retirar ilações:
1) Portugal reconciliou-se de vez com o Festival
Da suspeita trémula de 2017 à certeza inabalável de 2018: é bom constatar que o país voltou a nutrir afecto por um dos seus eventos mais históricos, agora de esperança e ânimo renovados pela conquista da Eurovisão. E é um sentimento que se arrasta desde que foram conhecidas as datas, locais, compositores, autores e intérpretes - e não só apenas nas semanas da sua realização, como acontecia (e quando acontecia, isto é) até aqui. Isso deve-se muito em parte ao bom trabalho da RTP, não só em ligar o Festival ao público, mas também em manter a aposta na diversidade e riqueza de compositores e intérpretes convidados.
2) E se o país vencedor ficasse de fora da competição no ano seguinte?
Ok, esta pode ser uma ideia polémica, mas foi algo que me ocorreu enquanto assistia à primeira eliminatória. Pensem comigo: organizar a Eurovisão é uma tarefa complexa e exigente que obriga a um elevado investimento de capital e em mão de obra. Será, por isso, que devemos gastar ainda mais recursos na selecção de um tema que tem o difícil fardo de suceder à canção vencedora? A história diz-nos que revalidar o título não é impossível, apesar de muito improvável, mas acaba por ser uma distracção daquela que é a nossa principal prioridade: ser o melhor país anfitrião possível. Isso já é motivo de orgulho por si só, não precisamos de colocar pressão adicional ao tentar obter um resultado que não nos envergonhe. Estarmos desde logo com presença garantida na final também parece batota, como o é também a regra dos "países intocáveis" - acabar com isso não era nada mal pensado, Mr. Ola Sand. A verdade é que já colocámos o Festival a hibernar por motivos menos relevantes.
3) Serão mesmo necessárias três fases de selecção?
Claramente que não. É compreensível que se queira prolongar a sensação de euforia e rentabilizar o evento em ano de consagração, mas, como em tudo na vida, quantidade não é qualidade e o Festival da Canção 2018 passava bem sem 26 canções. Metade teria servido o propósito. Importa também pensar do ponto de vista do telespectador que acaba por achar mais interessantes as semifinais do que a própria final, que soa a prolongamento desnecessário.
4) Acerca das semifinais
Não sei que método terá ditado a divisão das canções candidatas mas, à semelhança do ano passado, notou-se um desequilíbrio entre as duas semifinais. Em 2018 escolheram juntar os clones de "Amar Pelos Dois" na primeira, o que acabou por tornar o desfile de canções algo monótono, e os temas mais expansivos e fora-da-caixa na segunda, o que foi bem mais interessante do ponto de vista musical e televisivo. Demasiados apresentadores envolvidos - saudades do tempo em que Sílvia Alberto segurava com firmeza o forte - uns quantos erros técnicos pouco abonatórios e um excessivo tempo de emissão marcaram as duas etapas. Das canções que ficaram para trás, lamenta-se a perda de "Eu Te Amo" (Beatriz Pessoa), "A Mesma Canção" (Maria Amaral) e "Sobre Nós" (Tamin).
5) Sobre as polémicas que ensombraram esta edição
Festival que se preze fica sempre marcado por alguma polémica, mas este ano em que o controlo deveria ser maior, foi vê-las a estalar uma atrás da outra. Do erro técnico nas votações que ditou o afastamento de um tema, passando pelos problemas de som que obrigaram à (inédita?) repetição de uma actuação, ao alegado caso de plágio da canção do Diogo Piçarra. Aplaudo a forma como se defendeu e a decisão de desistir, isto porque ainda que acreditando na sua integridade, não é de maneira alguma o rótulo que a canção vencedora de um país - e o cenário apontava para isso - deva ter associado. É um episódio que seguramente conseguirá superar.
6) Que bonita foi a final
Descentralizar foi a palavra de ordem e tomara que também o tivesse sido nas duas semifinais. Afinal, bem basta termos a Eurovisão na capital. A final não só teve a nata das canções a concurso, como ainda acertou pela primeira vez na componente cénica (que arraso de palco!) num bem-sucedido treino para aquilo que se esperará no espectáculo eurovisivo, e na dupla de apresentadores: Pedro Fernandes a não desperdiçar a aposta que a RTP vem a fazer nele, conferindo um bem-vindo humor um pouco mais arrojado que o costume para os trâmites festivaleiros, e Filomena Cautela, também ela cada vez mais um valor seguro do canal estatal, surpreendentemente um pouco nervosa e não tão boba (elogio) como é hábito. Ambos ajudaram a desconstruir a seriedade e a noção de boneco pré-formatado do apresentador do certame. E, pelo meio, que bela homenagem a Simone de Oliveira com direito a longa ovação de pé - é isso mesmo, há que fazê-las em vida e "por gosto".
Quanto aos intépretes em si, Peu Madureira - misto de Frei Hermano da Câmara e Paulo Bragança - e Janeiro - Salvador 2.0 que o público desta vez não quis abraçar - estavam entre os candidatos ao título, mas cedo se percebeu que se travaria um duelo no feminino entre Catarina Miranda e Cláudia Pascoal, que só a soberania do público conseguiu resolver. "Para Sorrir Eu Não Preciso de Nada" foi o cavalo negro da competição e a única canção a ter conseguido ganhar espaço e favoritismo entre as eliminatórias - e que bonito foi vê-la a defender a canção na final, alimentando-se da energia do público. É o tipo de momento que um artista pode guardar como combustível para a vida toda. Lindo, lindo, lindo.
7) "O Jardim" de Cláudia Pascoal e Isaura é agora a nossa representante
Partiu bem destacada desde o início e conseguiu alcançar a vitória. É bem produzida e segue um apreciado padrão de pop electrónica em embrulho emocional, complementado por uma interpretação notável de dona Pascoal, que é sobretudo o que a Europa vai retirar da actuação. Com sorte, poderemos fazer uma participação à imagem do que a Bélgica fez no ano passado.
Não posso deixar de salientar que se mantém a tradição de vencedores associados a talent shows: Claúdia Pascoal passou pelos Ídolos mas fez escola na última edição do The Voice e, um pouco mais atrás, encontramos uma Isaura formada nas fileiras da Operação Triunfo. E muito me orgulho de a ver nestes preparos agora.
Para uns ficarem contentes, haverá sempre alguém que triste fica, mas há que apoiar e defender a canção eleita. E, mais importante que tudo, concentrar esforços e atenções na Eurovisão que este ano será de todos nós. Vai ser tão bom, não vai?
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