2016, Um Balanço Sónico- Os Discos Internacionais

Facto: nunca ouvi tanta música como em 2016. O que não se traduz necessariamente em qualidade, antes em maior exploração sónica e tempo dedicado a esta paixão. Preferências alinhadas, estes são os 20 discos que mais gostei de ouvir este ano:

1º Beyoncé- Lemonade


Ao segundo lançamento relâmpago, Beyoncé surpreendeu-nos não pelo método de chegada mas pela confissão em forma de canção que o matrimónio com Jay-Z esteve por um fio. Reduzi-lo, no entanto, à denúncia da infelidade do marido é dar-lhe a dimensão de uma notícia de tablóide. Lemonade é por isso Queen B a ser Queen B e a dar a volta por cima a uma das situações mais complicadas da sua existência. Mas é também Queen B a tomar consciência da sua herança enquanto mulher negra nascida na América, assumindo-se enquanto voz orgulhosamente activa da comunidade em tempos de profunda conturbação. E é, acima de tudo, Queen B na sua acepção mais livre, arrojada e sísmica. Se à qualidade das canções adicionarmos a componente visual do disco, Lemonade assume-se como a obra maior de 2016, coerente com a visão e identidade de uma Beyoncé em constante evolução e em contramão com aquilo que se espera de um astro da sua dimensão. Nada menos, portanto, do que uma lenda a cumprir o seu destino.


2º Ariana Grande- Dangerous Woman


"Focus" pode ter sido o melhor acidente de percurso passível de ter acontecido a Ariana Grande - sem ele dificilmente teria encontrado a tónica que haveria de dominar o seu terceiro álbum de estúdio. Dangerous Woman é a sua bem sucedida tentativa de romper com a imagem pueril que lhe era associada e de passar a ser acreditada como astro pop da primeira divisão. E sabemos que Miss Grande está no caminho certo quando de entre todas as 15 canções que compõem o alinhamento do álbum está um potencial single. Nada menos do que um arraso de disco. 


3º Rihanna- Anti


Nenhum outro disco me deu tanta luta este ano. Tudo nele é a subversão da norma de uma dita estrela pop: o parto doloroso, o título, a distribuição impensável, a inexistência de uma campanha de marketing massiva, a ausência de hits óbvios ou até a reacção polarizadora que obteve junto do público e da crítica. Anti não ficará para a história como o melhor disco de Rihanna, antes o momento de transição entre a artista de singles para a artista de álbuns densos e musicalmente maduros. Que o digam "Consideration", "Kiss It Better", "Needed Me" ou "Desperado". 


4º Glass Animal- How To Be a Human Being


Nem sempre é fácil contornar o estigma do complicado segundo álbum. Vindos da exótica selva de Zaba (2014), os Glass Animals tinham tudo para cair na esparrela, mas em apenas dois anos mostram novas e entusiasmantes cores no seu sucessor - travam o psicadelismo e acentuam o travo R&B e indietronica da estreia - cujo encanto nem está nos dois primeiros cartões de visita revelados, mas sim em temas como "Season 2 Episode 3", "Cane Shuga", "The Other Side of Paradise" ou "Agnes". Impressionante, no mínimo.


5º Britney Spears- Glory


2016 ficará também marcado pelo regresso (desta vez a sério) de corpo e alma da Princesa da Pop. Glory representa Britney Spears na plenitude das suas faculdades, a honrar o título honorífico que para sempre carregará às costas, com o melhor punhado de canções que edita em quase uma década. Passe a eficácia de números como "Do You Wanna Come Over?", "Slumber Party", "Love Me Down" ou "Hard To Forget Ya", o melhor é senti-la novamente de corpo presente e feliz com as suas canções. Pena só que já ninguém queira saber. 


6º Kaytranada- 99,9%


Um dos discos deste Verão contou com a assinatura do produtor canadiano que congrega no estrondoso debute electrónica e hip hop com heranças funk, soul e R&B, filtradas por um leque de reputados convidados onde figuram Craig David ("Got It Good"), AlunaGeorge ("Together"), Vic Mensa ("Drive Me Crazy"), Anderson .Paak ("Glowed Up") ou Little Dragon ("Bullets"). Passa por aqui o futuro da música de dança. 


7º Tinashe- Nightride


Quando estávamos todos a ficar seriamente preocupados com as intenções artísticas e os prazos falhados de Tinashe, eis que pela calada da noite nos chega o disco que provavelmente a indústria e a sua editora não queriam receber. Mergulhado na melhor tradição disruptiva de mixtapes como Reverie (2012) ou Black Water (2013), Nightride é uma sessão hipnótica de composições R&B nebulosas que prolongam o fascínio e a tão compelativa dualidade da sua intérprete. "Lucid Dreaming", "C'est La Vie", "Touch Pass" ou "Ghetto Boy" explicam o porquê. 


8º Solange- A Seat at the Table


Quão raro é termos duas irmãs com dois dos discos mais aclamados do ano? O feito tinha que pertencer ao clã Knowles, claro. No seu primeiro longa-duração em oito anos, Solange elabora uma profunda reflexão sobre identidade - pessoal, feminina e racial - alicerçada em notáveis concretizações neo soul, funk, psicadelismo e R&B entrecortadas por inúmeros interlúdios (diálogos, se preferirem) que compõem a atmosfera reflexiva e íntima. Desde já clássico maior do seu tempo, A Seat at the Table é, sobretudo, o projecto que há muito Solange tinha guardado dentro de si e que o período de maturação apenas veio refinar. 


9º Wild Beasts- Boy King


Ainda que Boy King não seja o melhor disco do quarteto britânico, é seguramente o abanão que os Wild Beasts necessitavam nesta fase do seu percurso. A androginia e a dream pop do passado esbatem-se para dar lugar a um rock electrónico e abrasivo num disco urgente, viril e, sobretudo, arrojado. "Though Guy", "Alpha Female", "Get My Bang" ou "He the Colossus" ameaçam rebentar com qualquer termostato. 


10º Kanye West- The Life of Pablo


Não sendo na sua verdadeira acepção um best of, o sétimo capítulo discográfico do todo-poderoso Yeezus soa menos a um trabalho revolucionário e mais a um compêndio da matéria dada ao longo dos últimos 13 anos: a samplagem de clássicos soul ("Famous", "No More Parties in LA"), a humanização do auto-tune ("Highlights", "Fade"), a pop grandiloquente ("Waves", "Wolves") e o rap industrial ("Feedback", "Freestyle 4"), alternados com roupagem gospel ("Ultralight Beam", "Low Life"). Fica na história de 2016 por durante um par de meses ter sido uma obra viva em permanente mutação, dado o seu rol de melhorias e edições. 


11º Angel Olsen- My Woman


Se em 2015 os meus dias ganharam outro encanto com o despertar para a obra de Julia Holter, em 2016 o mesmo aconteceu relativamente a Angel Olsen. Entrou pela força do imperial "Shut Up Kiss Me" e ficou pelo assombro de "Sister". My Woman, a história completa, vê-a por fim a esbater o rótulo de cantautora folk, espraiando-se ora em registos de garage rock, grunge ou devaneios synthpop, country e jangle pop. Musa alternativa do ano, por quem é difícil não nos apaixonarmos. 


12º Usher- Hard II Love


É verdade que não há justificação para um artwork tão pouco elogioso, mas não podemos avaliar o conteúdo pela capa, porque lá dentro mora um quase imaculado conjunto de canções que atestam ainda a relevância de Usher para o R&B dos nossos dias. Hard II Love acrescenta elementos de trap music ao cardápio sonoro do veterano norte-americano e brilha particularmente em faixas como "Missin U", "Bump", "FWM" ou "Rivals". 8 álbuns e 22 anos depois, Usher still got it


13º Kevin Morby- Singing Saw


Kevin Morby captou-me com "Parade" há coisa de ano e meio atrás e já em 2016 com "I Have Been to the Mountain" primeiro, e depois com "Dorothy". Singing Saw é, com mérito, o seu disco de afirmação, seguindo seguro nos caminhos de Dylan por uma folk rock de lírica contundente, musicalmente polida e guiada por uma voz sábia e anciã. Entregar-me a ele foi uma das experiências mais imersivas e recompensadoras do ano. 


14º The Weeknd- Starboy


Do anterior Beauty Behind the Madness para este Starboy, The Weeknd apenas perdeu o pineapple hair, porque a excitante dualidade entre o mainstream e as margens mantém-se intacta, assim como a aptidão para hits que funcionem bem tanto em clubes, espaços comerciais ou subúrbios. O disco viveria bem sem menos uns 4/5 temas, mas esgrime notáveis argumentos em momentos como "I Feel It Coming", "Party Monster", "Rockin'", "Secrets", "All I Know" ou no incontornável tema-título. Mais contenção e ousadia numa próxima tentativa, Mr. Abel. 


15º Låpsley- Long Way Home


Abafada pelos lançamentos de outros contemporâneos seus, a viçosa estreia de Holly Fletcher passou de alguma forma despercebida não só ao longo do ano como na altura do seu balanço. Faltaram-lhe argumentos excepcionais da lavra de "Station" ou "Falling Short" - apresentadas previamente em EPs - mas canções como "Hurt Me", "Cliff" ou "Operator (He Doesn't Call Me)" atestam bem a maturidade da intérprete então de apenas 19 anos, a mover-se com agilidade em territórios de electrónica, R&B alternativo e pop de margens. 


16º Nao- For All We Know


O que há de tão refrescante em For All We Know será talvez a visão identitária que cada colaborador traz ao projecto: da electrónica e R&B de GRADES ("Inhale Exhale") e A. K. Paul ("Trophy") à atmosfera funky de nomes como Jungle ("Get to Know Ya") ou Loxe ("Adore You"), passando pelo experimentalismo de John Calvert ("Blue Wine"), sempre sob o crivo da própria Nao, voz autoral que capta de forma dinâmica e hipnotizante todas essas compelativas ambiências.


17º James Blake- The Colour In Anything


A longa espera pelo terceiro álbum de estúdio do cantor britânico foi compensada por uma imersiva colecção de 17 canções que se espraiam em 76 exigentes mas recompensadores minutos. The Colour In Anything apresenta-se menos imediato que os seus antecessores, preenchendo-se de novos e fascinantes digitalismos, novos convidados (Justin Vernon, Frank Ocean e Rick Rubin) e novas paisagens sonoras que tingem de (alguma) cor as habituais telas monocromáticas de James Blake. Continua a saber bem entregarmo-nos à sua tristeza crónica.


18º Grace- FMA


Pode estar aqui um dos discos mais subestimados de 2016. O potencial de FMA - sigla para Forgive My Attitude - e da sua autora não se esgota em "You Don't Own Me", a engenhosa reconstrução do clássico de Lesley Gore. Há soul de recorte clássico em "Church on Sunday", "Hell of a Girl" ou "Boys Boys Boys", verve urbana em "Hope You Understand" e "Crazy Over Here", jazz acetinado em "Coffee"e "New Orleans" e baladas dos sete costados em "How to Love Me" e "From You". Memórias de Amy Winehouse e modelos de Christina Aguilera ecoam ao longo da maravilhosa estreia desta australiana de apenas 19 anos. 


19º Aurora- All My Demons Greeting Me as a Friend


Da maior promessa de 2015 não se esperava nada menos do que uma colecção estelar de canções. All my Demons Greeting Me as a Friend é a transformação de Aurora em mariposa que o casulo do EP Running with the Wolves deixava antever: lírica rica e polvilhada pelo imaginário particular da sua autora, melancolia e misticismo nórdico envoltos em elaboradas mas apelativas construções electropop e art pop e uma voz alada e arterial que nos guia sempre tão segura e certa do seu caminho. "Warrior", "Conqueror" ou "I Went Too Far" fazem deste um dos melhores debutes do ano. 


20º Yuna- Chapters


Talvez por estarmos em ano de pousio de Jessie Ware ou Jhené Aiko, o terceiro capítulo discográfico da malasiana Yuna arrebatou-me por completo. Tem o charme pop da primeira e o balanço R&B da segunda combinados com a sofisticação e sedução de Sade. O álbum conta com o condão de Robin Hannibal, uma das metades dos Rhye e Quadron, presente em momentos deslumbrantes como "Lanes" ou "Too Close". Mas nada se compara ao prazer de ouvi-la a versar sobre um beat estonteante de DJ Premier no exercício de turntablism sublime que é "Places to Go". 

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