REVIEW: Kelly Clarkson- Meaning of Life
Em Meaning of Life Kelly Clarkson deixa para trás o passado e recomeça sem amarras ou proibições. O resultado é glorioso.
A mudança implica sempre uma boa dose de risco e coragem. Porque nem sempre sabemos se a nossa versão evoluída será de facto uma versão melhorada de nós mesmos, ou se teremos sequer a capacidade de lidar com o que dela resulta. Mas quando a oportunidade surge, viraremos as costas com receio do que possa estar em frente ou simplesmente seguiremos rumo a um novo desconhecido?
Levou-lhe quinze anos, mas finalmente Kelly Clarkson fez o álbum que sempre quis ter feito. Aprisionada à RCA Records desde a sua vitória na edição inaugural de American Idol, virou costas a uma renovação de contrato milionária para assinar com a Atlantic Records uma proposta mais modesta mas de maior controlo criativo, perseguindo assim uma vontade há muito sentida de voltar às origens e gravar um disco em que as suas influências de soul e R&B estivessem presentes. E talvez por isso Meaning of Life soe ao seu trabalho mais genuíno, emocionante e coeso de sempre.
Sem menosprezar o impressionante catálogo pop que foi acumulando ao longo dos anos, há muito que sentíamos Kelly algo desligada do seu repertório e propósito enquanto artista de massas e que imperava algum tipo de mudança - ou não estivessemos perante uma das melhores vocalistas da sua geração a operar abaixo das suas capacidades. Basta olharmos para o anterior Piece by Piece (2015), um quase desperdício criativo que contribuiu para o alargamento do fosso entre a intérprete e o público.
Felizmente para todos os envolvidos, Meaning of Life é o recomeço que Piece by Piece deveria ter sido: um disco com entrega e coração a rodos, bem-sucedido no throwback aos elementos urbanos que edificaram o seu caminho e que reflecte com sucesso a imagem e confiança da artista, mulher e mãe de família em que se tornou.
O interlúdio ao som de "A Minute" reclama desde logo o cultivo de zelo e contemplação numa sumptuosa orquestração de cordas e teclas que ecoa a aura intemporal de discos como Stripped ou Songs in A Minor, abrindo caminho para a prosa apaixonada de "Love So Soft", ginasticada construção soul/trap/R&B que cumpre a sua função em menos de três minutos e dá lugar ao radioso "Heat", notável momento pop que solicita mais entrega e afecto à cara metade, num encontro melódico que pede emprestado o senhor do chop-chop-trop-trop de "Cockiness (Love It)" de Rihanna e o agitado clamor percussivo de "Hair" das Little Mix.
O tema-título é uma poderosa demonstração das suas potencialidades vocais bem como da gratidão e devoção para com o marido, funcionando como o seu "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman" pessoal. Impossível não sentir também as influências de Miss Aretha e do seu "Respect" no assertivo e incontornável "Whole Lotta Woman", uma valente apropriação dos valores e ditames de Kelly, no qual se assume enquanto "strong, badass chick with classic confidence". "Medicine", por seu lado, é como soa um "Since U Been Gone" ou "Stronger" à luz de uma soul/pop com elementos urbanos derivativos do início do milénio.
Em "Would You Call That Love" pede a confissão de culpa e arrependimento a um amor do passado por ter encerrado de forma pouca amistosa a história de ambos, reencontrando no processo criativo o colaborador Greg Kurstin, que confere ao tema a mesma aura mística de "Dark Side", por ele também alinhavado. "I Don't Think About You" é uma fortíssima adição ao seu repertório baladeiro, emocionante prosa reflexiva do seu divórcio com a antiga editora e que a vê calçar os sapatos de Celine Dion ou Whitney Houston - uma novidade com efeitos práticos avassaladores.
Meaning of Life também tem os seus momentos menos fulminantes. "Move You" versa de forma hercúlea em cama soul/gospel sobre querer produzir numa outra pessoa um impacto profundo, mas a estrutura melódica não acompanha de forma tão retumbante a lírica épica; "Cruel" soa a pastiche soul dos créditos finais daquela comédia romântica que já ninguém se lembra e "Didn't I" tem um dos melhores arranjos soul/pop do disco, mas a repetição dos versos nas estrofes finais revelam fraco engenho e retiram-lhe algum carisma.
Na secção final encontramos um compelativo e sedutor tema country na forma de "Slow Dance" - porventura a sua canção mais sensual desde "Be Still" - aviso à navegação para todos os homens que tentam passar o romance à frente; um cintilante "Don't You Pretend" que pede ao interesse romântico que se deixe de rodeios e confesse as suas verdadeiras intenções, e um "Go High" inspirado por um discurso de Michelle Obama que nos puxa para a estratosfera com golfadas de hélio, terminando o disco numa nota de resiliência e optimismo.
Oito álbuns depois, parece que Kelly Clarkson encontrou a motivação que a guiará nos próximos vinte anos de carreira e que lhe trará, além dos óbvios Grammys, o reconhecimento e respeito dos seus pares bem como do público enquanto uma das grandes artistas do seu tempo. Porque, convenhamos, daqui para a frente só pode melhorar. Um brinde, pois, à coragem e aos recomeços.
Classificação: 7,8/10
A mudança implica sempre uma boa dose de risco e coragem. Porque nem sempre sabemos se a nossa versão evoluída será de facto uma versão melhorada de nós mesmos, ou se teremos sequer a capacidade de lidar com o que dela resulta. Mas quando a oportunidade surge, viraremos as costas com receio do que possa estar em frente ou simplesmente seguiremos rumo a um novo desconhecido?
Levou-lhe quinze anos, mas finalmente Kelly Clarkson fez o álbum que sempre quis ter feito. Aprisionada à RCA Records desde a sua vitória na edição inaugural de American Idol, virou costas a uma renovação de contrato milionária para assinar com a Atlantic Records uma proposta mais modesta mas de maior controlo criativo, perseguindo assim uma vontade há muito sentida de voltar às origens e gravar um disco em que as suas influências de soul e R&B estivessem presentes. E talvez por isso Meaning of Life soe ao seu trabalho mais genuíno, emocionante e coeso de sempre.
Sem menosprezar o impressionante catálogo pop que foi acumulando ao longo dos anos, há muito que sentíamos Kelly algo desligada do seu repertório e propósito enquanto artista de massas e que imperava algum tipo de mudança - ou não estivessemos perante uma das melhores vocalistas da sua geração a operar abaixo das suas capacidades. Basta olharmos para o anterior Piece by Piece (2015), um quase desperdício criativo que contribuiu para o alargamento do fosso entre a intérprete e o público.
Felizmente para todos os envolvidos, Meaning of Life é o recomeço que Piece by Piece deveria ter sido: um disco com entrega e coração a rodos, bem-sucedido no throwback aos elementos urbanos que edificaram o seu caminho e que reflecte com sucesso a imagem e confiança da artista, mulher e mãe de família em que se tornou.
O interlúdio ao som de "A Minute" reclama desde logo o cultivo de zelo e contemplação numa sumptuosa orquestração de cordas e teclas que ecoa a aura intemporal de discos como Stripped ou Songs in A Minor, abrindo caminho para a prosa apaixonada de "Love So Soft", ginasticada construção soul/trap/R&B que cumpre a sua função em menos de três minutos e dá lugar ao radioso "Heat", notável momento pop que solicita mais entrega e afecto à cara metade, num encontro melódico que pede emprestado o senhor do chop-chop-trop-trop de "Cockiness (Love It)" de Rihanna e o agitado clamor percussivo de "Hair" das Little Mix.
O tema-título é uma poderosa demonstração das suas potencialidades vocais bem como da gratidão e devoção para com o marido, funcionando como o seu "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman" pessoal. Impossível não sentir também as influências de Miss Aretha e do seu "Respect" no assertivo e incontornável "Whole Lotta Woman", uma valente apropriação dos valores e ditames de Kelly, no qual se assume enquanto "strong, badass chick with classic confidence". "Medicine", por seu lado, é como soa um "Since U Been Gone" ou "Stronger" à luz de uma soul/pop com elementos urbanos derivativos do início do milénio.
Em "Would You Call That Love" pede a confissão de culpa e arrependimento a um amor do passado por ter encerrado de forma pouca amistosa a história de ambos, reencontrando no processo criativo o colaborador Greg Kurstin, que confere ao tema a mesma aura mística de "Dark Side", por ele também alinhavado. "I Don't Think About You" é uma fortíssima adição ao seu repertório baladeiro, emocionante prosa reflexiva do seu divórcio com a antiga editora e que a vê calçar os sapatos de Celine Dion ou Whitney Houston - uma novidade com efeitos práticos avassaladores.
Meaning of Life também tem os seus momentos menos fulminantes. "Move You" versa de forma hercúlea em cama soul/gospel sobre querer produzir numa outra pessoa um impacto profundo, mas a estrutura melódica não acompanha de forma tão retumbante a lírica épica; "Cruel" soa a pastiche soul dos créditos finais daquela comédia romântica que já ninguém se lembra e "Didn't I" tem um dos melhores arranjos soul/pop do disco, mas a repetição dos versos nas estrofes finais revelam fraco engenho e retiram-lhe algum carisma.
Na secção final encontramos um compelativo e sedutor tema country na forma de "Slow Dance" - porventura a sua canção mais sensual desde "Be Still" - aviso à navegação para todos os homens que tentam passar o romance à frente; um cintilante "Don't You Pretend" que pede ao interesse romântico que se deixe de rodeios e confesse as suas verdadeiras intenções, e um "Go High" inspirado por um discurso de Michelle Obama que nos puxa para a estratosfera com golfadas de hélio, terminando o disco numa nota de resiliência e optimismo.
Oito álbuns depois, parece que Kelly Clarkson encontrou a motivação que a guiará nos próximos vinte anos de carreira e que lhe trará, além dos óbvios Grammys, o reconhecimento e respeito dos seus pares bem como do público enquanto uma das grandes artistas do seu tempo. Porque, convenhamos, daqui para a frente só pode melhorar. Um brinde, pois, à coragem e aos recomeços.
Classificação: 7,8/10
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