Canções de uma agro-quarentena, III


O último capítulo das companheiras de confinamento social:

1) Kesha- "High Road"- Poucos esperavam que depois de Rainbow (2017), Kesha fosse capaz retomar às raízes puramente pop e de nos entregar um bop assim, mas aí está ela na viragem da década ao melhor estilo de rainha do parque de caravanas num insano tema de Jeff Bhasker dividido entre cântico de gospel, saraivada de hip hop, ou hino dance pop. Faz bem em não se levar muito a sério. 

2) Hailee Steinfeld- "Wrong Direction"- É verdade que Hailee já podia ter deixado há muito de ser uma estrela pop série B, mas os compromissos para com a representação levaram a um abrandamento dos seus planos musicais. Em 2020 o foco parece ter mudado, tendo começado o ano com o lamento destroçado de "Wrong Direction", inspirado pelo fim da relação com Niall Horan. Uma balada muito decente que serve de cartão de visita a Half Written Story, a primeira metade de um projecto duplo que conhecerá continuidade este Verão. 

3) Malia Civetz- "Broke Boy"- Voz de big momma, atitude de estrela pop e uma feel-good song infalível sobre amar alguém de carteira vazia - ninguém sabe ao certo de onde saiu Malia Civetz, mas num qualquer universo paralelo este vai ser um dos hits de Verão. Felizes de nós que a encontrámos. 

4) Syro- "Perto de Mim"- Onde é que Syro estava escondido, mesmo? Se não contarmos com Agir e Fernando Daniel, não há muitos vocalistas masculinos fortes surgidos em Portugal na última década. Inicialmente pensei que se tratava de um ressurgimento em força de Pedro Madeira, mas uma pesquisa mais atenta revelou pertencer ao projecto a solo de Diogo Lopes. Interpretação arrebatadora numa prosa muito bem construída.

5) Alicia Keys- "Underdog"- O sétimo álbum de estúdio de Miss Keys tem sofrido sucessivos adiamentos devido à pandemia, mas continua a ser alvo de uma campanha de singles notável. Depois de "Show Me Love" e "Time Machine", "Underdog" - canção com créditos autorais de Ed Sheeran - chegou para despertar consciências sociais em torno dos heróis do dia-a-dia que contra todas as adversidades, escolhem lutar por um futuro melhor. Poucas canções fazem mais sentido nos tempos que correm. 

6) Melim- "Gelo"- Já os conhecia ao de leve através da participação em "Se Eu" com Fernando Daniel, mas nesta quarentena passei a prestar devoção a "Ouvi Dizer" e, sobretudo, "Gelo", uma canção pop-reggae maravilhosa que demora só dezasseis segundos a brotar num refrão inebriante e que tem um verso tão extraordinário quanto "era pra você somar mas você sumiu". Melhor trio de irmãos desde os Jonas Brothers. 

7) Noah Cyrus- "July"- Se a Cyrus mais nova não for a surpresa desta quarentena, não sei quem mais será. Principalmente desde que deixou de tentar soar a todas as outras artistas do top 40 e passou a dar-nos mais de si e das suas influências. Tome-se o caso de "July" - uma soalheira canção de inclinações folk e country sobre abandonar uma relação tóxica - que saiu no Verão passado e, com alguma sorte, ainda nos acompanhará no deste ano. 

8) Marta Carvalho- "Chama"- Que percurso fascinante que Marta tem trilhado desde o Factor X e o The Voice: está a florescer numa intérprete cada vez mais confiante e numa letrista bastante competente, como mostrou a canção vencedora do Festival da Canção que compôs para Elisa, e este "Chama", pop de sensibilidades R&B cardíacas - e tão raro que é encontrar alguém a fazer bom R&B em português - que poderia perfeitamente estar incluída num dos álbuns de Banks. Há um vídeo com um styling de sonho a condizer. 

9) Mura Masa & Georgia- "Live Like We're Dancing"- O segundo disco de Mura Masa não está a ser celebrado da mesma forma que o debute, mas assistimos em R.Y.C à expansão da sua visão enquanto produtor, capaz de entregar uma pérola pop de heranças disco tão nostálgica quanto este "Live Like We're Dancing", sobre a natureza efémera, intensa e louca do amor adolescente.
 
10) Sigala feat. Ella Henderson- "We Got Love"- Foi no final do ano passado que assistimos ao regresso à tona de Ella Henderson, entre inéditos e colaborações. "We Got Love" foi logo o segundo em linha, uma produção house/dance pop jubilosa da lavra do conterrâneo Sigala que sampla "Strings of Life", lendário clássico de 1987 de Rhythim is Rhythim. 

 
É tempo de sairmos desta quarentena. 

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