Odisseia Musical: 2004, O Fascínio- Parte I

Sempre que recuo a 2004, regresso a um dos melhores períodos da minha vida. Em parte pela música, que me traz memórias inesquecíveis e me moldou enquanto pessoa, mas, acima de tudo, pela forma como a minha vida era.

Tinha passado cerca de um ano do meu abandono abrupto da carreira de dançarino e estava numa nova escola. Tinha 12 anos, andava no 7º ano e a minha vida tinha mudado drasticamente: novas rotinas, novas caras, novos sítios, novos conhecimentos e uma recém-adquirida paixão por música. Havia perdido muito, é verdade, mas acho que pela primeira vez, em muito tempo, sentia-me feliz.

A ferida que sentia continuava lá, mas já não doía tanto. Guardei-a fundo, bem dentro de mim, e tranquei-a a sete chaves de modo a que ninguém soubesse da sua existência. Por mais que explicasse ninguém ia compreender como me sentia, por isso aos poucos fui apagando da memória aquela fase da minha vida. Até não ser mais do que um murmúrio longínquo.

Perceber quem eu era sem estar associado à dança revelou-se então uma tarefa de auto-descoberta. De certa forma sempre fui bastante tímido (ainda hoje sou) mas a dança deu-me um acréscimo de confiança e umas quantas doses de extroversão. Quando confrontado com a nova etapa da minha vida, a timidez prevaleceu e adquiri uma postura algo reservada. É claro que tinha o meu grupo de amigos, bem como os meus momentos de diversão, mas ainda sentia na pele o sabor amargo da desilusão, daí que tentei ao máximo não me iludir.

Preferi também manter em segredo a minha paixão por música. Fingia-me ignorante até. Primeiro porque não queria ser o miúdo cool que se armava em esperto, e segundo, porque cedo percebi que poucos eram aqueles que partilhavam do mesmo interesse que eu. Pelo menos de forma tão intensa. Na escola era um rapaz normal que passava despercebido, mas em casa dava largas à minha paixão e deixava-me fascinar por tudo aquilo que via na MTV.

O passado tinha ficado para trás, distante, como se de outra vida tratasse. Adaptei-me à minha nova condição e permiti-me ser criança outra vez. Permiti-me a sonhar novamente. Mais do que os meus primórdios de melómano, foram os primórdios de um novo eu.

Os temas que mais me marcaram

12º Green Day- "Boulevard of Broken Dreams", American Idiot

Em 2004 este trio desfrutava de um sucesso abismal graças à opera rock concebida em American Idiot. Nunca fui propriamente fã da banda, mas este tema marcou-me na altura em que saiu. De sonhos desfeitos percebia eu, de modo que se encaixava que nem uma luva à minha situação. Além disso o solo de guitarra final é épico.
  


11º Muse- "Time Is Running Out", Absolution

Este foi o meu primeiro contacto com os Muse. Encontrei-os numa das minhas visitas diárias às tabelas musicais e lembro-me de pensar que isto era demasiado adulto, que estava fora da minha compreensão. Mas percebi também que tinha diante de mim uma banda imponente e importante. "Time Is Running Out" foi apenas o ínicio da sua ascensão ao Olimpo do rock.


10º The Black Eyed Peas- "Shut Up", Elephunk

No dia em que Fergie se cruzou com os BEP, até então um trio, saiu-lhes a sorte grande. Possivelmente não estariam onde estão hoje. No início de 2004, quando a banda ainda estava longe de ser um poço de electrónica, este tema era massivo e infalível. E a culpa foi toda de Fergie.


Os álbuns que mais me marcaram

4º Keane- Hopes and Fears

Magia. É esta a palavra que melhor descreve a estreia dos Keane. Hopes and Fears é o encantador e acolhedor disco que marcou um período aúreo da música britânica e, consequentemente, o período final da minha infância. São 12 temas de puro deleite, repletos de uma beleza instrumental, lírica e interpretativa, que transportam o ouvinte a uma outra dimensão. Autêntico fenómeno de vendas no Reino Unido, é um disco deveras cativante, de forte apelo pop, ao qual gosto de voltar ocasionalmente e que remonta de imediato aos meus felizes tempos de infância.
Este é o álbum de: "Somewhere Only We Know", "Everybody's Changing", "Bedshaped", "This Is the Last Time" e "Bend and Break"

Fim da parte I. A odisseia musical referente a 2004 conhece novos desenvolvimentos na próxima semana.

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