REVIEW: Paramore- After Laughter


Manual de sobrevivência para tempos difíceis ou como os Paramore venceram novamente a tormenta e voltaram a fazer o álbum das suas vidas. 

Quando em 2013 os Paramore recuperaram de uma valente crise interna e se reordenaram enquanto trio, parecia tão certo que aquela nova vida seria definitiva. O vitaminado e aventureiro disco homónimo funcionou como um testemunho de vitalidade e resiliência da parte de Hayley, Jeremy e Taylor, ao mesmo tempo que assinalava uma mudança significativa na identidade sónica da banda, destituindo as heranças emo/pop punk por uma paleta de tons mais pop rock e new wave.

Apesar dos temores, o abalo sísmico que sacudiu os Paramore acabou apenas por torná-los mais unidos, libertos e motivados - uma versão melhor de si mesmos. Era notório que esse mesmo disco (indubitavelmente o capítulo mais importante da sua discografia) teria efeitos palpáveis nos outputs vindouros da banda, mas o que não poderíamos contar era que o trovão caísse duas vezes no mesmo sítio, colocando o grupo numa situação ingrata, mas sobretudo triste.

Cinco anos depois da saída pouco amistosa dos irmãos Farro, Jeremy Davis batia com a porta alegando a divisão injusta de ganhos e movendo um processo judicial contra a banda pelo caminho (ouch) encerrando de forma inglória um capítulo tão feliz para o trio e deixando uma vez mais incerta a continuidade dos Paramore. Afinal de contas, como recuperar de tão duro golpe? Desconstruindo e voltando a reerguer, tijolo por tijolo, pois claro.

De novo com Zac Farro ao serviço da bateria e o repetente Justin Meldal-Johnsen aos comandos da produção, os Paramore de 2017 são em After Laughter - título alusivo ao "pontapé" de realidade que nos desperta da mais completa felicidade - (ainda) uma versão evolutiva de si mesmos, mas também uma bem mais contundente, auto-consciente e ferida. Em suma, a versão possível de alguém que se adaptou às circunstâncias e subsistiu perante todo o drama.

A metamorfose, pelo contrário, nada tem de dramático e apresenta os Paramore com mais uma entusiasmante roupagem: na sua acepção mais garrida e pop de sempre. A mudança de tons está expressa logo em "Hard Times", um híbrido pop rock/new wave via 80s de base tribal que impele a um enérgico gingar de membros que nem a lírica auto-depreciativa consegue travar. "Rose-Colored Boy" assume o compromisso de manter vivas as heranças das The Bangles, intensificando a vontade de #largartudo na pista de dança, ainda que sejamos cercados pelas tentativas de choro copioso de Hayley Williams. "Told You So", por seu lado, tinge-se de funk, baixo groovy e uma brisa tropical, vivendo sobretudo do fabuloso trabalho de guitarra de Taylor York.



"Forgiveness" desenha-se no soft rock soalheiro das manas Haim, espelhando um dos momentos mais confessionais do disco: eis que se abre a ferida provocada pela saída dolorosa de Jeremy. Algo que tão cedo Hayley não está disposta a perdoar ou esquecer, sequer. E porque a dissimulação é um prato forte dos nossos dias, aí está "Fake Happy" a emparelhar sorrisos e estados positivos de alma forçados: do embalo acústico inicial, passando pelos sintetizadores baleares que desembocam numa mescla pop/funk de lírica depressiva - é a versão recontextualizada de "Ain't It Fun". Impossível de passar por "26" sem um nó na garganta ou a vista turva: delicada e frágil composição acústica reminiscente de "Misguided Ghosts", é a crise de quarto-de-século dos sonhadores a quem a realidade despedaçou o coração. Ou a história possível de uma banda esmagada pelas expectativas e tensões internas, mas que nunca perdeu a fé no seu propósito de existência.

A agradável brisa onírica de "Pool" - espécie de testemunho de amor ao agora ex-marido? - complementada por uma enérgica toada new wave obrigam a um shuffle involuntário, enquanto "Grudges", o único tema verdadeiramente feliz (oh, the irony) de After Laughter comunga no doce contentamento de "Friday I'm in Love" dos Cure e deixa-nos de sorriso parvo no rosto, celebrando o retorno de Zac Farro à banda e o retomar dos laços de cumplicidade que os uniam. "Caught in the Middle", por seu lado, poderia pertencer ao anterior Self-Titled: honra as raízes pop/punk do grupo e lida com a cruel passagem do tempo e a superação de obstáculos em tempos de profundo caos.



"Idle Worship" refuta veemente qualquer tentativa de endeusamento de ídolos musicais, com Hayley a assumir o papel de iconoclasta: nada mais do que uma simples rapariga com um punhado de sonhos que a realidade não hesita em desmoronar de vez em quando. Deixemos, pois, os altares para as instituições de fé. "No Friend" é o buraco negro de After Laughter: um spoken-word em tom elegíaco acerca da história dos Paramore comandado por Aaron Weiss dos MewithoutYou, embalado por mutações inóspitas do riff de "Idle Worship". O fecho ao som de "Tell Me How" é emocionalmente devastador: uma balada semi-R&B que poderia ter saído das mãos de Dev Hynes ou Ariel Rechtshaid, a versar sobre as emoções conflituantes que a saída de Jeremy ainda suscita.

After Laughter é um triunfo de tantas formas. Porque foi feito, apesar das condicionantes óbvias à sua concepção, porque assinala um notável amadurecimento lírico (estão aqui as melhores composições do percurso da banda) e sónico (magnífico trabalho o de Taylor e Zac ao nível da execução musical)  e, principalmente, porque proporciona uma perspectiva crua e realista, mas bela sobre a vida. É por isto que passados doze anos os Paramore continuam a fazer sentido: crescem connosco e entregam-nos a visão de um mundo a que pertencemos mas nem sempre conseguimos descodificar. Continuaremos por isso juntos a descobrir o que a vida nos reserva.



Classificação: 8,3/10

Nota: Coincidentemente esta torna-se na 100ª review do blog ao longo de quase cinco anos. Ainda não sei muito bem o que é isto de escrever sobre álbuns, mas continua a ser um prazer praticar esta escrita do coração e mergulhar a fundo nas mais variadas obras. Que venham mais 100 e uma desenvoltura cada vez maior. 

Sigam-me online: https://www.facebook.com/Into-the-Music

Comentários

Mensagens populares