REVIEW: Fergie- Double Dutchess


Por mais multidimensional e nostálgico que Double Dutchess seja, o tempo não perdoa e castiga Fergie num segundo álbum que deveria ter chegado pelo menos cinco anos antes. 

A história da primeira década da pop no séc. XXI não se conta sem Fergie. Primeiro enquanto vistosa cicerone dos Black Eyed Peas, foi uma peça fulcral para a globalização do grupo, muito à custa de canções como "Shut Up", "Hey Mama" ou "My Humps". Depois e expectavelmente a meio da década partiu para uma gloriosa carreira a solo assinalada com The Dutchess (2006), morada de êxitos inesquecíveis como "Fergalicious", "Glamorous" e, sobretudo, "Big Girls Don't Cry" - e a sua relevância para o mainstream foi tão ou mais prolífica que a bordo do grupo de will.i.am, apl.de.ap e Taboo.

Não passava, no entanto, pela cabeça de ninguém que levasse uns astronómicos onze anos para que conhecessemos uma sequela da sua vida a solo. E se é verdade que nesse período de tempo voltou aos BEP para mais dois álbuns de grande sucesso e hits galácticos como "I Gotta Feeling", "Meet Me Halfway" ou "The Time (Dirty Bit)", metade dessa época foi passada em reclusão, dedicada ao casamento e à maternidade. O hiato seria apenas interrompido em 2013 com "A Little Party Never Killed Nobody (All We Got)" - a sua contribuição para a banda-sonora de The Great Gatsby - um olá fugaz que muito pouco fez pelo ressurgimento da sua persona artística.



Foi a partir daí que se começou a esquadrinhar um longo e penoso caminho até Double Dutchess. "L.A. Love (La La)", tema electro-hop-geográfico cortesia de DJ Mustard que a reintroduziu a uma nova geração de ouvintes, até nem começou mal a jornada promocional. O problema foi o que (não) se seguiu. Estávamos então em 2014 e seriam precisos outros dois anos até chegarmos ao odiado "M.I.L.F. $", bombástica malha trap de rastilho curto engendrada por Polow da Don que tão depressa atingiu estatuto viral como a categoria de "tesourinho deprimente do Verão 2016". Houve ainda espaço para uma tentativa de redenção nesse Outono com o tão mais decente "Life Goes On", espécie de balada tropical house com uma deliciosa secção de rap incluída, a mostrar o lado mais confessional de Fergie Ferg. Mas o grande público já não estava minimamente interessado.

2017 também se avizinhava frustrantemente dormente, até que a anunciada saída da Interscope motivou a criação do seu próprio selo - Dutchess Music - através do qual sairia, por fim, o álbum que tanto teimava em ser libertado. Eis que na recta final do Verão, e em simultâneo, temos direito a mais duas pérolas urbanas: "Hungry", espécie de interlúdio grandioso em molde trap/operático que anuncia a sua ambição em reconquistar um trono que há dez anos era seu, e o bombom hip house "You Already Know", que a vê num excitante desfile de rimas ao lado de Nicki Minaj a afiar unhas num sample do clássico hip hop de 88 "It Takes Two" dos Rob Base and DJ E-Z Rock em competente e sóbria produção de will.i.am.

O que faltava conhecer de Double Dutchess foi apresentado em conjunto com narrativas visuais - não fosse esta uma experiência audiovisual - e mostra Fergie a alternar entre posturas e géneros musicais com maior ou menor fluidez. "Like It Ain't Nuttin'" é mais um altar erguido a outro clássico hip hop da década de 80, samplando "Top Billin'" dos Audio Two, com a cantora a flectir com mestria o seu jogo de rimas numa produção staccato do comparsa will.i.am que passa pela versão moderna de "My Humps". Ainda em compasso urbano mas já com traços mais pop encontramos "Just Like You" a expôr provas de infidelidade com um certo tom de volúpia-delatora.

Mais uptempo e sofisticados chegam-nos "Enchanté (Carine)", retorcida e algo snobesca composição tropical house com uns versos debitados pelo filhote Axl Jack, que é o mais próximo que está de soar um tema dos BEP em 2017, e a toada lasciva e funky de "Tension" que apesar de promissora perde algum embalo quando chega ao refrão. Melhor sorte espera-nos nas baladas: a emotiva e confessional "A Little Work" - reminiscente da sua luta contra as drogas ainda antes da chegada aos BEP - que não só recebe um dos melhores tratamentos sónicos do disco como também representa o zénite da jornada audiovisual, e a apaixonante "Save It Til Morning" que evoca alguma nostalgia por tentar recriar (com algum sucesso até) a aura acústica de "Big Girls Don't Cry".

Para o final está reservado um curioso díptico: "Love is Blind", divertido número reggae-pop sobre fechar os olhos a uma série de ilegalidades românticas para evitar a solidão. A suculenta cadência que pauta os versos leva a crer que Fergie devia apostar em mais incursões desta. "Love Is Pain", por seu lado, não oculta as evidências e coloca a nu toda a dor e angústia causadas pelo fim de um relacionamento: ei-la no seu estado mais vulnerável, a vilipendiar "Purple Rain" e a sacar do seu registo vocal hard rock que já havia utilizado em "Beautiful Dangerous" de Slash. Digamos que excedeu um bocadinho os parâmetros do aceitável.

Enquanto corpo musical Double Dutchess não é um fracasso, mas as circunstâncias e sobretudo o tempo em que foi editado ditam que o seja. É impossível deixarmos de pensar que estas canções respirariam melhor numa configuração do panorama musical de 2013/2014 e que a própria Fergie foi ultrapassada num campeonato que anteriormente dominava por nomes como Rihanna, Nicki Minaj, Taylor Swift, Kehlani, Fifth Harmony ou Cardi B. Talvez a ela lhe baste assim, como a nós: 2007 continua vivo nos nossos corações.

Classificação: 7,1/10

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