O eclipse de Duffy


Durante anos o desaparecimento de Duffy dos holofotes foi um dos maiores mistérios da história da pop. A dois anos de breve mas gloriosa actividade, seguiram-se dez de silêncio, apenas interrompido por um ou outro enigmático post nas redes sociais, e uma discreta incursão pela Sétima Arte da qual resultaram dois inéditos.

Sabíamos que a gestão do enorme sucesso pós-Rockferry (2008) não havia sido fácil, com a autora de "Mercy" a ter quase abdicado da carreira por não conseguir lidar com a pressão. Sabíamos também que a fraca recepção a Endlessly (2010), o mal-amado segundo álbum, foi o bastante para originar uma pausa no percurso. Todos pensámos que talvez Duffy quisesse apenas regressar ao anonimato, desiludida com a fama e com a forma como esta era capaz de estragar a sua intenção de entregar boas canções.

Não poderíamos estar mais errados. Em Fevereiro passado, várias manchetes de todo o mundo davam conta de uma história que ninguém queria acreditar ser real. Na origem da reclusão de Duffy estava um hediondo caso de rapto e violação a que tinha sobrevivido, mas cujas sequelas o tempo levou a cicatrizar. E o mais inquietante da história, para além da incredulidade de algo assim poder acontecer a uma celebridade, foi não sabermos em que período temporal este episódio havia ocorrido.

Sem mais pormenores, a artista galesa prometeu contar a história mais a fundo numa entrevista assim que se sentisse preparada. Levou-lhe mais umas quantas semanas, mas o relato dos factos acabou por acontecer nos seus próprios termos, através de uma longa e dolorosa carta aberta publicada num site criado para o efeito. O caso, afinal, tomava contornos dignos de uma pérfida trama cinematográfica: aconteceu na sua festa de aniversário, com a cantora a ser feita refém na sua própria casa, levada para um país estrangeiro e drogada e violada durante quatro semanas, até ter conseguido escapar. 

Há muitos pormenores que Duffy deliberadamente deixa de parte - o país em que foi feita refém, a data dos acontecimentos, a forma como escapou - talvez para salvaguardar a sua integridade e também pela possibilidade de estarem em segredo de justiça. Mas o mais importante - e que ela tantas vezes ressalva ao longo da missiva - é que agora se encontra em segurança, estável e pronta para se libertar do trauma que durante tanto tempo encerrou em si.

Como é óbvio, isto não significa que dentro de meses assistiremos ao seu regresso glorioso ao mainstream. Alguém que atravessa por um episódio tão cruel como este, não pode voltar a ser quem era, como faz questão de frisar. E Duffy não quer ser de forma alguma transformada num mártir. É de louvável coragem a dimensão do acto que tomou - e nada nos devia, mas era condição essencial para se libertar da dor que carregava. 

E também não será fácil para o público doravante dissociá-la deste episódio. Nenhum artista quer ser recordado como um one-hit-wonder, mas muito menos como uma vítima. Por isso talvez nos caiba olhá-la como uma sobrevivente, libertando-nos também do estigma associado a estas pessoas. E, sobretudo, recordá-la não só como a voz de ouro daquele hit castiço, mas também dona de um belíssimo debute - que foi parte do revivalismo soul britânico do final dos anos 00 - e de um segundo disco menor, sim, mas que ainda assim tem os seus momentos.

Duffy é livre para fazer o que bem entender com o resto da sua vida - e isso pode implicar abrir uma banca de lírios em Génova, iniciar um clube de leitura, pintar, ou tão simplesmente estar em comunhão com os seus e a natureza. Por agora decidiu enviar, de forma também discreta, um inédito para o programa de Jo Whiley na BBC Radio 2, que aqui partilho. Coragem e obrigado, querida Duffy.

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