'Treat Myself' de Meghan Trainor: Amar e Ser Feliz


Meghan Trainor sempre foi uma espécie de anomalia na indústria em que se move: demasiado improvável para se tornar numa estrela pop credível, mas demasiado condimentada para se ficar apenas pela composição para terceiros. Convém lembrar que foi ela a primeira a ter uma palavra a dizer sobre a aceitação corporal no panorama pop da década passada ("All About that Bass" diz olá) antes de Lizzo ter ampliado a mensagem e elevado o conceito de body positivity a outro nível.

Efectivamente, Meghan tinha alguma graça quando apareceu. As canções de Title (2015) eram simples e orelhudas, com um gostinho doo-wop, R&B e soul que não deixava ninguém indiferente. Mas a tolerância rapidamente se esgota e quem não avança, fica para trás. Thank You saiu no ano seguinte, e ainda que "No" e "Me Too" tenham tido um óptimo desempenho nas tabelas, o do álbum deixou algo a desejar. Pintar o cabelo de ruivo, vencer o Grammy de Melhor Artista Revelação e acentuar a tónica dance pop e R&B da estreia não foi suficiente. O interesse em seu torno havia diminuído consideravelmente.

De lá para cá as coisas só pioraram. Treat Myself passou por três adiamentos, dois artworks e quase uma dezena de singles num circuito promocional de dois anos, tanto que pelo meio até foi editado um EP - The Love Train (2019) - para compensar a barafunda e não desperdiçar por completo o material que entretanto havia sido gravado. O disco saiu, por fim, no passado mês de Janeiro e, expectavelmente, é um dos mais mal-amados do ano. Não que o mereça inteiramente, porque há aqui material bastante decente.



"Wave", o single que marcou a contagem decrescente para a edição definitiva do disco, não conhece comparação em nenhum outro momento do seu catálogo: uma sóbria produção electropop com laivos de house em que a cantora versa sobre entregar-se a uma paixão, mesmo sabendo das terríveis consequências. Não se sabe muito bem como é que a colaboração com Nicki Minaj passou do papel para a cabine de som, mas o certo é que "Nice to Meet Ya" - declaração de assertividade e orgulho na identidade de Trainor - é um senhor bop em qualquer parte do planeta, a construir-se das fundações R&B de "No", e barrada com um verso de Minaj extra-apetitoso.

"Funk" soa exactamente àquilo que se espera: uma competente e divertida produção funk-pop que não se esforça muito para ocultar o que realmente pretende afirmar. "Evil Twin" brinca com o conceito de se querer desculpar as partes mais ruins de nós mesmos com a criação de um gémeo negativo - o tipo de canção pop leve e inescapável que dá o mote a um comboiínho numa festa. E "Genetics", perdão G-E-N-E-T-I-C-S, previamente lançada a solo, ganha um novo atrevimento com a inclusão das recém-regressadas Pussycat Dolls (apesar de só Nicole Scherzinger aqui se escutar, como sempre), funcionando como um "All About That Bass 2.0". Só a velhinha "No Excuses" podia ter cedido o seu lugar a qualquer outra faixa das antigas, não só porque perdeu fulgor mas também porque traz à memória a Meghan espevitada de Title



Treat Myself não é propriamente um guia de auto-ajuda, mas relembra-nos que, por vezes, não nos faria nada mal amarmo-nos um pouco mais. "Babygirl", da mesma costela electropop ténue de "Wave" vive desse mantra e tem um ocasional coro gospel a reforçá-lo. "Workin' On It" recorda que esse é um trabalho em permanente construção, convidando Lennon Stella e Sasha Sloan para partilharem também as suas perspectivas. 

E depois, claro, existem as canções inspiradas pelo seu casamento com o actor Daryl Sabara: "Here to Stay" tenta recriar a atmosfera de "Like I'm Gonna Lose You", enquanto "After You" imagina um cenário mais dramático, sugerindo a impossibilidade de não conseguir amar mais alguém, se um dia os seus caminhos divergirem. Já "Have You Now" é a missiva de agradecimento de quem sabe que daqui em diante a vida passará a ser um nadinha menos árdua, porque é enfrentada a dois.

Talvez seja tempo de pararmos de percepcionar Meghan Trainor como a artista que queiramos que seja, e passar a aceitá-la como verdadeiramente é: um acidente de estrela pop que muito possivelmente nunca nos dará um álbum triunfal, mas que é especialmente competente em escrever e criar canções pop leves e inofensivas. Conseguimos conviver bem com isso, com o ódio e bullying cibernético que se gera em seu redor é que não. Deixem-na amar e ser feliz. 


1. Wave (7/10)
2. Nice To Meet Ya (9/10)
3. Funk (7/10)
4. Babygirl (7/10)
5. Workin' On It (8/10)
6. Ashes (5/10)
7. Lie to Me (5/10)
8. Here to Stay (6/10)
9. Blink (6/10)
10. Genetics (8/10)
11. Evil Twin (9/10)
12. After You (7/10)
13. Another Opinion (4/10)
14. No Excuses (7/10)
15. Have You Now (5/10)

Classificação: 6,3/10 

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