'Romance' de Camila Cabello: Pouca Chama


As circunstâncias que envolveram a campanha promocional de Romance foram tudo menos consensuais. O ano de 2019 até tinha começado bem para Camila, sem deixar arrefecer a era de estreia com um punhado de colaborações sólidas: "Mi Persona Favorita" com Alejandro Sanz a firmar os dois pés em território flamenco, uma performance estelar ao lado de Mark Ronson na oferenda de ciborgue desolado "Find U Again", e até uma participação no alinhamento all star do álbum colaborativo de Ed Sheeran, num satisfatório "South of the Border" ladeado por Cardi B.

Entre essas alianças, encontrou ainda forma de nos entregar o hit mais aclamado e bem-sucedido do Verão (assente na ideia de que "Old Town Road" chegou ainda na Primavera): o cálido e sensualão "Señorita", a prolongar o flirt latino iniciado por "Havana" dois Verões antes, e que se tornou demasiado aceso graças ao romance vivido com Shawn Mendes - tiro certeiro do cupido, timing fabuloso ou estratégia de marketing infalível? - que integrou o tema na edição deluxe do seu último álbum.

O problema começou mesmo quando a Epic, a Syco e a própria Camila acharam que estavam reunidas as condições necessárias para o lançamento do seu segundo álbum de estúdio. Uma vez que "Señorita" já tinha proporcionado uma tábua de segurança, tratava-se apenas de lhe juntar uma porção de temas e construir um conceito em seu redor, neste caso, a maravilhosa sensação que é perdermo-nos de amores por alguém.



Nem a data de lançamento - início de Dezembro - foi feliz. Os discos de Roddy Ricch ou Harry Styles, editados pela mesma altura, foram capazes de prosperar, mas isto porque tinham bons singles a suportá-los. Já Romance teve cinco num espaço de dois meses (!) e nenhum conectou com o público, em parte devido à incapacidade de lhes atribuir identidade e de os deixar respirar, mas essencialmente porque não eram fortes o suficiente.

"Shameless" é uma rajada galopante de pop/rock com salero imbuído em que a sua autora confessa sentimentos por outra pessoa que há muito ansiavam pela libertação, enquanto "Liar" é uma amálgama de música latina, flamenco e ska-pop com a utilização confusa e desnecessária de samples de "All Night Long (All Night)" de Lionel Richie e "All That She Wants" dos Ace of Base - erro crasso na estratégia de single duplo. Com paciência e o investimento certo, talvez pudessem ter funcionado em separado.

"Cry for Me" também troveja no mesmo rasgo pop/rock de "Shameless", banhando-se na angústia de saber que um ex superou o desgosto da separação primeiro que nós, desejando que o seu estado miserável também se prolongasse um pouco mais. "Easy", sobre como o amor do parceiro a fez amar mais as suas próprias falhas e imperfeições, tenta repercutir a magia de "Never Be the Same", sem o mesmo efeito. "Living Proof" é sem dúvida a mais arrebatadora do embrulho: a produção de Mattman & Robin é alada, a interpretação de Camila um sonho - como que a lançar borboletas da palma das mãos - e o encanto da paixão acerca do qual versa atinge-nos da mesma forma com que é cantado. Aí reside o coração de Romance. De maneira absurda, o disco chega ao seu sexto single num espaço de quatro meses na figura de "My Oh My", um bop pop-rap rítmico sobre a não aprovação familiar da sua nova conquista devassa, assistido por DaBaby como garantia de sobrevivência nas plataformas de streaming. É a versão thug de "Havana" à qual passávamos bem sem. O álbum é que não. 



Depois disto, Romance perde rapidamente a chama. "Bad Kind of Butterflies", sobre a ansiedade e a dúvida de estar dividida entre dois amores, soa a "DNA" das Little Mix com o espírito de Cinderela palpitante do terceiro álbum de estúdio de Britney. "Feel It Twice", sobre não poder aceitar o amor de outra pessoa por existir uma terceira na equação, parece soar perigosamente a "Back to You" de Louis Tomlinson e Bebe Rexha. "Dream of You", com os sentimentos já confrontados na sua cabeça, pinta um cenário idílico com a sua nova conquista, mas é demasiado xaroposa. Na toada doo-wop/soul de "This Love", Miss Cabello faz a sua melhor imitação de "Love on the Brain", saindo derrotada uma vez que ainda não tem estofo nem maturidade emocional para lhe fazer justiça. E "Used to This" parece ser uma versão mais aguada e bem menos entusiasmante de "Into It" do seu disco de estreia - nem o toque de Finneas a salva. 

As excepções são "Should've Said It", uma apaixonante infusão de pop/rock latina que soa à versão possível da sua colaboração imaginada com Santana, e "First Man", tocante balada ao piano que descreve a sua relação actual enquanto tranquiliza a figura paterna de que este será sempre o homem mais importante da sua vida. Nenhuma parece ter grandes hipóteses de chegar a single, contudo.

Romance não é um mau álbum, é apenas assim-assim, tal como o debute já o era. E isso talvez seja o mais frustrante de tudo. Porque Camila já demonstrou ter capacidade de sobra para ocupar um lugar central na configuração pop actual, mas não se está a esforçar o suficiente para o manter durante largos e bons anos. Tal como a estreia foi o disco de "Havana", este será o disco de "Señorita". E aquele em que escreveu várias canções sobre Shawn Mendes. Nada de muito memorável, quase nada de relevante. Que lhe sirva de lição. 


1. Shameless (7/10)
2. Living Proof (9/10)
3. Should've Said It (8/10)
4. My Oh My (7/10)
5. Señorita (9/10)
6. Liar (6/10)
7. Bad Kind of Butterflies (6/10)
8. Easy (6/10)
9. Feel It Twice (6/10)
10. Dream of You (6/10)
11. Cry for Me (8/10)
12. This Love (5/10)
13. Used to This (5/10)
14. First Man (7/10)

Classificação: 6,7/10

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