REVIEW: Cardi B- Invasion of Privacy


Os 15 minutos de fama de Cardi B prolongaram-se mais do que o esperado: Invasion of Privacy é surpreendentemente sólido e coeso do início ao fim. 

É inegável a vitalidade da dita música urbana nos tempos que correm: comanda tabelas, educa as novas gerações e, inevitavelmente, traduz grande parte do actual panorama pop. O único senão é que continua a ser uma cultura algo sexista: por cada dez rappers que vemos a grassar e ter sucesso, apenas uma (ou nenhuma mesmo) correspondem a mulheres.

E se no final da década de 90 e início dos anos 00 nomes como Missy Elliott, Lauryn Hill, Foxy Brown, Lil' Kim ou Eve ergueram alto a bandeira do hip hop no feminino, não se pode dizer que essa herança se tenha perpetuado nos tempos vindouros: Nicki Minaj foi a última grande descoberta do género e liderou praticamente sozinha o filão durante anos a fio.

Depois de alguns falsos arranques (Iggy Azalea e Azealia Banks dizem olá), finalmente temos alguém capaz de traduzir com semelhante verve o impacto que tais ícones causaram. Dá pelo nome de Belcalis Almanzar, mais comumente conhecida por Cardi B, e é por estes dias o mais autêntico reflexo do sonho americano: filha de pai dominicano e mãe trinidadiana, natural do Bronx, problemático bairro de Nova-Iorque, pertenceu a um gangue na adolescência e trabalhou como stripper para "endireitar a sua vida".



Em 2015 saltou para a ribalta ao integrar o elenco da série do VH1 Love & Hip Hop: New York, centrada nas vidas de figuras emergentes na cena hip hop, e desde então cultivou um séquito online que nunca mais a abandonou, ajudada também pelas duas mixtapes que lançou no decorrer da sua estadia no programa de televisão. No início de 2017 o trabalho árduo compensava, com Cardi a garantir o almejado contrato discográfico com a Atlantic Records e colocando-o a render poucos meses mais tarde quando "Bodak Yellow", inescapável malha trap de cadência hipnotizante, a colocou no mapa e a tornou no sabor predilecto da temporada.

Depois de afamadas colaborações - "No Limit" com G-Eazy, "MotorSport" ao lado dos Migos ou na remistura de "Finesse" de Bruno Mars - e mais umas quantas pérolas em nome próprio, Cardi B soube prolongar o hype, mas anunciou a chegada de Invasion of Privacy de forma tão rompante que se temeu estar a apressar o processo, com receio de perder o seu momento. Felizmente não é o caso: o seu álbum de estreia vem dotado de lascívia, intimismo, empoderamento e diversão e é facilmente um dos melhores debutes do género dos últimos tempos.



Os trunfos estão logo todos em cima da mesa com "Get Up 10", a história de como passou de gata borralheira a monarca do hip hop ("went from makin' tuna sandwiches to makin' the news/ I started speakin' my mind and tripled my views/ real bitch, only thing fake is the boobs"). "Drip", parceria musculada com o trio Migos onde milita o esposo Offset, soa à continuação natural de "MotorSport", titubeante construção trap com os envolvidos a rimar sobre a sua ostentação. Influências de Three 6 Mafia ecoam na desavergonhada e insana "Bickenhead", twerkfest dedicado a todas as suas "nasty hoes", que se alinha como potencial single graças ao facto de funcionar bem no clube, na estereofonia do bólide ou nas colunas do supermercado.

O álbum começa a mostrar novos tons com a delatora "Be Careful", espécie de notificação pública da conduta menos própria dos seus amantes, apresentada num embrulho pop/rap com ligeira brisa dos trópicos e em que escutamos pela primeira vez a voz cantada de Cardi B. "Best Life" mantém aceso o seu compelativo flow mas apresenta um Chance the Rapper longe da sua melhor forma, "Ring" traz alguns elementos de R&B melódico devido à participação da sempre valiosa Kehlani, num tema que aborda hesitações e a distância em relacionamentos, mas é a esfuziante "I Like It" que produz a melhor colaboração: uma açúcarada composição de salsa e trap latino entoada a meias com o porto-riquenho Bad Bunny e o colombiano J Balvin, que permite a Cardi dar largas à sua herança latina (como já havia feito em "La Modelo" de Ozuna) e ter mais um hit alinhado para a estação estival.



"Money Bag" é a versão evolutiva, mais letal e sumarenta de "Bodak Yellow", com leves apliques electrónicos na mistura, a fornecer-nos uma visão concreta do actual estado da sua conta bancária; "Bartier Cardi" uma engenhosa construção de rimas em cama dengosa e sinistra de batidas trap que expressa a sua adoração por diamantes, carros desportivos e sexo; DJ Mustard faz trap húmido de "She Bad", em linha para ser hino de clubes de strip; os seus intentos pop voltam à tona nas suspeitas de infidelidade de "Thru Your Phone", com o seu refrão decentemente cantado; e "I Do" encerra o registo com um desfile assertivo e poderoso de Cardi e SZA, num manifesto de poder e independência. 

Parece que Cardi B veio mesmo para ficar: são 48 minutos de rimas estrondosamente debitadas, hip hop bem alinhavado por competentes produtores e uma personalidade fascinante à solta que entoa a devassidão, ostentação, anseios e confissões mil com particular magnetismo. Talvez possamos resumir a essência de Cardi B na questão levantada algures por "Drip": "Is she a stripper, a rapper or a singer?" - a resposta não chegará simples nem atempada, mas é na ânsia da descoberta que encontraremos a diversão toda.



Classificação: 7,8/10

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