REVIEW: Troye Sivan- Bloom


Colecção imaculada de canções pop desarmantes com identidade vincada e o desejo à flor da pele: como esperado, Troye Sivan faz de Bloom um dos álbuns do ano. 

Estrela do YouTube, actor ocasional e músico desde tenra idade, é seguro dizer que grande parte da população mundial só despertou para Troye Sivan em 2018. Surgido na mesma vaga de artistas como MNEK ou Olly Alexander dos Years & Years que empregam orgulhosamente o pronome pessoal "ele" na escrita de canções, Sivan sempre foi mais longe nessa reclamação de identidade queer ao ilustrar a maioria dos seus vídeos com fiéis representações das suas vivências amorosas ou várias referências ao universo LGBT+.

A música, ainda em maturação, recordava em momentos a dream pop soturna de Lorde ou, noutros mais expansivos, a electropop aprumada da Taylor Swift de massas. Percebia-se logo ali que Troye estava a construir uma identidade própria e a querer dar início a uma nova dinastia, mas a mensagem ainda era maior que a música, não suficientemente forte para lhe arrancar o rótulo de youtuber feito estrela pop.

Até que chegamos a 2018. "My My My!" cai como um trovão na aurora do novo ano: uma tremenda canção pop sobre expressão sexual, amor e desejo, entregue sem inibições juntamente com um vídeo sensualão a preto-e-branco em que assistimos à celebração da identidade pessoal e artística do seu autor, num jorro de libertação comovente. E, finalmente, tudo fez sentido. Troye Sivan estava pronto para se tornar no ícone queer de pleno direito que a segunda década do novo milénio pedia.



Bloom foi-nos sendo apresentado ao longo dos últimos oito meses com uma sucessão de singles fantásticos. Não com a incerteza de quem tacteia caminho à procura do holofote desejado, mas com a segurança de quem sabe estar a construir um capítulo belo e especial que precisa do seu tempo para ser alinhavado e usufruído. "The Good Side" chegou meros dias depois, ainda no Inverno glaciar, para atestar o crescimento do seu intérprete: uma madura composição de ambiência folk/dreamy à Sufjan Stevens com laivos de Arca sobre reter as partes boas de um relacionamento e reconhecer que a outra pessoa pode não ter lidado com a separação de forma tão pacífica. É facilmente a canção mais expedita do álbum.

A Primavera trouxe o apropriado "Bloom" - uma canção sobre, ahem, flores - o equivalente queer em êxtase e desejo carnal a "Teenage Dream", que resplandece com os seus sintetizadores atmosféricos e cresce vigorosa até desabrochar num refrão esplêndido. A pré-temporada do Verão anunciou-se ao som do jogo de poliritmos compelativos de "Dance to This", uma sensual construção dance pop/R&B cantada a meias com a amiga Ariana Grande, que versa sobre trocar as luzes estroboscópicas da pista de dança pelo conforto e intimismo do lar, a dois. "Animal" chegou com a estação estival já avançada, para encerrar a campanha de antecipação ao disco: uma intensa declaração de amor profundo ao seu parceiro ("I want you all to myself, don't leave for nobody else, I am a animal with you") entregue como uma épica balada de estádio dos anos 80, das que pedem isqueiro no ar e a mão no peito. Traduz-se na expressão de que é livre porque se entrega aos seus instintos, tal como um ser selvagem. Bonita demais.



Com estes cinco temas Bloom poderia ser o melhor mini-álbum do ano, mas a sua essência não fica completa sem outros cinco. E haveria sempre o risco de estarem aquém do material já desvendado - por alguma razão não foram cartões de visita - mas são apaixonantes o suficiente para manterem a consistência do registo. A introdutória "Seventeen" desenha-se na nostalgia synthpop 80's de "Forever Young" dos Alphaville e confessa as experiências de Troye com homens mais velhos, que ainda que não romantizando, ajudam a cultivar uma certa aura de perigo, transgressão e desejo. A tocante "Postcard" trata-se da compreensão de que o seu parceiro não é perfeito e tem falhas como qualquer outro ser humano. Desenrola-se ao piano, desolada mas serena qual globo de neve em miniatura feito canção, e conta com os préstimos vocais da compatriota Gordi, espécie de Imogen Heap mais cavernosa, a revelar-se a parceira ideal para a voz de barítono aveludada de Troye. 



"Plum", por sua vez, compara a fruta da época a um amor que eventualmente acaba por azedar, representando o lado lunar de "My My My!": de synths cintilantes, mas de semblante esmorecido pela crença de que a relação está condenada à ruína. A atmosférica "What a Heavenly Way to Die" recupera heranças dos anos 80 e espraia-se na encantadora sensação de que o caminho para o descanso eterno se tornará mais idílico porque será feito na companhia da pessoa amada, enquanto "Lucky Strike" brota dos apontamentos de "Style" de Taylor Swift, evocando a adição da nicotina para descrever um abrasador affair com outro rapaz - e o consequente desejo de o agradar.

Há toda uma revolução identitária e sexual a acontecer em Bloom, ao que acresce também o engenho e a entrega apaixonada das canções que nele se encontram. E era tudo o que faltava à natureza confessional da sua música. Assim se confirma que Troye Sivan não só se transforma num dos autores pop mais notáveis do seu tempo, como no maior ícone queer da sua geração: que bom vai ser vê-lo crescer a partir daqui.


Classificação: 9,3/10

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