REVIEW: Ariana Grande- Thank U, Next
Se Sweetener soava à convalescença, Thank U, Next soa à reafirmação de carácter depois de mais uma série de provações - divertido, honesto e tenaz, é mais um tremendo álbum para Ariana.
Em Agosto último, tudo parecia correr bem. Ariana tinha (mais) um álbum nº1 que encontrava aclamação crítica como nenhum outro no seu catálogo, a relação com Pete Davidson havia evoluído para o noivado, e o trauma de Manchester já não tapava o sol como dantes. A novela de Grande, porém, preparava-se para conhecer novos e penosos desenvolvimentos.
Em Setembro o ex Mac Miller morria de uma overdose de drogas e Ariana, completamente devastada, anunciava nas redes sociais uma pausa na carreira. Que demorou uma semana, entenda-se. No mês seguinte já havia voltado a estúdio para trabalhar em novas canções e - para choque de alguns fãs e contentamento de outros - anunciava o fim do noivado com Davidson.
Nem houve tempo para especular cenários de ruína vertiginosa, porque em menos de nada já tínhamos "Thank U, Next" a tornar-se no lema inspiracional favorito da temporada: espécie de acção de graças construída a partir dos fragmentos da sua conturbada vida pessoal, a recordar o passado com benevolência e a encarar o futuro com um optimismo desarmante.
A canção cedeu-lhe o maior êxito do seu percurso e um nível de consensualidade pública jamais vivido até ali - um momento de glória muito aguardado e merecido. A era de Sweetener ainda perdurava com a promoção do estupendo "Breathin", mas a mudança de foco tornou-se prioritária e inevitável: existiam novos traumas para expurgar criativamente e uma nova história por escrever, ainda em aberto.
Aparentemente gravado no decurso de três das semanas mais caóticas e dolorosas da sua vida, com um restrito grupo de amigos e colaboradores próximos, Thank U, Next chega apenas 5 meses e 22 dias depois do disco anterior para um nível de aclamação superior àquela que se pensava ser a sua obra-mestra. Surpreendentemente coeso, espontâneo e aditivo, parece reforçar a máxima de que um artista cumpre o seu potencial quando é apanhado num turbilhão emocional. Bastante público, aliás, o que confere uma palpável noção de autenticidade ao disco poucas vezes sentido nas narrativas da pop.
No que a confissões diz respeito, "Needy" é um bom princípio. Ariana admite a necessidade de se sentir constantemente amada e protegida como forma de colmatar a sua insegurança. É uma espécie de versão mais delicada e vulnerável daquilo a que "Greedy" aludia de forma mais descomprometida em Dangerous Woman, encerrada por um ror de cordas que lembram "I Don't Care" desse mesmo álbum. "Fake Smile" reforça aquilo que os Paramore já haviam abordado em "Fake Happy": a incapacidade de forjar emoções em prol do showbiz, numa altura em que a saúde mental está como nunca na ordem do dia e em que a própria Ariana menos razões teria para sorrir. Já a intoxicante construção trap-pop de "In My Head" (que poderia facilmente pertencer a um dos últimos álbuns de Beyoncé), revela o desalento em constatar que forjou na sua imaginação uma versão diferente da pessoa com quem estava - Pete Davidson vai ter dificuldade em tragar esta.
Mas Thank U, Next também convive com genuína diversão. Está patente em "Bloodline" ("Side to Side 2.0" sem tirar nem pôr), uma irresistível composição reggae-pop da lavra de Max Martin e Ilya que versa sobre affairs sem compromisso: com sorte talvez chegue a single no Verão e ganhe rimas de young Nicki chimney. Está presente na tremendamente engenhosa e inescapável "NASA", não o tributo esperado à célebre agência espacial norte-americana, antes uma forma muito curiosa da sua intérprete afirmar que por agora o que mais precisa é de, obviamente, espaço e distância da ala masculina. E sente-se sobretudo no balanço reggae de "Make Up", em inspirados trocadilhos entre sexo e maquilhagem, a viver de uma brisa caribenha passível de habitar em qualquer disco de Rihanna.
Quando a dor vem ao de cima, os resultados são francamente assombrosos. "Imagine" propõe-se ao exercício de sonhar um mundo em que Grande e Miller conseguissem viver o seu amor sem os dramas e as complicações que se colocaram no meio. É uma balada trap&B destroçada, mas que ainda assim nos possibilita cavalgar nas asas da fantasia, daquilo que poderia ter sido - não poderia haver tributo mais bonito. "Ghostin", por seu lado, eleva a fasquia a níveis impensáveis. Trata-se de uma terna balada dreamy que explica melhor do que nenhuma outra a encruzilhada emocional em que Ariana se viu: a compreensão de que ainda nutria sentimentos por Mac, o remorso pela morte deste e a incapacidade de ocultar isso de Pete. O facto de conservar uma réstia de esperança na salvação do relacionamento indica que foi escrita antes de seguirem caminhos distintos. Ainda assim, fica um genuíno e tocante perdão - bem como um novo máximo de carreira.
Num pólo mais desinspirado situam-se "Bad Idea", diluída no mesmo conceito de amizade colorida de "Bloodline", num riff de guitarra arrancado ao catálogo dos The Police, em cânticos marciais (Ari-chan!) e um outro celestial mas desencaixado do resto da canção. A toada petulante e ostensiva de "7 Rings" é efectivamente para não ser levada a sério, mas como uma espécie de terapia de shopping feita canção (que não deveria ter passado de uma tarde de brincadeira no estúdio, aliás) em registo de sailormoon trap. Questionável é também a escolha de "Break Up With Your Girlfriend, I'm Bored" para single, talvez para aliviar um pouco a atmosfera densa de outras faixas, mas que termina o disco numa nota lasciva e imoral. O recurso a "It Makes Me Ill" dos NSYNC é eficiente, mas tanto Martin como Ilya já ergueram a Ari canções mais memoráveis.
Parecia impossível, mas a verdade é que Ariana nos entregou dois álbuns incríveis em menos de seis meses. Quem sabe o que a espera a partir daqui? Talvez tenhamos direito a um terceiro antes de 2019 chegar ao fim. Ou talvez lhe leve uma mão cheia de anos a criar outro. Já não se trata de criar hits em laboratório ou de perseguir tendências, apenas fazer com que a música expresse estados de alma, acompanhe o crescimento pessoal e traduza evolução artística. Se com isso conseguir continuar a ser a estrela mais brilhante do firmamento pop, melhor ainda. Thank u, get well soon.
1. Imagine (10/10)
2. Needy (8/10)
3. NASA (10/10)
4. Bloodline (9/10)
5. Fake Smile (8/10)
6. Bad Idea (7/10)
7. Make Up (9/10)
8. Ghostin (10/10)
9. In My Head (8/10)
10. 7 Rings (6/10)
11. Thank U, Next (9/10)
12. Break Up With Your Girlfriend, I'm Bored (7/10)
Classificação: 8,4/10
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