Um último viva! para a perfeição pop da era néon de Kim Petras
Esteve um ano e meio a ser confeccionada e digerida com devoção, mas podemos dar a saga dos néons (da colecção de singles que apresentou Kim Petras ao mundo, leia-se) por oficialmente encerrada. Oportunidade ideal para recapitular a matéria dada, prestar tributo aos preciosos monumentos pop que esta barbie alemã nos tem deixado e, inevitavelmente, perceber como poderá ser o seu futuro. Woooo-ahh:
Corriam os últimos dias do Verão de 2017 quando o lugar mais pop vanguardista e über cool do YouTube sugeria "I Don't Want It At All". Grafismo de barbie néon rosa fluorescente, provocantes sintetizadores 80s suportados por uma batida funky/dance pop, um refrão escandalosamente bom a dar o tiro de partida e a recontextualizar "Material Girl" na era das compras online, voz estridente e levemente processada de forma a não desvirtuar a sua intérprete. Com a breca: estaria Paris Hilton de volta à vida e no auge das suas capacidades vocais?
Não. Acompanhado do título vinha o nome de Kim Petras. Um clique na sua moradia cibernética sugeria mais dois temas: "Hillside Boys", a ode oh-so-80s a um amor assolapado de Verão com um menino queque; e "Hills", um pouco mais diluído na cadência urbana tão em voga da temporada, mas ainda um notável tema pop. Três bops de enfiada sem esforço aparente - sis, who dat??
Uma pesquisa rápida na world wide web revelava naturalidade alemã mas base actual em L.A. - como qualquer outra estrela emergente que pretenda singrar no mainstream, claro - registo de algum portfólio ido sem grande relevo e dois dados curiosíssimos: uma mudança de sexo realizada há quase uma década e o nome de Dr. Luke (cruzes, canhoto) associado ao seu recente catálogo. Como iria reagir o mundo a estes dois polémicos factores?
Sem grande alarido. Porque dali (e até hoje, pelo menos) Petras continua a ser um segredo bem guardado da internet. 2017 não fecharia, contudo, sem mais dois hinos: o temperamento romântico e vaporoso de "Slow It Down", o equivalente a um bop para a noite do baile de formatura, e a profeciência electro-urbana de "Faded", espécie de versão mais bem conseguida de "Hills", à qual nem faltava o featuring de Lil Aaron, também ele um rapper underground.
2018 ainda nem havia aberto bem os olhos e já estávamos de mãos erguidas ao céu com a perfeição pop de "Heart to Break", sem sombra de dúvida o ponto alto desta colecção. Um extasiante tema dance pop sobre entregarmo-nos sem reservas a uma paixão avassaladora, mesmo que no final alguém saia magoado. A produção de Dr. Luke e do discípulo Cirkut é insanamente boa, a vocalização de Kim é estonteante e os bpm aceleram-nos a pulsação sem pedir licença - ombreia os melhores momentos da discografia de Britney, Katy Perry, Lady Gaga e afins.
Como superar um rasgo de criação tão único e, possivelmente, irrepetível? Não dá. Por isso, Kim Petras foi em frente e continuou a honrar-nos com pérolas de considerável dimensão. O pujante "Can't Do Better" - arrancado à costela new wave de Cyndi Lauper - prolongou a saga de frustração romântica com particular verve, enquanto "All the Time" versava sobre desejo incontrolável com candura electropop, munido dos seus já característicos trejeitos vocais. O ano não acabaria sem duas aventuras à parte: a colecção pop-gótica do EP Turn Off the Light, Vol. 1, inspirado pelo Halloween mas com a diversão toda lá dentro, e uma bem conseguida parceria com o trio de EDM norte-americano Cheat Codes, materializada em "Feeling of Falling".
Faltava, no entanto, o remate da era néon que um triplete de canções veio originar por estes dias: o destaque vai para a colaboração com o vanguardista SOPHIE em "1,2,3 Dayz Up", ainda que atenuada pelo filtro mais conservador de Dr. Luke. "If U Think About Me...", recuperada aos escritos que assinava ainda na Alemanha natal, é adorável na sua toada mais bubblegum mas não acrescenta muito ao mural néon, tal como "Homework" que nos embala na sua nostalgia synthpop e figura como uma espécie de dedicatória a uma amizade que o tempo e a distância esfriaram.
Declarado o fim desta jornada inaugural, a pergunta que se coloca é "e agora?". Escusado será dizer o quão questionável é não compilar estes 11 singles num EP, mixtape, álbum ou coisa que o valha (de que servirá a catalogação na era do streaming, na verdade?), mas há que também acreditar que Kim Petras sabe o que está a fazer.
Primeiro há que chegar a uma conclusão acerca dos efeitos da aliança com Dr. Luke - ou aceitar o que isso acarreta, ou cortar de vez os laços e procurar um outro esteta que compreenda a sua visão. Depois há que dar o salto da internet para os media tradicionais - os jornais e revistas impressos que ainda existam e, sobretudo, os programas televisivos que lhe permitirão alcançar outros públicos. Por fim, aguardar que as canções futuras acompanhem a qualidade até aqui mostrada mas que representem também alguma espécie de progressão. Não há espaço para grandes deslizes, pois tudo o que vier a seguir definirá o tipo de artista em que se tornará. Lezz go, girl, all the way to the top!
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