'Evermore' de Taylor Swift: Floresta Outonal
Ninguém havia saído ainda da floresta alada em que Folklore nos lançou, quando passados menos de cinco meses Taylor Swift nos deu permissão para embrenharmos nela ainda mais fundo com a edição de Evermore, o seu nono álbum de estúdio e a sequela do primeiro tomo que mudou por completo a narrativa da sua autora e se tornou no projecto mais aclamado da sua discografia.
Tal como o disco que o precede, Evermore vive da mesma ambiência indie folk, mas com explorações mais densas de alt rock, country, rock de câmara e até algumas piscadelas de olho ao seu (agora) passado pop. Onde Folklore era Primavera/Verão, brisa do campo e romance introspectivo, Evermore é Outono/Inverno, casa da lareira e sombras de vários tons. Ambos pedaços de narrativa ficcionada, imaculadamente escrita, com canções íntimas dentro que continuam a levar Swift para lá dos seus limites, ainda coadjuvada pela mesma equipa de produtores, com Aaron Dessner a ocupar desta vez um papel mais primordial do que Jack Antonoff.
"Willow", o encantatório tema de abertura, traz os tons de um Outono avançado consigo: uma canção de amor de ambiência folk medieval que evoca o imaginário de uma árvore-chorão para descrever como a vida de Taylor era melancólica até à chegada do seu parceiro. "Champagne Problems", balada minimal ao piano, puxa pela sua veia de contadora de histórias e introduz-nos a de uma mulher que decide acabar com o seu relacionamento na noite em que o namorado se prepara para a pedir em casamento. Há remorso, negação e um historial de problemas de saúde mental que a canção vai revelando aos poucos. "Gold Rush", por seu lado, tem o aroma de Lorde impregnado em si: pop orquestral com um refrão dreamy que versa de forma desenfreada sobre o descontentamento de se ver enfeitiçada por alguém pelo qual todos facilmente também caiem de amores. É preenchido pela lírica rica e aprumada de Swift, que começa a abdicar da sua bolha de fantasia ao constatar que não está disposta a arriscar a sua saúde emocional na perseguição desta caça ao ouro.
O veludo eléctrico de "'Tis the Damn Season" centra-se numa figura feminina que por altura do calendário do Advento volta à cidade natal e reacende momentaneamente a chama com um antigo parceiro, sem promessa de um recomeçar feliz. A belíssima "Tolerate It" desenha-se à boa moda introspectiva dos The National, guiada pelo piano e sintetizadores esparsos, contemplando um relacionamento em que uma das partes não sente que o seu amor é retribuído ou celebrado da forma devida, sem que consiga expressar essa angústia ou desfazer-se do compromisso desigual. Há também um caso de polícia por resolver em "No Body, No Crime", magistral pedaço de country rock forense e o capítulo mais sinistro de storytelling em Evermore: Este é assassinada pelo marido quando descobre a infidelidade deste, mas eis que a amiga da vítima e também narradora da canção jura vingança e acaba por colocar fim à vida do homicida, ocultando todas as provas pelo caminho. As manas Haim em topo de forma nas harmonias, CSI no enredo e Tarantino na realização?
"Happiness" é uma das artérias emocionais do disco: uma faixa de música ambiente reflexiva e soturna sobre a desvinculação amorosa entre duas pessoas, com remorso, empatia e esperança à mistura. É a faixa mais comprida do álbum, e também uma das mais exigentes, mas igualmente recompensadora. A maravilhosa "Dorothea", folk vintage com piano do Velho Oeste, está para Evermore como "Betty" está para Folklore: narrada do ponto de vista do sujeito masculino de "'Tis the Damn Season", conta as desaventuras da protagonista em Tupelo, antes desta ter trocado a cidade rural pelo sonho de uma carreira em Los Angeles e abandonado a hipótese de uma vida a dois. "Coney Island" era o dueto que tardava entre Taylor e o vocalista dos The National e que se assume como o "Exile" do segundo tomo. Trata-se de uma conversa entre dois amantes idos que tomam igual responsabilidade pela ruína do seu relacionamento, juntos numa última valsa com a popular península nova-iorquina como pano de fundo, símbolo dos momentos felizes que passaram juntos.
A infidelidade é cada vez mais uma temática recorrente no universo swiftteriano (recuperemos "Illicit Affairs ou "August" a Folklore), deixando a sua marca na enternecedora "Ivy", folk bucólica sobre o caso extraconjugal de uma mulher e as possíveis consequências nefastas do seu acto, metaforizadas na imagem de uma casa de pedra consumida por heras. O sol põe-se no Faroeste ao som da country calorosa e crepuscular de "Cowboy Like Me", outro número exímio de Evermore acerca de dois vigaristas que se apaixonam forte e feio no exercício da sua actividade de burlões. A instrumentação meio bluesy é arrebatadora, a voz de Taylor raramente se eleva acima de um sussurro terno, e há um Marcus Mumford igualmente embevecido a ampará-la nos back vocals. "Long Story Short" é um aceso momento indie pop que poderia pertencer a qualquer um dos seus álbuns entre 2014-2019, ainda a confrontar os seus dramas bastante públicos desse período, mas de uma perspectiva mais resolvida e pacificada. Achávamos que a situação tinha sido rematada com "I Forgot That You Existed", de modo que não parece muito relevante para a narrativa que se estava a construir em Evermore.
Memórias da passagem da avó, cantora de ópera que faleceu quando Taylor tinha 13 anos, circulam no etéreo "Marjorie", décimo terceiro tema que alinha pelo equivalente "Epiphany" de Folklore, que homenageava por sua vez o avô da cantora. É interessante perceber o quão importantes são para si os laços de sangue e a forma dignificante como honra o legado dos seus familiares. "Closure" figura como o tema mais experimental do disco, uma expedita composição de folk industrial ritmicamente disconexa que aborda a necessidade de um ex obter o encerramento do seu capítulo em conjunto de maneira a atenuar a culpa que sente - mas que a narradora insiste em não conceder. Qualquer semelhança com a luta legal que trava pelo controlo dos seus masters, é pura coincidência. O reflexivo tema-título espalha um branco manto de neve pelo solo à medida que contempla um período de depressão profunda da sua narradora, rumando progressivamente a um lugar de regeneração e esperança. Bon Iver viaja também neste vagão, com maior graciosidade que em "Exile". É o grande momento do disco.
Fazia sentido que Taylor Swift quisesse prolongar este estado de graça criativo, mas não queríamos ter despertado tão cedo do sonho alado em que Folklore nos lançou - podia ter esperado mais um mês ou dois antes de ter colocado a sequela cá fora. Evermore é quase tão bom quanto o disco que o antecede, e apesar de funcionar enquanto extensão alternativa do imaginário aí iniciado, não nos deslumbra da mesma forma. O que não significa que não seja impressionante que Taylor nos tenha entregue dois álbuns enormíssimos no espaço de cinco meses, elixires de inesgotável encanto num período pandémico de grandes inquietações. Deverá ser seguro afirmar que a sua incursão folk se encontra completa e que agora o foco passam a ser as reedições dos seus seis primeiros álbuns, numa luta pelo controlo dos seus direitos autorais. Talvez possamos permanecer na floresta enquanto as estações e as canções de outras colheitas se cruzam pelo nosso caminho.
1. Willow (8/10)
2. Champagne Problems (8/10)
3. Gold Rush (9/10)
4. 'Tis the Damn Season (7/10)
5. Tolerate It (9/10)
6. No Body, No Crime (10/10)
7. Happiness (8/10)
8. Dorothea (9/10)
9. Coney Island (8/10)
10. Ivy (8/10)
11. Cowboy Like Me (10/10)
12. Long Story Short (7/10)
13. Marjorie (7/10)
14. Closure (7/10)
15. Evermore (10/10)
Classificação: 8,3/10
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