'Femme Fatale' saiu há dez anos
Falar de Femme Fatale é recordar o último álbum realmente bom e inovador de Britney Spears, que assinalou também o seu derradeiro sopro comercial. É voltar a ter 19 anos e sentir o mundo a pulsar de vida. Escancarar a porta para uma realidade até então desconhecida, onde o corpo se liberta e a mente se expande em possibilidades infinitas. É nascer para a noite, perdermo-nos na pista, e encontrarmos a nossa versão proibida, pecaminosa e um tanto louca do lado de lá.
Costumo afirmar que a melhor forma de o honrar é dançá-lo de uma ponta à outra, porque efectivamente é um álbum de dança tremendo. Mas pelo seu décimo aniversário, vou tentar escrever um pouco sobre o que cada faixa significa e como continua tão fresco e arrojado como no primeiro dia:
1. Till the World Ends
Ainda a melhor rave undergound e apocalíptica de sempre. A entoação silábica de Spears dá-lhe estilo e frescura, mas é o cântico em coro do refrão encharcado em synths que o aproximam de uma experiência quase religiosa. Uivamos de êxtase da cave mais profunda até à lua.
2. Hold It Against Me
Não podia existir melhor single de avanço. Um colírio dance pop revestido de batidas industriais, breakdown dubstep e um espectacular desfecho em cascata rave. A máquina e Britney numa alquimia profunda, a alimentarem-se da energia uma da outra. E aquele vídeo icónico tornou-o tão mais incrível.
3. Inside Out
A mulher fatal a vir ao de cima. Combina as propriedades lascivas dos momentos mais acesos e glossy tanto de In the Zone (2003) como de Circus (2008), com passagens por "...Baby One More Time" e "(You Drive Me) Crazy", para dar uma masterclass de erotismo em tons electropop com influências dubstep e R&B.
4. I Wanna Go
Uma vez mais, o triunfo da cadência silábica numa estelar produção dance pop de recorte hi-NRG sobre libertação sexual servida com palpável urgência, loucura e diversão. E um inescapável assobio.
5. How I Roll
Não só a melhor faixa do disco como um dos máximos da carreira de Spears. A voz, distorcida e embebida em efeitos surge como principal instrumento, moldada a bel-prazer de uma tríade (claro está) sueca. Ainda assim, consegue ser o momento mais humano, caloroso e delicioso de todo o disco. E deixa-nos sempre, mas sempre, de sorriso no rosto.
6. (Drop Dead) Beautiful
O demónio à solta na pista de dança. É imensamente aditiva, pecaminosa e depravada, tanto que ainda hoje nos perguntamos se não devia ter chegado a single. Votamos na regravação comemorativa dos dez anos, agora com Megan thee Stallion no lugar de Sabi.
7. Seal It with a Kiss
Ainda o banger mais esmagador e disruptivo do álbum, com Dr. Luke, Max Martin e Cirkut a operarem com mestria um colosso electropop de sintetizadores robustos que oferece um breakdown dubstep de tirar o fôlego.
8. Big Fat Bass
Ainda a pedra no sapato de Femme Fatale. Um dos piores erros da carreira de Britney foi ter deixado will.i.am entrar no estúdio e ficar por mais tempo do que era devido. É um objecto de house insuflado e algo embaraçoso, com linhas de piano questionáveis, processamentos vocais levados ao limite e uma duração de quase cinco minutos não justificável. Em suma, a vergonha do projecto entre tantas criações geniais de produtores tão mais talentosos.
9. Trouble for Me
Outro exemplo de electropop devassa, que conquista pelas vocalizações aguerridas e estilizadas de Brit, e pelas várias dinâmicas de tempo. Encontramos ainda algumas marcas derivativas do grime britânico, a ajudar ao charme.
10. Trip to Your Heart
Mais um dos momentos distintivos e singulares do disco, pontuado novamente por um colectivo de produtores suecos. É toda uma odisseia disco-house com derivações de trance e techno, a receber a vocalização mais terna e delicada do álbum, a narrar uma viagem íntima pelo corpo e alma de um parceiro. Tão divinal.
11. Gasoline
A segunda pior faixa do disco, um tanto repetitiva e desinspirada, que facilmente poderia ter sido substituída por qualquer uma das canções da edição deluxe. Caberia talvez num dos outros álbuns de Spears, mas aqui simplesmente não consegue acompanhar a qualidade e o arrojo dos outros temas.
12. Criminal
Eis o problema com "Criminal": é uma faixa bastante boa no repertório de Britney, mas não se enquadra no espírito de electrónica avant-garde de Femme Fatale, destoando na sua toada folk pop melódica acompanhada à guitarra. Era encantadora o suficiente para ser single, mas noutra era.
Não esquecer a edição deluxe que contém a massiva "Up n' Down" (a conclusão da tríade devassa iniciada por "Drop Dead" e "Trouble for Me"), o dilema sério da hipnótica "He About to Lose Me", a reconstrução mais gloss rock de "Only Girl (In the World)" em "Selfish", e o devaneio new wave da avassaladora "Don't Keep Me Waiting", nascida da mesma costela de "Do Somethin'".
Que esta bíblia da dance pop dos anos 10 possa ser relembrada anos a fio e transmitida de geração em geração, até ao fim dos tempos.
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