REVIEW: Billie Eilish- When We All Fall Asleep, Where Do We Go?


A estreia em disco não é tão fascinante quanto o primeiro EP, mas comprova Billie Eilish como a estrela pop mais inquietante e disruptiva desde Lorde.

O fenómeno atinge por estes dias dimensões gigantescas, mas Billie Eilish anda a preparar-se para este momento há pelo menos três anos. "Ocean Eyes", a canção que a retirou do anonimato, impressionou pela forma como uma adolescente de 14 anos cantava de forma etérea sobre amor profundo.

Prodígio detectado, manteve-se um segredo bem guardado mesmo quando dont smile at me chegou no Verão de 2017, alimentado por canções tão magníficas quanto perturbadoras como "Bellyache", que retrata o ficcionado assassinato dos seus amigos; "Copycat", ataque de gume afiado aos posers desta vida; ou a celestial "idontwannabeyouanymore".

Não existe um momento de viragem concreto, mas algures entre a colaboração com Khalid para a banda-sonora de 13 Reasons Why e a chegada de novos temas que ajudaram a esculpir este primeiro disco, o perfil de Billie foi crescendo exponencialmente e desenvolveu-se um sério culto online que grande parte dos media tradicionais não soube acompanhar logo de início. 

Uns dirão que dont smile at me cumpre o seu propósito enquanto impressionante registo de estreia, mas a oficial e documentada em disco chega agora com When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, mesmo a tempo de dar continuidade ao fenómeno ali iniciado, só que desta vez com o mundo inteiro a assistir.



À semelhança do que acontecia no EP, o disco é produzido na íntegra por Finneas O'Connell, o irmão mais velho de Billie, que conjectura uma inquietante obra que parece replicar maioritariamente ora a veia sinistra de "Copycat", ora a toada angelical de "idontwannabeyouanymore": pinceladas de Yeezus aqui e acolá, ecos do minimalismo de Lorde e uns quantos truques surpresa na manga.

"Bad Guy" é um número de abertura particularmente instigador, construído com recurso a estalos de dedos, baixo insinuante e uma ágil vocalização de Billie, que serpenteia com estilo por entre as linhas melódicas, enquanto provoca o seu parceiro. Recupera a diversão e bazófia de "My Boy", reservando um desfecho sombrio e reverberante inspirado nas páginas de Yeezus. "Xanny", o seu manifesto de total desinteresse perante as drogas e demais substâncias ilícitas, traduz-se num quase sussurro de piano e acordes gentis que um distorcido baixo sintetizado vem perturbar. O alarmante "You Should See Me In A Crown", por seu turno, planta estacas para o seu domínio mundial com balanço hip hop, mas resulta numa versão mais desinspirada de "Copycat" e no seu single menos notável à data.

Também "All the Good Girls Go to Hell", a sua visão sobre a religião, o binómio do Bem e do Mal e o imaginário da salvação/condenação eterna, talvez seja essencial para alimentar a aura de iconoclasta, mas passa por uma das menos interessantes do álbum. E "Wish You Were Gay", com o seu ruído humano de fundo muito à "Bored in the USA" de Father John Misty, tenta recriar "idontwannabeyouanymore" e desejar que a dura rejeição de um rapaz fosse explicada por qualquer outro motivo que não a falta de interesse em Billie. A assombrosamente bela "When the Party's Over" representa o ponto alto do disco, uma espécie de balada da neve que raramente se eleva acima de um sussurro e que versa sobre o distanciamento triste entre um casal.



Em "8" Billie descreve a perspectiva de alguém que magoou, recorrendo ao ukulele que já havíamos escutado em "Party Favor" e a um estranho processamento vocal que a descaracteriza por completo. E para a mais memorável samplagem do universo televisivo em tempos recentes temos "My Strange Addiction", que pega num conceito tão simples como o amor enquanto dependência e a cruza com diálogos de um episódio da série The Office - o assumido vício de Eilish - manobrada por uma caixa de ritmos e conduzida pela interpretação zombieficada de Billie. Logo à espreita surge a horripilante "Bury a Friend", sobre o papão à espreita debaixo da cama, pedaço de electrónica fantasmagórica que recaptura a verve industrial de "Black Skinhead" e provoca suores frios à noitinha.

A electrónica trémula e esparsa de "Ilomilo" encontra associação ao catálogo de Imogen Heap, versando sobre o medo da separação de um ente querido e abrindo caminho para a aveludada secção final que funciona como uma carta de despedida ficcionada: da anunciada (e dramática) intenção em "Listen Before I Go", passando pelos intrincados altos e baixos de um relacionamento recordados na belíssima "I Love You", em suaves harmonizações com Finneas, até ao elaborado exercício de justaposição de versos de todas as faixas anteriores em "Goodbye"

When We All Fall Asleep, Where Do We Go? contém então os condimentos que nos fizeram apaixonar por Billie Eilish logo ao primeiro EP, redobrando a intensidade e o choque numa clara tentativa de afirmação de carácter, que é também parte integrante do fenómeno. Nem se questiona se vão existir mais peças magníficas da parceria entre estes dois manos, apenas quando e de que forma ajudarão a moldar o mainstream da altura - por agora resta-nos sentar, reclinar e assistir aos efeitos. 



1. !!!!!!! (-/-)
2. Bad Guy (9/10)
3. Xanny (8/10)
4. You Should See Me in a Crown (6/10)
5. All the Good Girls Go To Hell (6/10)
6. Wish You Were Gay (7/10)
7. When the Party's Over (10/10)
8. 8 (7/10)
9. My Strange Addiction (8/10)
10. Bury a Friend (8/10)
11. Ilomilo (8/10)
12. Listen Before I Go (8/10)
13. I Love You (9/10)
14. Goodbye (7/10)

Classificação: 7,7/10

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