REVIEW: Lucy Rose- No Words Left
Ao quarto álbum, a subida de divisão: a fase monocromática e introspectiva de Lucy traduz-se no seu melhor e mais sério disco à data.
"Conversation don't come easy, but I've got a lot to say". O verso desarmante que abre a faixa introdutória de No Words Left não poderia descrever melhor a proposta criativa do álbum nº4 da nativa de Surrey. Entre a dificuldade de se expressar e a bravura de admitir o que está errado - consigo e com o mundo que a rodeia - Lucy Rose entrega-nos o seu trabalho mais denso e maduro, numa clara ruptura com o passado.
E é preciso recuarmos até 2016 para compreendermos os primeiros sinais de mudança. Motivada pelo enorme apoio que recebia de admiradores espalhados pela América Latina, agarrou na guitarra e na mochila de viagem e durante dois meses percorreu países como o Equador, Perú, Chile, Argentina, Paraguai, Brasil ou México, dando concertos gratuitos que eram conseguidos pelos próprios fãs. Em troca apenas lhes pedia guarida e a partilha de experiências.
A aventura ficou registada neste maravilhoso documentário e esteve na origem do aptamente intitulado Something's Changing (2017), o seu disco anterior, e o primeiro em que procurou independência criativa. "Floral Dresses", o encantador cartão de visita tecido a meias com as The Staves, assinalou o momento de viragem para Lucy: o primeiro em que trocava a indie folk de algibeira e sorriso fácil por algo mais consistente, espirituoso e belo.
No ano passado o compatriota Passenger convidou-a a embarcar consigo numa digressão mundial de quatro meses, digressão essa que Lucy abandonou ao fim de uma semana. A ausência dos seus músicos e o facto de ter de tocar para pessoas que não estavam ali maioritariamente para a ouvir, fê-la questionar não só o seu propósito na música, como na vida. Foi então do isolamento e do combate com as suas dúvidas e angústias existenciais que nasceu No Words Left.
A torrente de confissões soltas em "Conversation" - talvez a si dirigidas ou ao público que a acompanha - esgota-lhe as palavras e tudo o que podemos ouvir em "No Words Left - Pt. 1" é o seu lamento profundo, entre acordes dolentes e piano esparso, que desemboca na revelação de um estado de alma ainda mais desolador em "Solo(w)", que parece narrar precisamente os acontecimentos que ditaram o abandono da digressão conjunta com o músico de "Let Her Go". Envolta em contemplativas notas de saxofone e piano intimista, começa pesada e vagarosa, mas acelera o compasso até a um final estonteante - é um novo máximo de carreira para Lucy.
Em "Treat Me Like a Woman", a recolher umas quantas heranças do cancioneiro de Laura Marling, Rose insurge-se sobre a condição feminina na indústria da música, ela que carrega as rédeas da sua própria carreira e que mesmo assim não escapa a episódios de sexismo ("I'm terrified that this is how it will be for all my life"). A guitarra eléctrica escuta-se pela primeira vez na belíssima "The Confines of This World", que funciona como um pedido de desculpas a todos aqueles que a sua decisão afectou.
E a meio do disco a necessidade de contemplação e reflexão é materializada no embalo acústico de "Just a Moment", que se predispõe a abrir as cortinas para a luz entrar em "Nobody Comes Round Here", ou como encontrou algum conforto em casa, a sós com o marido e os pensamentos já um nadinha menos revoltos. A mesma ambiência tranquila, quase bucólica, atravessa "What Does It Take", com Lucy a assegurar estar a lutar para recuperar o entusiasmo de outrora (" 'cause I'm still looking for that sweet melody that could bring you back to me").
O tumulto regressa por instantes em "Save Me from Your Kindness", com a intérprete a afirmar que talvez precise de voltar a estar próxima do seu público para se iluminar novamente, uma vez que "o sol por si só já não é capaz de o fazer". "Pt. 2" reveste-se de uma renovada declaração de intenções ("this time I'm looking out for me, and I won't hesitate, you believe it"), completando assim um processo de cura iniciado no prelúdio de "No Words Left". A derradeira "Song After Song" aceita que o seu complexo de inferioridade crónico talvez esteja por detrás de muitas das suas angústias, mas que a música, como sempre como dantes, será a terapia.
Levou-lhe apenas quatro anos e dois álbuns a perceber que cedências artísticas e orçamentos chorudos não a fariam feliz ao final do dia - há quem leve uma vida e nunca se consiga libertar desse ciclo. Dois óptimos discos e umas quantas nuvens cinzentas depois, Lucy Rose está na plena posse do controlo da sua carreira e parece ter chegado ao patamar da credibilidade a que sempre esteve destinada - e isto tudo antes de chegar aos 30. O melhor, inevitavelmente, ainda está para vir.
1. Conversation (9/10)
2. No Words Left, Pt. 1 (9/10)
3. Solo(w) (10/10)
4. Treat Me Like a Woman (9/10)
5. The Confines of This World (8/10)
6. Just a Moment (7/10)
7. Nobody Comes Round Here (7/10)
8. What Does It Take (8/10)
9. Save Me From Your Kindness (9/10)
10. Pt. 2 (9/10)
11. Song After Song (8/10)
Classificação: 8,5/10
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