REVIEW: Haley Reinhart- Lo-Fi Soul


Admirável colecção de canções de recorte retro pop, jazz, blues e soul vindas de uma voz estonteante com a pujança de Janis Joplin e a classe de Ella Fitzgerald.

Haley Reinhart deu-se a conhecer há oito anos na temporada 10 de American Idol. Não ganhou - chegou perto, à medalha de bronze - mas tornou-se numa das concorrentes mais acarinhadas do público. Com um destino semelhante a tantos outros colegas que passaram pelo formato, só que com uma trajectória bem mais singular.

Escassos meses depois de ter terminado a participação no programa, assinou contrato com a Interscope Records e no ano seguinte já editava Listen Up!, uma competente estreia pop de charme R&B/soul e fraca expressão comercial, o que conduziu à sua dispensa da editora. Sem fundos e sem rede, Reinhart começou a construir o seu caminho enquanto artista independente, participando em inúmeros vídeos do colectivo jazz Postmodern Jukebox, com quem andou em digressão, e encontrando sucesso viral através de uma cover de "Can't Help Falling in Love" que serviu para musicar um anúncio.

Depois de assinar um novo acordo de distribuição independente em 2016, editou Better, que a viu incorporar influências da Motown e de funk-rock na sua já generosa paleta de estilos, bem como a percorrer a América na sua primeira digressão a solo. O terceiro álbum - What's That Sound (2017) - uma colecção de clássicos rock, pop e soul dos anos 60 com um punhado de inéditos pelo meio, não tardaria a chegar, desta vez com o selo da Concord. 



Ao mesmo tempo que iniciava os trabalhos de gravação do quarto álbum, Haley desenvolveu o seu intelecto com uma pequena incursão pela bossa-nova e pelo universo do EDM, bem como com uma colaboração num disco de standards jazz do actor Jeff Goldblum. E antes de 2018 chegar ao fim, já havia uma portentosa amostra de Lo-Fi Soul à solta, "Don't Know How to Love You", imensa canção blues rock a versar sobre um conturbado romance e a arrancar a Janis Joplin que há em si.

A campanha promocional foi conhecendo novas adições nos meses seguintes, como a brisa blues western do tema-título, acerca de como uma figura masculina a arrebata misteriosamente, ou a elegância suprema de "Honey, There's the Door", espécie de aviso à navegação ao parceiro, que soa àquilo que Billie Holiday ou Ella Fitzgerald potencialmente fariam nos dias de hoje se estivessem vivas.

Mas argumentos fortes é o que não falta em Lo-Fi Soul: do pedido de salvação de "Deep Water", encontro blues/soul com aura quase espiritual, passando pelo embalo acústico e vintage de um encantador "Strange World", em que se sentem heranças de Nancy Sinatra, até à atmosfera burlesca e ultra-sedutora de "Shook", sobre como um interesse romântico faz o seu coração palpitar. 



Menos arrebatadoras, mas ainda assim justificadas são a toada soul/doo-wop de "Oh Damn", que a faz soar como um pequeno Michael Jackson ainda militante nos Jackson 5, um "Crack the Code" acerca de querer colmatar a crescente distância entre si e o seu parceiro, ou o lamento amargurado de "Lay It Down", expresso num magnífico falsete. 

O quarteto final é especialmente memorável. "Broken Record" passa por um compelativo objecto dos tempos da Motown com ginga surf pop que, novamente, Miss Sinatra podia ter agraciado. "Some Way Some How" é uma bonita e emotiva balada pop ao piano muito na linha de "Angel" de Sarah McLachlan, que ansia pela reconciliação com o ente amado; a indignação pacífica de "How Dare You" retém a brisa blues rock psicadélica dos Black Keys, enquanto "Baby Doll" encerra o disco numa quase passada R&B e num tom etéreo derivativo de "All Good Things (Come to an End)".

Que disco fantástico, este. Forjado na independência e abençoado pela persistência e pelo talento da sua autora - e aqui a maioria dos antigos participantes de talent shows  tem a aprender com ela - Lo-Fi Soul é um oásis na configuração musical de 2019. Haley flui agilmente e com primor por múltiplos géneros e eras musicais, sempre com aquela voz magnífica sobre a qual tudo o resto se constrói. Serão mais aqueles a passar ao lado da obra, mas os que entrarem e ficarem não vão descobrir nada menos do que um clássico instantâneo. Estimemo-la pela vida fora.



1. Deep Water (8/10)
2. Oh Damn (7/10)
3. Lo-Fi Soul (8/10)
4. Don't Know How To Love You (9/10)
5. Strange World (8/10)
6. Shook (8/10)
7. Crack the Code (7/10)
8. Lay It Down (7/10)
9. Honey, There's the Door (10/10)
10. Broken Record (8/10)
11. Some Way Some How (9/10)
12. How Dare You (8/10)
13. Baby Doll (8/10)

Classificação: 8,1/10

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