REVIEW: Daft Punk- Random Access Memories

 
É chegada a altura de me pronunciar acerca de Random Access Memories, o álbum que tantos elogios tem recolhido da crítica e que levou os Daft Punk a toda uma nova geração de ouvintes. Não sendo propriamente fã desta dupla de robots, reconheço o seu papel revolucionário na música electrónica e estou ansioso por ouvi-los, pela primeira vez, no registo longa duração. Em 3, 2, 1...
 
1) Give Life Back to Music- É com uma premissa de extrema valentia que o duo francês inicia o álbum. Há 3 meses atrás custaria-me a acreditar que seriam dois robots os responsáveis pelo maior fenómeno de 2013, mas o certo é que vieram mesmo dar uma nova vida à música. Sem indícios de techno e com a guitarra de Nile Rodgers ao luar, é descontraído e chic a valer. (8/10)

2) The Game of Love- O título transporta-me logo ao tema de Santana, mas rapidamente os vocoders que banham a voz dos senhores robots afastam-me dessas memórias. Agora que o oiço, vem-me à cabeça a imagem de um andróide desolado a cantar à chuva (nunca ouvi tanta emoção numa voz robótica), intercalada com um qualquer genérico de uma série policial americana de finais dos anos 70. É música que se ouve,vê e sente. (8/10)

3) Giorgio by Moroder- É aqui que o disco começa a entrar num patamar épico. A canção é um monumento erguido a Giorgio Moroder, lendário produtor e colaborador neste álbum, sendo também uma metáfora para a liberdade musical. E é uma autêntica odisseia sonora: da electrónica, à disco, a arranjos orquestrais, rock progressivo e house music. Diferentas eras musicais convergem num dos mais estupendos temas instrumentais que já ouvi. É um perfeito 10. (10/10)

4) Within- Com todo o respeito pelos senhores, não consigo levar este tema de forma séria. Parece descrever a saga de um robot perdido no mundo, confuso e com uma crise de identidade e só consigo imaginar o quão ridículo é. Aplaudo a simplicidade do tema, construído à base de um piano e vocoder, mas é muito muito lamechas. Um ponto fraco, a meu ver. (7/10)

5) Instant Crush- "Last Christmas, I gave you my heart..." Oops, música errada. Graçolas à parte, o 5º tema de Random Access Memories é dos meus favoritos: Julian Casablancas, o líder dos The Strokes, surge aqui quase irreconhecível, com a voz banhada em vocoder, mais vívido e imediato face ao que mostrou no último trabalho da sua banda. É disco/funk meets soft rock e é, de facto, uma paixão instantânea. (9/10)

6) Lose Yourself to Dance- Irmã gémea de "Get Lucky" (já lá vamos), partilha também o mesmo vocalista - Pharrell Williams - e os mesmos condimentos que fizeram da primeira um sucesso, incluindo a guitarra do lendário Nile Rodgers e aquela vibe disco e funk descontraída que leva cada fibra do corpo a dançar consoante a batida. Gosto principalmente do facto de ter um input mais robótico que "Get Lucky". (9/10)

7) Touch- É, a par de "Giorgio by Moroder", o tema mais importante do álbum, a verdadeira peça central sob a qual revolvem as memórias aleatórias do disco. Com a participação de Paul Williams, compositor conhecido pelas suas contribuições em bandas sonoras de filmes, é uma autêntica viagem espacial recheada de emoções, influências sonoras e cinematográficas, possuindo uma imponência e mestria colossais. (10/10)

8) Get Lucky- Já era a música do Verão de 2013, ainda mesmo antes deste ter chegado. Pharrell e Rodgers exalam magia pelo microfone e guitarra, respectivamente, naquilo que é um autêntico pôr-do-sol numa qualquer ilha tropical. E quando os robots entram em cena, a coisa toma proporções gigantescas. Não estava à espera que atingisse tamanho sucesso, mas todo ele é merecido e tremendamente justificado. (9/10)

9) Beyond- Alusivo a um mundo além dos oceanos e montanhas - "a land beyond love". É o paraíso idílico que os Daft Punk criaram, em que são reis e senhores de uma visão artística ímpar. Lá está, é música que se vê, esta, que viaja por eras musicais e nos transporta a lugares mil. (8/10)

10) Motherboard- Após 4 temas fortíssimos, os robots decidiram (e bem) aligeirar a passada e parecem mais interessados em percorrer o espaço apresentado no tema anterior. E lá vão eles, na sua nave espacial, numa saga inteiramente instrumental em que fecho os olhos e deixo a mente navegar. E acabo nas profundezas do oceano... (8/10)

11) Fragments of Time- Aqui entra em cena Todd Edwards, produtor/cantor americano e já habitual colaborador da dupla, que me parece bastante convincente na sua interpretação e traz umas certas influências dos anos 80. Não é um portento, como outras que já ouvi, mas fica no ouvido e é agradável. (8/10)

12) Doin' It Right- Pela primeira vez, Random Access Memories abre a porta à electrónica e vislumbram-se os Daft Punk da era Discovery. O culpado é Panda Bear, que tanto é um prodígio a solo como nos Animal Collective, trazendo um toque do séc. XXI a um disco que embarcou numa odisseia sonora das décadas de 70 e 80. (8/10)

13) Contact- A viagem intergaláctica está a chegar ao fim e a aterragem ao planeta Terra é feita de forma grandiosa e estupendamente épica. Qual sonda supersónica em queda vertiginosa, "Contact" é de tirar o fôlego e deixa-me sempre arrepiado. Poiso os pés na Terra e só me apetece dizer "outra vez, outra vez, outra vez!". (9/10)

Já sabia que cada álbum dos Daft Punk era um acontecimento e que não faziam a coisa por menos - o último trabalho data de há 8 anos - mas agora que os ouvi em registo longa-duração, percebo o porquê de serem tão aclamados pela crítica e pelo público. Se nos anteriores discos (assim deduzo eu) se espelhava o futuro da música house, em Random Access Memories os robots recuaram no tempo e embarcaram numa espantosa odisseia musical exploratória enriquecida pelas valiosas colaborações de verdadeiras lendas que marcaram eras e estilos musicais.

É um trabalho de corpo inteiro, bastante humano e genialmente concebido que tem uma série de razões para ser considerado, muito provavelmente, o melhor álbum do ano ( "Giorgio by Moroder" e "Touch" são verdadeiras obras-primas). Mais do que uma reinvenção do duo francês, este disco é também um sinal de que a electrónica não tem de ser desprovida de humanidade  - e vejam como foram precisos dois robots para nos mostrar isso - tendo o poder de ir ao encontro de várias gerações, nomeadamente, fazendo com que a camada mais jovem descubra o prazer de ouvir discos.

Para mim foi uma valiosa lição musical e fez-me viajar como nunca nenhum outro disco tinha feito. Ainda que me continuem a parecer algo complexos, os Daft Punk ganharam a minha admiração e estão a contribuir imenso para a melhoria do estado da música contemporânea. Longa vida aos robots!

Classificação: 8,5/10

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