REVIEW: Katy B- Little Red


Há 3 anos atrás liderou o movimento britânico que tirou o garage, dubstep e drum'n'bass do underground, levando-os ao circuito mainstream, abrindo caminho para projectos como Disclosure ou Rudimental poderem ser aclamados dentro e fora de portas. Agora com 24 anos, será curioso perceber se em Little Red ainda é Katy B que comanda, ou se a sua missão a levou por outras paragens. Vamos lá descobrir:

1) Next Thing- "Keep your jacket on, my friend/don't sit down". É o convidativo verso de abertura de Little Red que nos coloca directamente no olho da tempestade, que é como quem diz, no centro da pista de dança e rodeados de olhares curiosos, não fosse a missão dar nas vistas e partir para outra. Recaptura a euforia eurodance dos anos 90 e é levado da breca. (9/10)

2) 5 AM- É com a perícia e destreza de quem frequenta habitualmente as night clubs londrinas que Katy B se atira a mais uma ode à vida nocturna em que apela "I need somebody to calm me down/a little lovin' like Valium", ainda que às 5 da manhã o álcool já não consiga obliterar os tormentos aos quais foi foi chamado a apaziguar- "My deep wounds rise, they take their place/all of a sudden this don't feel right". De início parece morna, mas assim que entra a batida trance, as coisas ficam bem mais animadas. (8/10)

3) Aaliyah- O que leva Katy B a intitular a 3ª faixa do disco com o nome da malograda cantora de R&B? Diz que é uma espécie de homenagem. "Aaliyah, please, don't take my man/although you know that you can", elucida-nos Katy sob uma cascata de clubby beats, para a seguir revelar "Aaliyah, please, this is green envy/why must you taunt me, girl?". Mas, na verdade, é Jessie Ware que ameaça roubar o espectáculo, transportando na voz uma volúpia tal capaz de rivalizar com um qualquer show erótico - é ela quem torna isto memorável e divinal. (9/10)

4) Crying for No Reason- Provocou em mim uma valente epifania que me levou a olhar para Katy B com outros olhos. E acredito que muitos outros sintam o mesmo a partir do momento em que a oiçam - é "o" grande momento do disco, um vendaval de angústias acumuladas que acabam por desembocar num valente pranto de lágrimas nesta que é uma tremenda balada breakstep, talvez a canção mais triste do género que já se ouviu desde "Dancing on My Own" de Robyn. E é ver Katy a escalar gloriosamente, qual alpinista rumo ao cume da montanha, as notas crescentes e apoteóticas da canção. Até ver, é a minha favorita de 2014. (10/10)

5) I Like You- Depois do teor emocional da canção anterior, é com alguma estranheza que regresso à pista de dança naquele que é o momento mais agressivo e musculado de Little Red, que poderia perfeitamente ser patrocinado pelos manos Disclosure (as comparações a "Grab Her!" e "You & Me" são óbvias). O certo é que Guy e Howard não têm qualquer input no tema - mas um tal George FitzGerald tem - e ainda que seja apelativo q.b., peca pela emulação à sonoridade que a dupla britânica pratica. Falta-lhe ousadia, portanto. (7/10)

6) All My Lovin'- Recupera de certa forma a atmosfera urbana do disco de estreia e evoca traços das Sugababes da era "Freak Like Me", o que muito me agrada. Talvez por isso me soe tão familiar e nostálgico até. A nível lírico é pouco substancial, mas resulta quando transposto do papel para a o microfone. E Katy porta-se muito bem a nível vocal, especialmente no refrão. (8/10)

7) Tumbling Down- Uma peça facilmente dispensável no alinhamento, que desvia Little Red do bom caminho. A produção é frouxa e a própria Katy parece adormecida ao longo da canção, despertando apenas nos segundos finais. Poderia e deveria ter sido substituída por uma das faixas bónus. (5/10)

8) Everything- Felizmente as coisas voltam a melhorar ao 8º tema. A produção é competente e pega em traços comuns existentes nos trabalhos de Robyn e Disclosure, mas sem desvirtuar a personalidade artística de Katy. Contudo, é demasiado linear e falta-lhe algum verve. E dou por mim a pensar que "I will be the one" seria um melhor título para a canção - mas isso já é estar a ser demasiado picuinhas. (7/10)

9) Play- É hora do recreio e Katy escolheu como parceiro de brincadeira o mui promissor Sampha que já antes fez maravilhas ao lado de Jessie Ware e Drake. Aliás, acho que Miss Ware funcionaria aqui muito melhor do que a própria Katy, talhada para canções mais assanhadas, digamos. Sampha não só dá voz como ainda produz o tema, construído à base de teclados que se assemelham a... varinhas de condão. A parelha é bem conseguida e dou-lhe crédito por sair da sua zona de conforto. (8/10)

10) Sapphire Blue- Entramos nos domínios da deep house, num tema que peca novamente por uma certa austeridade e contenção. Não acho que seja representativa do ADN de Katy B e só nos versos finais é que a sinto mais expressiva. É boa, mas está longe de irradiar o brilho de um "azul safira". (7/10)

11) Emotions- "So come on fill me, with emotion", é o pedido de Katy nesta canção que vai beber ao drum n bass dos Rudimental, ainda que seja um estilo musical que a própria já havia explorado, com bons resultados, em On a Mission. Volta a elevar a fasquia de Little Red. (8/10)

12) Still- Dado o caminho que o álbum tomou, longe da pista de dança, não é de admirar que Katy tenha escolhido encerrar o disco com uma canção nitidamente pop com poucos ou nenhuns vestígios de electrónica, em que o foco principal é a sua voz. É a versão 2.0 de "Diamonds", não tão majestosa, mas ainda assim memorável. Bonito ponto final. (8/10)

Após uma estreia muito promissora, espevitada e ousada, à frente do seu próprio tempo, seria difícil para Katy B igualar o nível de On a Mission, não só porque o factor surpresa se desvaneceu mas também porque o dubstep, breakbeat, garage e drum n bass se disseminaram por aí fora e perderam a frescura que conservavam em 2011. Restavam-lhe duas hipóteses: ou fazia o mesmo álbum, estagnando a nível artístico, ou enveredava por novos caminhos, evoluindo, com todos os riscos que isso acarreta. E foi o que fez.

À primeira vista, Little Red pode ser interpretado como um passo atrás. O que não é verdade - é, sim, fruto do seu crescimento enquanto pessoa e artista. As letras continuam centradas em torno da vida nocturna e de rapazes, mas há por uma aqui uma maior maturidade e profundidade a nível lírico - o tipo de compreensão que se alcança quando alguém percebe que a vida não é uma festa constante. Katy ainda quer dançar, mas não até cair para o lado. Quer amar e ser amada, arrebatada e preenchida por emoções um pouco mais duradouras e não tão fugazes quanto aquelas que o álcool proporciona. E o que se ganha em sensatez perde-se em fulgor. Não há por aqui momentos tão infecciosos quanto "Katy on a Mission", "Lights On" ou "Easy Please Me". Mas há "Crying for No Reason", "Emotions" ou "Still" e uma voz que cresceu imenso do primeiro álbum para este segundo.

Para todos os efeitos, a sua missão estava cumprida. Não mais lhe compete estar na linha da frente do que aos géneros electrónicos diz respeito - há que seguir caminho e dar lugar a outros. Para mim, Little Red é a prova de que Katy B consegue ser mais do que a party girl-mor do submundo londrino, confirmando-a como uma das jovens artistas mais interessantes da sua geração. E daqui para a frente será sempre a crescer - sem rótulos, limitações ou receios. 

Classificação: 7,8/10

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