REVIEW: Foster the People- Supermodel


No Verão de 2011 puseram meio mundo a dançar com um hit falsamente feliz que versava sobre uma criança com tendências homicidas. "Pumped Up Kicks" era o seu nome e Torches o álbum de estreia dos Foster the People onde habitavam esse e mais uns quantos fascinantes pedaços indietronica de forte apelo pop, de tal forma que se tornou no meu disco favorito desse ano e eles uma banda que desde então sigo com muito interesse e expectativa.

3 anos volvidos estão de regresso com Supermodel, álbum conceptual que aborda o lado negro do capitalismo e questões relacionados com a ideologia do consumismo. Nas palavras do Foster-mor, tanto o disco e a capa que o ilustra foram "criados a partir da ideia de como a nossa auto-estima, numa perspectiva moderna, é baseada em quantos "retweets" ou "likes" obtemos, e a nossa necessidade de nos apresentarmos como top models, mostrando aos outros a forma como queremos que eles nos vejam, mas escondendo quem somos na realidade".

Veja-se a capa do disco, ela própria uma das mais pungentes que já vi nos últimos anos, desenhada pelos Young & Sick (que já haviam deixado a sua marca em Torches) e onde consta uma pintura abstracta de uma modelo num estado decadente, rodeada de paparazzi famintos por registar o seu momento de fraqueza, no qual parece estar a vomitar um poema que diz o seguinte:
"I ate it all; plastic, diamonds and sugar-coated arsenic as we danced in honey and sea-salt sprinkled laxative. Coral blossomed portraits in Rembrandt light; cheekbones high and fashionable. Snap! goes the moment; a photograph is time travel, like the light of dead stars painting us with their warm, titanic blood. Parasitic kaleidoscopes and psychotropic glow worms stop me dead in my tracks. Aphids sucking the red off a rose, but for beauty I will gladly feed my life into the mouths of rainbows; their technicolor teeth cutting prisms and smiling benevolently on the pallid hue of the working class hero".
Vejamos agora o que encontro na audição ao álbum:

1) Are You What You Want to Be?- "I woke up on Champs-Élysées to the djembe of ghana/ A fine lady from Belize said "you've got the spirit of a Fela" - assim são os primeiros versos do tema de abertura de Supermodel, cujas primeiras sessões de gravação decorreram em Marrocos, o que explica o facto de por aqui se encontrarem uma mescla de influências africanas e tribais que até há uns anos atrás seria mais provável encontrar nuns Vampire Weekend do que no trio de "Helena Beat". Tem percussão a rodos, uma entoação particularmente engraçada de Mark Foster e um gigantesco refrão de estádio - uns múltiplos na na nas e yeah yeah yeahs que funcionam como poderosas vuvuzelas, entrecortados pela questão suprema - "are you what you want to be?". Um fabuloso arranque. (9/10)

2) Ask Yourself- Não mais se ouvirá por esse alinhamento fora o djambé do primeiro tema. São as guitarras que daqui em diante ocuparão destaque: há por aqui guitarra acústica, eléctrica e baixo sintetizado neste tema que tem um pé no rock psicadélico e outro numa pop alternativa anos 90 que a tempos me faz lembrar os Oasis. É uma canção em que Mark versa acerca de como a ambição desmedida e as expectativas frustradas podem destruir o ser humano ("Is this the life you've been waiting for, or are you hoping that you'll be where you want with a little more?") porém, não é ele o iludido: "I've found the more I want the less I've got". Um exame de auto-consciência cai sempre bem. (9/10)

3) Coming of Age- Escolhido como cartão de visita do disco, talvez porque é o que melhor faz a ponte entre o último Torches e este Supermodel. Aliás, a sua estrutura melódica é bastante semelhante a "Warrant", faixa que encerra o disco de estreia do trio. Mas em "Coming of Age" há mais espaço para as guitarras e versos sensatos, típicos de quem fez o tal exame de auto-consciência, aprendeu com erros e experiências passadas, e agora pensa duas vezes antes de agir. "It's like a coming of age/ and I'm burning the page" - eis a chegada à maioridade de Foster e companhia. (9/10)

4) Nevermind- Quem pensa encontrar um altar erguido à banda de "Smells Like Teen Spirit", desengane-se. "Nevermind" aproxima-se mais de um número acústico com pinceladas de psicadelismo nos minutos finais, do que propriamente uma homenagem aos Nirvana. Talvez seja o tema mais optimista passível de encontrar no disco, com o vocalista a confortar alguém que se encontra desanimado com a vida. Ainda assim, há espaço para a crítica social ("It's hard to know the truth/ in this post-modernist view/ where absolutes are seen as relics/ and laughed out of the room"). (8/10)

5) Pseudologia Fantastica- É o termo "científico" utilizado para designar os indíviduos que mentem compulsivamente e que aqui os FTP utilizam para descrever alguém que os desiludiu bastante no passado ("Why'd you say that you'd come right back for my love, for my faith?/ All the promises you made never realized"), enquanto juntam um abrasador manto psicadélico, guitarras distorcidas e um dramático breakdown de piano, isto sem perder o apelo pop, o que é completamente notável. Podem ter encontrado a maioridade há dois temas atrás, mas é neste que se sente uma tremenda (r)evolução - um momento que poucos estariam à espera vindo desta banda. Brilhante é dizer pouco. (10/10)

6) The Angelic Welcome of Mr. Jones- 30 segundos de coro gospel, como que a assinalar uma beata entrada aos portões do céu. Não está associado nem ao tema anterior nem ao seguinte, daí que penso que a sua inclusão serve para diferenciar a primeira da segunda parte do álbum - ainda mais negra e profunda.

7) Best Friend- É, sem dúvida, a canção mais infalível de todo o álbum, uma espécie de híbrido entre "Call It What You Want" e "Don't Stop (Color on the Walls)", mas com uma fabulosa toada disco e funk, competindo desde já para hino do próximo Verão. Volta a enganar-nos como "Pumped Up Kicks" fez: é extremamente alegre por fora, mas esconde versos que indiciam experiências com narcóticos em momentos de menor auto-estima. É estupidamente irresistível, tem uma estrutura melódica genial e candidata-se a figurar no lugar cimeiro do meu top de melhores canções do ano. (10/10)

8) A Begginner's Guide to Destroying the Moon-  Deus, que monstro os Foster criaram ao 8º tema conforme as escrituras, a canção mais pesada e obscura que alguma vez compuseram, com o - agora sim! - grunge não muito distante de Nirvana e influências via The Clash, pelos quais dizem ter sido inspirados durante o processo criativo de Supermodel. "I'm coming for you giants and you liars and you chariots of fire/ you charmers with your anecdotes have started to show your true colours" - é apenas uma das muitas farpas dirigidas ao estado capitalista. Estou assombrado com tamanha imponência, lírica e sonora. (10/10)

9) Goats in Trees- Quase que aposto que esta canção deve ter sido criada num estado de alma completamente desolador para Mark Foster, num daqueles dias de extremo caos mental. Só assim se explica a demência do tema - a começar pelo título - com lírica atormentada ("I'm on the outside and I'm falling apart"), pautado por ruídos animalescos (não de cabras mas de macacos) e por uma magnífica interpretação do vocalista que manipula a voz a seu bel-prazer, ora cantando no seu habitual falsete ora num registo mais grave, de forma a mostrar exaustão. (8/10)

10) The Truth- É aquilo a que eu chamo uma balada fosteriana, para ouvir de mão no peito e isqueiro no ar. Depois de ter batido no fundo, Mark encontra a luz, ou pelo menos, uma réstia de esperança no meio da neblina em que se encontrava perdido, cantando acerca do quão difícil é viver rodeado de hipocrisia ("I have tried so hard not to be like them/ I have found they don't ever say what they mean"), mas mostrando-se confiante e messiânico ("there is a hope for the hopeless, I can promise you that"). É altamente sintetizada, um bocadinho lamechas e algo dramatizada, mas não deixa de ser bonita e bem-vinda depois de tantos temas angustiantes. (9/10)

11) Fire Escape- O disco encerra com Mark Foster a sós com a sua guitarra acústica num tema dedicado a Los Angeles, berço de onde o trio é oriundo, local onde diz ele "I've watched the dreamers find their legs/ and I've seen the ones that come get reduced to bones and drags", não fosse L.A. o depositário de muitas almas artísticas que correm atrás de sonhos muitas vezes difíceis de concretizar. E este é o canto de um filho da terra que alcançou o seu, correu mundo, e viu que as coisas continuam tão más ou piores do que quando de lá saiu ("Los Angeles I've been waiting for you/ to pick yourself up and change"). É ele a "escada de emergência" mas é a cidade quem precisa de ser salva, de alcançar a redenção. (9/10)

Criar demasiadas expectativas relativamente a uma nova banda logo de início pode ser perigoso, porque o mais certo é acabarmos desiludidos um pouco mais à frente. Não me perguntem porquê, mas sempre soube que com os Foster the People não correria tal risco. Afinal de contas, fui eu o tal que certo dia, ainda "Pumped Up Kicks" não tinha explodido, decidi ouvir Torches às cegas sem saber o que me esperava. Não percebi muito bem o que ali estava - foi só o início da revolução indie rumo ao mainstream - mas apaixonei-me por ele de tal maneira que se tornou num dos meus álbuns favoritos de sempre.

De Torches para este Supermodel, três anos passaram e muito mudou: desapareceu o efeito surpresa da estreia, o seu som foi emulado por umas quantras outras bandas novatas e a próprio grupo correu mundo, absorveu uma imensidão de culturas e viveu uma série de coisas que só quem passa do anonimato para a fama sabe contar e sentir na pele. Resultado: este é o som de uma banda amadurecida, que aspira à grandeza sem tirar, no entanto, os pés do chão. Pelo meio faz ainda uma prodigiosa crítica à sociedade desprezível em que está inserida e veste-se de novas e interessantes roupagens, sem perder, porém, o que a tornava especial: a capacidade de extrair condimentos pop - refrões orelhudos e melodias infecciosas - quer estejam a psicadelizar forte e feio ou a atirar-se destemidamente a solos grunge.

Parecia impossível, mas a verdade é que agora gosto ainda mais dos Foster the People do que já gostava, talvez como nunca gostei de nenhuma outra banda. Por mim até se podem desgraçar daqui em diante - mas esperemos que não - que já deixam uma obra que, apesar de curta, é extremamente admirável. Digam o que disserem, para mim este álbum é um portento. Pode não ser perfeito, mas certamente que é o melhor trabalho que podiam ter feito logo ao segundo disco. E estou plenamento convicto que, ao 81º dia do ano, encontrei aquele que será o meu álbum favorito de 2014.

Classificação: 9,1/10

"Stop your self-importance and lift the weight off somebody else
and stop drinking the wine that's been dripping
from the lips of the gluttons and envying their bloody teeth"

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