REVIEW: Florence and the Machine- How Big, How Blue, How Beautiful


Novo triunfo para Flo e a sua máquina, num terceiro disco marcado pelo confronto com os seus demónios pessoais, pelo refreio vocal e instrumental, e a exploração de novas paisagens sonoras.

Primeiro era a pausa que se exigia após o lançamento dos dois primeiros álbuns de enorme sucesso num espaço de dois anos. Depois, a consequência directa de quem passa os últimos anos na estrada e quando regressa a casa não consegue retomar a sua vida. Adicione-se ainda o fim de um relacionamento amoroso, a entrega ao álcool e a luta contra uma depressão - postas assim as coisas, a pausa de 3 anos e meio poderia era ter levado o dobro. Florence Welch soube criar a distância necessária para se restabelecer e deixar um mar de saudades entre si e os seus ouvintes. Este é, pois, um dos regressos mais aguardados de 2015.

Markus Dravs (colaborador de Arcade Fire, Mumford & Sons ou Coldplay) assume os comandos do álbum e atenua a costela épica, por vezes demasiada intensa da banda, introduzindo-a na tradição americana do blues e rock alternativo. O projecto não perde identidade, pelo contrário, amadurece proporcionalmente à sua envergadura. Não há vocalizações explosivas nem crescendos de percussão bombásticos como no passado, há sim majestosos arranjos de cordas, sopro, teclados e guitarras a rodos combinados com uma maior contenção e dosagem vocal de Florence, permitindo que o disco respire e não se anule nas suas várias camadas.



"Ship to Wreck" encontra a vocalista mergulhada nos seus próprios destroços e faz muito bem a ponte entre o passado e o presente da banda: o histerismo vocal é condição obrigatória para evocar o seu caos mental, mas a instrumentação acústica e a melodia falsamente alegre são o primeiro passo na apropriação "americana" da sonoridade do grupo, com paralelo em "Losing My Religion" dos R.E.M. "What Kind of Man" traz vísceras, ira e intempestividade de arrasto, como resposta emocional de alguém que esteve demasiado tempo abatida e sem reacção. Aquele poderoso riff de guitarra surge sempre como um murro no estômago e não diminui de intensidade mesmo quando se junta uma seccção de metais ao vendaval sónico. O maravilhoso tema-título tem o seu nome inspirado no céu de Los Angeles e transporta memórias da relação entretanto terminada da vocalista. É tão bonita e expansiva quanto o nome deixa antever, a escalar do solo às nuvens com guitarra, baixo, teclados e harpa em lume brando, até que nos minutos finais se encharca de um ror de cordas e metais a apontar à estratosfera. Nárnia, por breves instantes, surge no horizonte. 

O momento mais orelhudo do disco pertence a "Queen of Peace", um género de armada combatente a naufragar com a tocha de fogo ainda erguida, quase como uma tragédia cinematográfica. O pormenor mais interessante será mesmo o trompete que confere um tom mariachi à canção. "Delilah", outro dos mais sonantes, teria lugar cativo em Lungs, com a percussão retumbante a evocar "Dog Days Are Over". Só que os desabafos líricos de Florence são bem menos escapistas e fantasiosos: "it's a different kind of danger", como diz a determinada altura. "Third Eye" é a expressão de vida e esperança de quem passou demasiado tempo na penumbra. Convoca a essência ancestral e celebratória de "Heartlines", do último Ceremonials, mas tem ali algo de ABBA à espreita no verso "that original lifeline". Também o embalo bluesy da intimista "Caught" fica encravado na memória.



A provar que a contenção é mesmo um dos maiores trunfos de How Big, How Blue, How Beautiful, estão "Long & Lost", "Various Storms & Saints" (a "Nothing Else Matters" do grupo?) e principalmente "St. Jude", em alusão ao santo padroeiro das causas perdidas, exponte máximo do minimalismo e vulnerabilidade que por aqui moram. É Florence vista sob uma outra luz, reveladora e redentora. Surpresa reservada para a derradeira faixa, "Mother", a única com assinatura do genial Paul Epworth, que envereda por um blues rock de chama imensa e no final desemboca numa canção de estádio na linhagem de Arcade Fire com um portentoso solo de guitarra impregnada de fuzz - penso mesmo que seja o único caso em que os arranjos engolem Florence, mas fica para a posteridade uma monstruosa faixa de encerramento que funcionará muito bem com o mesmo propósito em concertos.

Menos memorável que Lungs e não tão arrebatador quanto Ceremonials, é um disco que mostra mais tonalidades, um evidente amadurecimento vocal e lírico e deixa muita margem de manobra para uma próxima aventura discográfica. E a avaliar pelo ritmo a que Flo e a sua máquina evoluem, a obra-prima poderá já estar ao virar da esquina. 



Classificação: 8,4/10

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