2017, Um Balanço Sónico- As Canções Internacionais


Este ano a lista ficou assim organizada:



1º Lorde- "Green Light"- Não andaremos todos nesta vida numa busca e ânsia pela libertação? Cada amarra que nos prende, cada pensamento que nos atropela e cada espinho cravado no peito dissipam-se na artéria principal de Melodrama, manifesto explosivo sobre ter-se vinte anos, um coração desfeito e uma sede insaciável de vida. Jack Antonoff, esteta primordial de 2017, fez parte da moldura. "Green Light" foi o coming of age de Lorde. E foi simplesmente maravilhoso - e libertador - de assistir.

2º Camila Cabello- "Crying in the Club"- E pensar que há um ano não existiam 5H sem Camila e esta se precipitava numa carreira a solo que poderia não descolar de imediato. Entre esse receio e o blockbuster "Havana", houve um quase messiânico (e extremamente subvalorizado) "Crying in the Club", manifestação terapêutica que foi parte angústia existencial e parte êxtase libertado na pista de dança, suportado por um imbatível sample do clássico "Genie in a Bottle". Anos mais tarde lembrar-nos-emos que foi aqui que a lenda começou. 

3º Clean Bandit feat. Zara Larsson- "Symphony"- Para além da sempre fascinante mescla sonora que apresenta, o grupo britânico tem o condão de saber escolher as vocalistas certas para os temas certos. Balada orquestral pontuada por dramatismo, emotividade, um tour-de-force vocal impressionante e uma produção imaculada, "Symphony" assinala também um momento singelo na carreira dos dois artistas. E um especial para quem decidiu guardá-la no coração.

4º Miley Cyrus- "Malibu"- Uma das boas surpresas do ano foi assistir ao amadurecimento musical de Miley Cyrus, que este Verão nos pôs a todos de lágrima no olho à procura do nosso Malibu state of mind e a acreditar que chegamos sempre onde havemos de chegar, mesmo que pelo caminho nos desviemos da rota originalmente traçada. Ei-la a retornar aos braços de Liam Hemsworth e a encontrar a tão desejada paz de espírito na sua canção mais sóbria e bonita à data.

5º Billie Eilish- "Bellyache"- "Tennis Court" de Lorde tem aqui um oponente à altura. Uma adolescente de 15 anos a fazer synthpop subversiva acerca de uma psicopata que carrega os corpos dos amigos na bagageira do carro e sente remorsos por isso - faz todo o sentido, claro. Três vivas e um ligeiro esgar de assombro pela próxima grande esperança da pop. 

6º Pink- "Beautiful Trauma"- Há algo de comovente em ver Pink a transcender-se e a continuar a arranjar razões para nos arrebatar dezassete anos depois de ter iniciado o seu percurso. Propulsiva produção synth-rock com assinatura do bestial Jack Antonoff acerca da relação disfuncional que a cantora mantém com o marido, "Beautiful Trauma" assume-se como o momento mais forte do álbum e representa um momento glorioso no seu percurso. Quanto coração, vida e beleza aqui depositados.

7º Lorde- "Perfect Places"- Esta é a canção que coloca um ponto final em Melodrama - uma espécie de crise convulsiva depois da torrente eufórica e conturbada de sentimentos potenciados por explorações hedonistas. Trata-se, pois, de uma ginasticada construção electropop derivativa de "Team" e alimentada pela compreensão de que a busca pelo êxtase interminável nos deixa tão vazios e perdidos como no princípio. What the fuck are perfect places, anyway?

8º Foster the People- "SHC"- Os Foster the People em 2017 já não têm sequer um terço do mediatismo que tinham no início da década, mas quem os acompanha ainda encontra razões de sobra para permanecer ao seu lado. Destaque óbvio do seu terceiro longa-duração, "SHC" recaptura com mestria a verve indietronica que tornou Torches numa estreia tão singular, enquanto se debruça sobre a relação do vocalista com Deus e os que o rodeiam.

9º Katy Perry- "Chained to the Rhythm"- Recuemos no tempo e sintamos de novo a esperança de que 2017 será mais um ano de formidável colheita para Katy Perry. Sentem-no? "Chained to the Rhythm" enganou-nos bem: aditiva construção disco pop de tempero dancehall sobre despertar a consciência social e política numa América diabolizada por Trump. Perry foi vítima da sua própria ambição e fraquejou em tudo o que se seguiu, manchando assim um percurso até aqui galáctico. Se ao menos Witness estivesse estado ao mesmo nível, as coisas poderiam ter sido diferentes.

10º Zara Larsson- "TG4M"- Zara Larsson poderia ter tido um ano ainda mais proeminente caso não tivesse deixado de fora das contas dos muitos singles de So Good este afectuoso e irrecusável pedaço de tropical house que alinharia na perfeição com a maioria das actuais playlists das rádios. Em vez disso terá que permanecer como a jóia escondida do álbum que lançou a sua carreira internacional. Resta-nos o consolo de que não será preciso muito para lhes escutarmos outra igual ou superior a esta.

11º Halsey feat. Lauren Jauregui- "Strangers"- É seguro afirmar que Halsey nunca teve um tema tão estupendamente produzido e relevante para a esfera pop como este. Com assinatura de Greg Kurstin, ecos dos anos 80 e a soltar faíscas com a próxima grande força a solo das Fifth Harmony, Halsey entrega-nos um tremendo hino LGBT como poucas vezes ouvido no mainstream, transformado ora em objecto de desejo, ora de solidão. 

12º Camila Cabello feat. Young Thug- "Havana"- Karla Camila estava quase a arrepender-se de ter abandonado o barco das 5H no seu auge, quando "Havana" chegou e a empurrou definitivamente para um destino a solo que mais cedo que tarde se haveria de cumprir. Intenso affair latino suportado por teclas gingonas e trompete sedutor, reflectiu com orgulho a herança cubana da sua intérprete, tendo monopolizado o último quadrimestre do ano e prolongando o surto de febre latina que invadiu o panorama. Parte do nosso coração estará sempre em Havana-ooh-na-na.

13º French Montana feat. Swae Lee- "Unforgettable"- Um dos hinos maiores e mais aptos deste Verão, trouxe o rapper norte-americano para picos de popularidade nunca antes experienciados, mas o crédito maior é de Swae Lee - o irmão mais novo dos Rae Sremmurd que há um ano congelava meio mundo com "Black Beatles" - a fluir por entre uma pegadiça produção dancehall como uma brisa fresca num dia de calor intenso. 

14º Taylor Swift- "...Ready For It?"- Se o mundo estivesse à beira da destruição, esta seria a nossa melhor chance de sobrevivência. Torpedo electropop de voltagem industrial que nasceu da magna forja de trovões de Max Martin, Shellback e Ali Payami, "...Ready for It?" testou a fibra do novo parceiro amoroso de Swift, ao mesmo tempo que continuou a introduzir com estrondo a versão obscura da sua autora. Ninguém podia estar preparado.

15º London Grammar- "Big Picture"- Poucos abraços musicais este ano foram tão reconfortantes quanto aquele que acolheu de novo os London Grammar depois de quatro anos de ausência. A voz de Hannah Reid continua a ser a oitava maravilha do mundo, ainda utilizada para escape das frustrações do coração. E o universo crepuscular de Dan e Dom expandiu-se para o cosmos e teve nesta incursão de Jon Hopkins o seu pináculo. Para lá de bonito. 

16º Kendrick Lamar- "DNA"- I got-I got-I got-I got! K-Dot deixa uma marca indelével em 2017 com um álbum essencial e uma mão cheia de singles orelhudos onde "DNA" pontifica. Virtuosa prosa sobre identidade numa América repleta de tensões raciais, faz virar cabeças quando a meio caminho se transforma numa agitada amálgama de rimas enfurecidas em cama dancehall. Kung Fu Kenny salva o dia, uma vez mais.

17º Paramore- "Hard Times"- Dançar sobre a depressão nunca soube tão bem. Em mais uma vigorosa e entusiasmante mudança de cores, Hayley, Zac e Taylor continuam a espelhar as agruras da maioridade, aliviando de certa forma as nossas, e a desbravar caminho de forma hercúlea depois de mais uma volta pelo Cabo das Tormentas. Continuamos juntos. 

18º Charli XCX feat. MØ- "3AM (Pull Up)"- Miss XCX é a prova de como não é necessário editar-se um álbum para deixar herança viva em 2017. Entre colaborações, composições e criações caseiras, este bombom synthpop de tempero tropical house retirado da mixtape Number 1 Angel editada em Março, foi o seu pináculo criativo: efervescente e divertidíssima prosa sobre ser-se prémio de consolação de outro alguém. Pullup-pullup-right to your love!

19º Rae Morris- "Do It"- Há algo de verdadeiramente espantoso naquilo que Rae Morris conseguiu com este tema: ao mesmo tempo que nos concede o empurrão para o salto de fé que tememos dar, está também a atravessar uma incrível metamorfose sónica e estética que não esperaríamos da rapariga tímida de longos caracóis e delicadas baladas ao piano que conhecemos em 2012. É um dos gestos artísticos mais corajosos de 2017 e foi lindo vê-lo a acontecer diante dos nossos olhos.

20º Major Lazer feat. Anitta & Pabllo Vitar- "Sua Cara"-
 Quando meio mundo orbitava em torno das sonoridades latinas, o colectivo de Diplo talvez tenha antecipado a próxima grande tendência da cena musical ao chamar a si dois dos grandes vultos da actual pop made in Brasil para uma cataplana dancehall de inesgotáveis prazeres entoada em português. A isto se chama um legítimo #hinaodaporra.

21º Jason Derulo feat. Nicki Minaj & Ty Dolla Sign- "Swalla"- Shimmy shimmy yay, shimmy yay, shimmy ya! Vamos encarar as coisas tal como elas são: adorar uma canção que versa sobre o esperma de Jason Derulo é possivelmente cometer o pecado capital da pop, mas se ir para o inferno é assim tão divertido então, caramba, a viagem valeu bem a pena. Infecciosa composição dancehall com o mar das Caraíbas a perder de vista, foi o guilty pleasure que todos adoraram engolir. #tooracy

22º Astrid S- "Such a Boy"- A jovem norueguesa de 21 anos não tem feito outra coisa se não criar pequenos abalos sísmicos na pop escandinava exportada para o resto do mundo desde que iniciou o seu percurso e "Such a Boy" será porventura o maior deles: uma formidável construção electropop que inverte o estigma dos relacionamentos amorosos e coloca antes o papel de drama queen à figura masculina. Dez pontos pelo arrojo, outros dez pela eficácia.

23º Raye- "The Line"- Possivelmente não ficará para a história do ano de mais ninguém se não aqui do escriba, que o recordará como o hino oficial das noites de desbunda: das reais e das que tiveram que ser alimentadas pelo pensamento. De latitude mais ostensiva que os anteriores "I, U, Us" ou "Shhh", provou no entanto a aptidão da jovem britânica para canções pop engenhosas e carismáticas.

24º Tove Styrke- "Say My Name"-
Tem de ser uma das jóias despercebidas que a pop nórdica nos ofereceu em 2017. Engenhosas drum machines, um riff de guitarra dengoso que se aloja no ouvido e uma interpretação estilosa fazem de "Say My Name" o porta-estandarte do cancioneiro em expansão da sueca Tove Styrke. Um vídeo repleto de über coolness ajudou a compôr o ramalhete, claro. 

25º Kelela- "LMK"- No seu single mais acessível à data, ainda é o charme alienígena de Kelela que comanda: numa insinuante produção electro-R&B de recorte industrial de Jam City, a intérprete norte-americana reclama por respeito nas aventuras de uma noite só, recuperando heranças de Aaliyah e construindo um tremendo hino de empoderamento feminino pelo caminho. 

26º Pink- "Whatever You Want"- Não é suposto que temas promocionais ofusquem os ditos singles, mas Pink fez a dobradinha este ano com a jornada promocional de Beautiful Trauma. Embrenhada na melhor tradição alt. rock de Alanis Morisette, "Whatever You Want" é uma desafiante prosa sobre não vergar perante as dificuldades do matrimónio e perseverar para ver o que de bom espreita à esquina. Tomara que chegue também a single em 2018. 

27º Taylor Swift- "Look What You Made Me Do"- T-Swift nunca foi tão interessante ou soou tão revolucionária quando na altura em que decidiu colocar a sua agenda vingativa em dia. Absoluto statement da pop em 2017 e objecto de discórdia entre os fãs, "Look What You Made Me Do" desfez em três tempos a teia de boatos e maquinações que lhe eram dirigidas, ao mesmo tempo que apontou novos, entusiasmantes e tenebrosos caminhos na sua discografia. De génio. 

28º Elliot Moss- "Closedloop"- Depois da auspiciosa estreia com Highspeeds (2015), o produtor/multi-instrumentista nova-iorquino galgou novos trilhos este ano com o EP Boomerang, onde encontramos este assombroso "Closedloop", megalítico pedaço de alt electrónica que soa ao filho musical sorumbático de James Blake e Chet Faker.

29º Calvin Harris feat. Kehlani & Lil Yachty- "Faking It"- Poucas mutações sónicas em 2017 foram tão bem conseguidas quanto a que Calvin Harris operou em terrenos funk, disco e R&B, pólos distantes da EDM e electro house até então praticada. Pérola maior de Funk Wav Bounces Vol. 1, "Faking It" assenta numa sólida produção electro-funk de ambiência R&B forjada pelo escocês, que deve muito do seu charme a uma Kehlani que pontua cada verso com cadência hipnótica.

30º Tove Lo- "Disco Tits"- Podemos contar sempre com Tove Lo para os melhores bangers de bolinha vermelha. Lasciva mescla de disco e electroclash, "Disco Tits" virou cabeças com a ousadia do título, convenceu pelo tom blasé e ficou graças à luxúria hedonista por ela propagada. Em suma, mais um momento singular no percurso da sueca.

E para vocês, quais foram os melhores temas do ano?

Comentários

Mensagens populares