2017, Um Balanço Sónico- Os Discos Internacionais


Porque o streaming ainda não matou de vez o álbum, estas são as vinte escolhas de um escriba que esperou 364 dias para as ordenar:

1º Paramore- After Laughter


After Laughter é um triunfo de tantas formas. Porque foi feito, apesar das condicionantes óbvias à sua concepção, porque assinala um notável amadurecimento lírico (estão aqui as melhores composições do percurso da banda) e sónico (magnífico trabalho o de Taylor e Zac ao nível da execução musical) e, principalmente, porque proporciona uma perspectiva crua e realista, mas bela, sobre a vida. Abraçando de vez uma garrida paleta de pop/rock tingida de influências new wave, os Paramore de 2017 são ainda uma versão evolutiva de si mesmos, mas também uma mais contundente, auto-consciente e ferida, cuja significância ajuda a dar significado a um mundo a que pertencemos mas nem sempre conseguimos descodificar. Continuaremos por isso juntos a descobrir o que a vida nos reserva. 


2º Lorde- Melodrama


Tal como se esperava, Lorde cresceu no sentido certo e fez um álbum magistral sobre a doce urgência de ser jovem adulta e ter o mundo nas mãos. A dream pop soturna e minimal da inesquecível estreia deu lugar a uma paleta mais vasta de sons e texturas onde cabem detalhes mais orgânicos, instrumentação variada e uma pop assumida que não teme ser vibrante e sentida, delineada em conjunto com o produtor-maravilha do ano, Jack Antonoff. Cada vez mais plena das suas capacidades enquanto intérprete e compositora, Melodrama representou um novo triunfo para Lorde, capaz de gerar, à semelhança de Pure Heroine, um novo marco geracional e cultural. That's our girl. 


3º Taylor Swift- Reputation


Quem diria há um par de anos que Taylor Swift se tornaria na estrela pop mais interessante da actualidade? Tremendo ensaio sobre o mediatismo, percepção pública e o amor debaixo dos holofotes, Reputation figura como o álbum mais arrojado e arriscado - e Swift estava na posição ideal para correr riscos - do seu percurso, pautado por uma exploração sónica por terrenos da pop industrial, electropop, R&B ou até mesmo trap, e pelas contribuições fulcrais de três dos maiores artesães pop do seu tempo: Max Martin, Shellback e Jack Antonoff. O maior prodígio de Reputation é, porém, a capacidade da sua autora ter conseguido transformar fraquezas em forças criativas e desarmado sem esforço o ror de críticas que lhe era dirigido. De génio. 


4º Everything Everything- A Fever Dream


Como suceder a um álbum tão maximalista e grandiloquente como Get to Heaven? Com um quarto álbum que, apesar de não aprimorar a arquitectura sonora da banda, mantém intacto o brio sónico e lírico por que se têm pautado desde a estreia. Moldado por acontecimentos como o Brexit ou a chegada de Trump à presidência dos Estados Unidos da América, A Fever Dream não se deixa contaminar pela obscuridade de que se tinge, permitindo absorver a luz e humanidade na dose certas. "Night of the Long Knives", "Put Me Together" ou "Ivory Tower" entram para a galeria dos melhores momentos da sua discografia.


5º Billie Eilish- dont smile at me


Não pode ser humanamente possível que uma adolescente de 15 anos lance uma colecção de oito canções tão incisivas e imaculadas quanto estas. Também parece demasiado bom para ser verdade que elas sejam tecidas pela própria Billie e pelo seu irmão quatro anos mais velho. Anjo e demónio, atenta observadora social ou fantasiosa contadora de histórias e sobretudo já tão consciente da sua identidade e do seu caminho, Billie é de longe a melhor coisa que aconteceu à pop desde Lorde - e o mundo nem vai perceber o que o atingiu quando ela se afirmar de vez no cenário musical. 


6º Foster the People- Sacred Hearts Club


Do segundo para o terceiro disco os Foster the People perderam um dos seus membros integrantes e abriram as suas alas a dois novos elementos: tal reconfiguração acabou por afectar a identidade da banda em Sacred Hearts Club de uma forma que não agradou particularmente à crítica e aos fãs que se embeiçaram apenas por "Pumped Up Kicks". Menos incisivo que o conceptual Supermodel (2014) e definitivamente menos memorável que a fantástica estreia, combina no entanto a indietronica deste e o nervo alt rock do anterior e dá-nos algo novo pelo meio, não necessariamente melhor, mas que o tempo tratará de apurar. Dito isto, um seguidor fervoroso encontra razões de sobra para permanecer - "Pay the Man", "SHC"ou "Static Space Lover" ajudam - e esperar por um disco melhor. 


7º Perfume Genius- No Shape


Too Bright (2014) reclamava a luz, mas na verdade era tenebroso e rígido até à medula. De alguma forma as partículas luminosas foram herdadas pelo seu sucessor, decididamente o melhor, mais expansivo e belo registo de estúdio de Perfume Genius, a crescer desmesuradamente de disco para disco. No Shape proporciona uma das escutas mais coesas de 2017, com o músico de Seattle a explorar temáticas da religião, espiritualidade, amor e devoção na cama de sons mais assombrosos e transcendentes que nos ofereceu à data. 


8º Kelly Clarkson- Meaning of Life


Meaning of Life devolve, com sucesso, Kelly Clarkson às suas fundações R&B/soul e o resultado é facilmente um dos melhores títulos do seu percurso - lado a lado com Breakaway (2004), Stronger (2011) ou mesmo Wrapped in Red (2013) - que vibra de positivismo, maturidade e controlo artístico. Nada menos do que uma das melhores vozes femininas da sua geração a fazer o disco que sempre quis, com canções à altura do seu potencial e representativas da artista em que se tornou. Faz-nos feliz vê-la feliz. 


9º London Grammar- Truth Is a Beautiful Thing


Provavelmente os London Grammar não precisariam de nos fazer esperar quatro anos pelo sucessor de If You Wait - a tal história da evolução na continuidade - mas o segundo álbum do seu percurso beneficia ligeiramente do tempo de maturação: as letras amplificam a carga emocional de que estão impregnadas e há um maior arrojo e expansividade na instrumentação e nos arranjos. Ainda assim, a melancolia é o tom mais premente de Truth Is a Beautiful Thing e a voz de Hannah Reid o farol que guia os corações feridos pela noite escura. Não lhes fará mal um pequeno abalo na próxima tentativa, mas por agora é mais do que suficiente e reconfortante. 


10º Zara Larsson- So Good


No primeiro registo editado à escala mundial (e segundo nas contas gerais), a eficácia pop de Zara Larsson é medida por singles tão pegadiços quanto "Lush Life", "Never Forget You" ou "I Would Like". Mas se o encanto de So Good se deve sobretudo ao punhado de canções previamente divulgadas e - devidamente certificadas enquanto hits - o que nos faz voltar a ele é também o charme de temas como "Don't Let Me Be Yours", "TG4M" ou "Sundown". Em suma, todo um arsenal de potenciais êxitos que atestam a capacidade da actual princesa da pop nórdica se tornar também numa das candidatas ao ceptro da pop mundial.


11º Aminé- Good for You


Não era suposto que um álbum com um artwork tão promissor quanto este fosse tão bom, mas a estreia em disco de Aminé é seguramente uma das mais divertidas do ano. É pouco comum ficar cativo a um disco de hip hop que não seja feito por Yeezy ou K-Dot, mas o carisma do rapper de Portland, as rimas bem-humoradas repletas de referências à cultura pop, os refrões quase sempre orelhudos e o contributo de nomes como Nelly, Kehlani, Charlie Wilson ou Ty Dolla $ign fazem com que valha a pena voltar a Good For You uma e outra vez. 


12º Lana Del Rey- Lust for Life


Importa olhar para Lust for Life sob três prismas: o de que este é o quarto álbum assinalável que Lana Del Rey edita num espaço de cinco anos, que a sua incapacidade de concisão é uma benção - o seu charme não se esgota ao longo de quase 72 minutos de duração - e que a cantora tem vindo a aprimorar o seu som a cada novo registo. Escutam-se ecos do trip hop da estreia, ambiência trap e atmosfera dream pop encharcada de harmonias dos anos 60, num álbum que atesta o seu crescimento enquanto escritora de canções e que deixa entrar alguma luz na sua habitual paleta sépia e algo depressiva. 


13º Kendrick Lamar- DAMN.


Damn não é mais do que o melhor rapper da sua geração sentado no topo da montanha e a contemplar tudo o que o rodeia. Onde o majestoso To Pimp a Butterfly (2015) se alongava em intrincadas composições de funk, soul, jazz ou spoken word, Damn aligeira um pouco a amálgama sónica, com o rapper a explorar elementos da música pop, R&B e trap, o que resulta em algumas das suas criações mais infecciosas e ressonantes de sempre (oiçam-se "Humble", "DNA" ou "Love"). Pelo meio encontra um perfeito balanço entre a crítica social e o relato das experiências pessoais, medidas dominantes do seu virtuosismo. 


14º Mura Masa- Mura Masa


Alex Crossan tinha dado os melhores indicadores com a mixtape Soundtrack to a Death (2014) e o EP Someday Somewhere (2015) e esteve à altura das expectativas com o longa-duração de estreia editado em Julho último. Trepidante ensaio pop que se desdobra em linguagens funk, hip hop e electrónicas, Mura Masa é tão expressivo e expansivo como se quer da nova geração de produtores que já não se fecha apenas no quarto e procura beber do maior número de culturas e estilos possíveis. "Nuggets", "1 Night", "Helpline" e "Nothing Else!" são pontos altos.


15º Kelela- Take Me Apart


O bom de se esperar 34 anos para editar o primeiro longa-duração é que não há lugar para falsos arranques, meias palavras ou deslizes. Talvez por isso Take Me Apart soe tão coeso e arrebatador, fruto de uma identidade vincada e de uma das mais inventivas mentes do R&B alternativo, aqui em hipnotizantes diálogos acerca da cadeia de relações humanas - o amor, sexo, impaciência ou vulnerabilidade - num disco que consegue traduzir 2017 e ao mesmo tempo soar como se tivesse vindo de 2037. "Better", "Frontline", o tema-título ou "Blue Light" merecem as suas próprias cápsulas do tempo. 


16º Pink- Beautiful Trauma


Beautiful Trauma começa por ser um caloroso abraço a uma artista que esteve cinco anos sem editar um álbum de originais e revela-se, pelo caminho, no trabalho mais maduro e sólido de Alecia Moore. Reflexivo acerca do seu lugar no mundo, do seu papel de mãe e esposa, e da posição que ocupa na constelação pop, assinala uma clara mudança de prioridades e postura para Pink, ao mesmo tempo que contém alguns dos melhores temas do seu percurso ("Whatever You Want", o tema-título ou "You Get My Love"). Nada menos do que um triunfo da cada vez menos underdog do burgo.


17º SZA- Ctrl


Era preciso ter passado incólume a "Consideration" de Anti para não compreender o diamante em bruto que era SZA. Pelos vistos um que esteve três anos a ser lapidado, tempo de gestação que Ctrl necessitou até estar concluído. Prosa confessional e brutalmente honesta sobre as complexidades do amor contemporâneo ou como uma jovem mulher com um quarto de século de vida se percepciona a si mesma e ao mundo que a rodeia em pleno séc. XXI, Ctrl desenha-se numa robusta amálgama de R&B alternativo e neo soul que conhece expoente máximo em momentos como "Drew Barrymore", "The Weekend" ou "Broken Clocks". Clássico instantâneo, pois claro. 


18º Vince Staples- Big Fish Theory


O que nos faz estacar e olhar demoradamente para Big Fish Theory é o facto de não se limitar a ser um excelente disco de hip hop, mas a procurar à semelhança de To Pimp a Butterfly, um espaço onde o dialecto das ruas se possa cruzar com outros universos estilísticos, neste caso a música electrónica, como a house e o techno de Detroit. Suportado pelo cunho criativo de estetas como Sophie, Flume ou Zack Sekoff, o segundo registo de Vince Staples só se torna verdadeiramente magnífico na sua segunda metade com uma sucessão de bangers composta por "Yeah Right", "Party People", "BagBak" ou "Rain Come Down". 


19º St. Vincent- MASSEDUCTION


Lascivo, abrasivo e intrincado à boa moda de St. Vincent, Masseduction figura como mais um trabalho soberbo na já respeitável discografia de Annie Clark, a operar no zénite das suas capacidades criativas e entregando-nos um olhar tão mordaz quanto confessional acerca do amor, poder, sexo, drogas e a inevitabilidade da morte, num disco onde a noção de pop futurista está bem patente e onde cabem também influências de glam rock, new wave, electropop ou techno. "New York", "Happy Birthday, Johnny" ou "Young Lover" voam alto no seu cancioneiro.


20º Aquilo- Silhouettes


A concorrer na categoria de estreia mais discreta do ano, os ingleses Aquilo tecem em Silhouettes uma compelativa pop atmosférica tingida ao de leve de electrónica e dream pop, num espectro que não destoa de contemporâneos como The xx, Rhye ou London Grammar. Guiados pelo belíssimo falsete de Tom Higham, cantam a melancolia e a desolação romântica, mostrando algum grão na asa quando se atiram para fora de pé em momentos tão cativantes quanto "Never Hurt Again", "Complication" ou "Never Seen You Get So Low".

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