Dez anos de Rated R


Lembro-me do dia em que escutei Rated R pela primeira vez. Recebi-o como prenda do 18º aniversário, numa altura em que comprar discos ainda era socialmente aceite. Um gesto que se tornou tradição, aliás, porque a bendita dali em diante decidiu editar os seus três álbuns seguintes sempre no mês de Novembro. Lembro-me de como aquele artwork penetrante me afectou antes mesmo de ouvir o seu conteúdo. Uma magnífica captura da lente da fotógrafa alemã Ellen von Unwerth que desafia o tempo - podia pertencer aos anos 70, 80, 90 ou a 2039 - e as interpretações de quem a observa. Existe poder, medo, ira, humilhação, defesa e auto-consciencialização naquele olhar. Ainda hoje me parece uma capa absolutamente icónica e a fotografia mais assombrosa de Rihanna. Lembro-me de Rated R ser um disco repleto de negrume e mágoa, e também de ser verdadeiramente arrojado para uma estrela pop do seu calibre. Do início aterrador ao som de "Mad House", digno de produzir arrepios na espinha. Da sujidade do hip hop de fundações dubstep de "Wait Your Turn". E de como gravei o verso "sometimes it takes a thousand tries to win" na pele, como lema pessoal. Da bazófia e das chamas que "Hard" produzia e de como uma linha tão presunçosa quanto "that Rihanna reign just won't let up" se tornou numa verdade (ainda hoje) inabalável. Da tristeza e assertividade que emanava de "Stupid in Love", uma em das quais sempre mais gravitei. De como "Rockstar 101", com Slash à guitarra, me deixava de boca escancarada com a sua carga grunge e versos como "I never play the victim, I'd rather be a stalker", demasiado desafiadores para alguém saído de uma situação de violência doméstica. De como "Russian Roulette" me fez sucumbir à agonia que encerrava, e de ser um notável testemunho da melhoria das suas capacidades vocais. De "Fire Bomb" ser absolutamente miserável e ainda assim soar de forma esperançosa. Do facto de "Rude Boy" soar um pouco deslocado do restante alinhamento, mas proporcionar uma agradável mudança de tom com as suas heranças dancehall em pleno destaque. De como Rih nunca tinha soado tão adorável em "Photographs", cantada a meias (e algumas lágrimas engolidas em seco) com will.i.am. De não me querer cruzar com "G4L" num beco escuro à noite, uma negra experimentação de dubstep que haveria de nomear enquanto "navy" a sua base de fãs. De não querer acreditar que Rihanna estava a entregar-nos o seu primeiro tema latino com "Te Amo", sedutora e levemente triste composição sobre amor não correspondido. De "Cold Case Love" ser excepcionalmente bem escrita, interpretada e produzida, assemelhando-se a uma ópera R&B. E de como "The Last Song" era um ponto final apropriadamente tenebroso e desolador. Lembro-me de ter chegado ao fim da sua audição e ter sentido que a minha vida começava ali, um excitante novo mundo de texturas e emoções proporcionados por uma simples rodela. De como Rated R me passou a acompanhar religiosamente, espelhando a tristeza e insatisfação que também sentia naquele período específico. De como aprofundou o meu amor e admiração pela sua autora, intacto até ao presente. Hoje sei como Rated R foi fulcral para a construção da figura transgressora, zero bullshit e magnética que haveria de desabrochar ao longo desta década, com pináculo em Anti (2016). Dez anos volvidos continua a ser o meu álbum favorito da sua discografia. E não me lembro tanto dele como devia. Que a obra - e não os seus demónios, há muito exorcizados - possa continuar a viver em si e dentro de nós. Um apaixonado e sincero obrigado. 

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