REVIEW: Taylor Swift- Lover


Lover é um manifesto de amor, de recentralização da imagem pública de Taylor e de consolidação das suas várias identidades musicais. Vitória com promessa de final feliz.

"I wanna be defined by the things that I love. Not the things I hate, not the things I'm afraid of, or the things that haunt me in the middle of the night. I just think that you are what you love". Nenhum outro momento define tão bem o propósito do sétimo álbum de Taylor Swift quanto o monólogo que encerra "Daylight", a derradeira faixa de Lover. Para trás ficam dezassete temas que atestam bem o amadurecimento emocional e artístico de Swift, possivelmente na fase mais feliz da sua vida e carreira.

Da última vez que tomámos o pulso ao seu catálogo, porém, as coisas estavam definitivamente mais revoltas. Reputation (2017) honrou o seu título e fez-se valer apenas pelo teor da sua obra, insurgente contra a narrativa de escárnio e mal-dizer que a opinião pública lhe vinha a tecer, com Taylor a submeter-se a um blackout mediático premeditado que a destituiu, ainda que momentaneamente, do trono que havia conquistado. Sonicamente obscuro e liricamente vulnerável, o álbum contém algumas das melhores e mais arriscadas canções do seu percurso, e fez exactamente aquilo a que se propôs: sacudir os detractores e entregar a verdade nos seus próprios termos. 

Mas por mais que a Taylor badass fosse uma versão deveras entusiasmante e disruptiva de si mesma, sabíamos que eventualmente teria que recuperar - do isolamento, da ira, do remorso. "Call It What You Want" e "New Year's Day" já incidiam no sentido da claridão que agora Lover deixa entrar na plenitude: no final, foi amor a devolver-nos (e a salvar) a boa e velha Taylor.



Prolongando a tradição de estrear cada era com um primeiro single que em pouco ou nada traduz a restante sonoridade do álbum, "Me!" surgiu mais pela necessidade de reintroduzir Swift no espaço mediático do que para lhe proporcionar um êxito esmagador: uma mega fantasia pop sobre auto-valorização e singularidade, que pinta todas as cores do arco-íris na companhia do homem-forte dos Panic! at the Disco, a canalizar uma boa dose da teatralidade e extravagância de que o tema vive. Terá sido talvez demasiado bubblegum para a maioria dos estômagos, mas perdoamos-lhe o devaneio quando se percebe que esta era a primeira vez em que Swift valia simplesmente pela música, sem dramas ou escândalos associados.

Depois da reintrodução da persona, havia também uma agenda política por cumprir. Até Lover, Taylor nunca foi vocalmente activa acerca dos seus ideais e convicções, mas certamente se apercebeu de que a música é também um veículo para expressar manifestos de qualquer tipo, e de que o seu peso mediático quase assim o exige. É desta forma que chegamos a "You Need to Calm Down", outra escolha duvidosa de single construído sob as fundações synthpop de "Just Can't Get Enough" dos Depeche Mode, que pesa mais pela sua inclinação pró-LGBTQ do que pelo seu propósito para a pop contemporânea. Mas talvez seja "Miss Americana & The Heartbreak Prince" o mais contudente nas suas ideologias, a expressar o seu desânimo com o estado político da nação, corrompida pelo mandato de Trump: as notáveis capacidades de composição de Swift desenham todo um imaginário metafórico que cruza campanhas eleitorais com as hierarquias da escola secundária. E podia ser ainda mais louvável se o produtor Joel Little não reciclasse a batida dos moldes de Pure Heroine (2013).



É preciso chegarmos ao tema-título para termos um single que realmente merecemos: "Lover" é uma bonita declaração de amor ao parceiro que há três anos se assume como o seu rochedo, uma imensa balada country/folk que encontra ecos no repertório de Father John Misty ou dos Mazy Star e que se arrisca a guiar muitos casais até ao altar, à boa moda de "Thinking Out Loud". A atmosfera retro - todos os instrumentos utilizados são anteriores à década de 70 - almeja à intemporalidade, enquanto toda a sua essência coloca-a num lugar privilegiado na discografia de Swift. Ainda na corrida para futuros singles encontramos "Cruel Summer" - o "Style" e "Getaway" Car" de Lover - que narra os acontecimentos do agreste Verão de 2016, quando o seu mundo colapsava no auge do Kanyegate, ao mesmo tempo que era abalado pela entrada em cena de Joe Alwyn na sua vida. E se da opinião pública depender, "The Man" também atingirá em breve esse estatuto: outra desinspirada produção synthpop de Joel Little que se propõe a imaginar a narrativa de Swift do ponto de vista masculino, ausente de censura e enaltecida pelos media. Só que tal exercício - tardio, diga-se - acaba por ter mais do anterior Reputation do que de Lover em si. 

E se dúvidas houvesse do quão distante Taylor está da carga negativa do último disco, oiça-se "I Forgot That You Existed", retrato de alguém que está em paz e completamente indiferente a tudo aquilo que anteriormente a afligia ("sent me a clear message, taught me some hard lessons, I just forget what they were, it's all just a blur"), a dar a luminosa entrada ao álbum. Ao estar mais alheada do ruído de fundo e consciente de si mesma, Taylor está também mais disponível para reconhecer as suas falhas: escute-se "The Archer", um vulnerável número synth/dream pop alinhavado por Jack Antonoff, assente na simbologia sagitariana e na sua capacidade de infligir e receber dor, enquanto "presa" ou "caçadora"; e sobretudo a magnífica "Afterglow", que assume culpa no término de relações passadas ou mesmo em episódios de turbulência com o actual parceiro ("hey, it's all me, in my head, I'm the one who burned us down, but it's not what I meant, I'm sorry that I hurt you"). Uma declaração imensamente madura e de extrema importância para alguém com inúmeras condenações românticas.



Num gigantesco alinhamento de dezoito temas, Lover triunfa também pela capacidade de apontar para novo território sónico. "I Think He Knows" - acerca do encantamento esmagador pela cara metade nos estágios iniciais da paixão - funciona como a versão sofisticada de "Gorgeous", canalizando a luxúria electropop de Carly Rae Jepsen no recente Dedicated, com ligeiro compasso funky; "London Boy", que não só recapitula as paisagens que serviram de cenário ao florescer da sua relação com Joe Alwyn como reforça a sua predilecção por londrinos, quase que cozinha em lume trap-dancehall; "False God" entrelaça espiritualidade e sexualidade à imagem de "Don't Blame Me" do disco anterior, numa sensual atmosfera R&B construída em torno de um esplêndido saxofone; mas é "Paper Rings" que produz a melhor recompensa: novamente a manifestar a sua vontade de firmar os votos de casamento, mas numa pegadiça ginga pop-punk/new wave/country que soa a um encontro entre os Blondie e Avril captado num celeiro - absolutamente incrível.

O senão de Lover é mesmo a sua duração, existindo uns quantos momentos que muito pouco ou nada contribuem para a concisão do projecto. "Cornelia Street", escrita sobre as memórias nostálgicas do tempo em que arrendou um apartamento na rua com o mesmo nome em Manhattan, soa ao revamp sonoro de "Delicate"; "Death by a Thousand Cuts" imagina um cenário de desvinculação amorosa, evocando drama e lágrimas quando não havia necessidade disso; e a derradeira "Daylight" reconhece que é preciso abrir mão das feridas e da dor do passado para poder seguir em frente, rumo à claridão - percebe-se que é um remate necessário para Swift, mas o disco passava bem sem ela.



E depois tanto "It's Nice to Have a Friend" como "Soon You'll Get Better" parecem existir numa espécie de limbo. A primeira é mais uma incursão inédita para Taylor: uma espécie de canção encantatória com heranças de música calipso pelo meio, com inclusão de harpas, trompete e tambores de aço. A canção narra a história de uma amizade que começa nos bancos da escola e que culmina em amor na vida adulta - soa a um interlúdio e está mal posicionada no alinhamento. Já a segunda trata-se de uma destroçada balada country que suplica pela rápida recuperação da sua mãe, a travar pela segunda vez uma batalha contra o cancro. Swift pede ajuda às suas heroínas Dixie Chicks, que preenchem com banjo e violino a frágil composição acústica. Nenhuma é das mais memoráveis, mas ainda assim faz sentido pertencerem a um disco que narra o amor nas suas várias tonalidades e acepções.

Possivelmente Lover não será o melhor disco do percurso de Taylor Swift, mas certamente um do qual se poderá orgulhar. E para além de ser o primeiro que detém a nível contratual, é também o seu mais emocionalmente maduro, reflexivo e variado. Nunca a vimos tão feliz, livre de julgamentos, consciente da sua humanidade e no controlo do seu destino - por isso se sente que as páginas vindouras serão tão mais valiosas e dignas de nota.



1. I Forgot That You Existed (7/10)
2. Cruel Summer (9/10)
3. Lover (9/10)
4. The Man (6/10)
5. The Archer (8/10)
6. I Think He Knows (8/10)
7. Miss Americana & The Heartbreak Prince (8/10)
8. Paper Rings (9/10)
9. Cornelia Street (6/10)
10. Death by a Thousand Cuts (6/10)
11. London Boy (7/10)
12. Soon You'll Get Better (8/10)
13. False God (8/10)
14. You Need to Calm Down (6/10)
15. Afterglow (9/10)
16. Me! (7/10)
17. It's Nice to Have a Friend (7/10)
18. Daylight (5/10)

Classificação: 7,4/10

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