Como Charli XCX salvou a pop em dez canções


Hoje é o dia em que se assinala a edição de Charli, o terceiro longa-duração da espalha-brasas britânica que chega cinco anos após o último Sucker. E se nesse período não se registou grande movimentação discográfica por parte de XCX, não se pode dizer que tenha estado a dormir à sombra dos louros conquistados.

Bem pelo contrário. Nos últimos três anos, Charli não fez outra coisa senão operar pequenos milagres na pop, passando de rebelde e instigadora a heroína futurista da causa. A história está documentada num EP, duas mixtapes e vários singles avulso, mas pode ser condensada em dez preciosas canções. Apertem os cintos, que esta vai ser uma viagem monumental:

1) "Vroom Vroom", Vroom Vroom (2016)- Let's ride! Tudo começa a partir do momento em que o caminho de Charli se cruza com o de Sophie, produtora vanguardista escocesa associada à família da PC Music, conhecida pela sua abordagem surrealista e esquizóide à música pop. Da parceria nasce um EP de quatro temas espectacularmente experimental, do qual o tema-título será o melhor exemplo, trazido à vida com um vídeo imaculado capaz de nivelar com o auge videográfico de Britney Spears. Next level Charli nascia aqui.

2) "Trophy", Vroom Vroom (2016)- Wooo, woo, throw it up! Para gáudio da maioria dos ouvintes, as intenções de Charli eram seríssimas. Pegando numa deixa da personagem de Uma Thurman no icónico Pulp Fiction, Sophie constrói-lhe uma caótica e insana produção electro que deixa bem patentes as ambições de XCX um dia vir a comandar isto tudo. O proveito já tem, só lhe falta a taça.

3) "Secret (Shh)", Vroom Vroom (2016)- Se os andróides fizessem música, isto seria aquilo a que soaria. O fabuloso EP de 2016 fechava com uma tenebrosa e intoxicante composição experimental que narra a sua conduta imoral de deboche sem limites. É como que uma viagem às catacumbas de Blackout (2007): mais obscuro, arrojado e diabólico.

4) "3AM (Pull Up)", Number 1 Angel (2017)- Depois da negritude ciborgue de Vroom Vroom, era tempo de Charli testar as suas novas aptidões em novos registos e junto de novos colaboradores. Assim nascia Number 1 Angel, a primeira de duas mixtapes lançadas em 2017, com o imensamente divertido "3AM (Pull Up)" à cabeceira: uma produção synthpop de ambiência tropical sobre resistir à tentação de voltar para os braços de um ex, fortificada pela presença da dinamarquesa MØ. 

5) "Roll with Me", Number 1 Angel (2017)- Novamente com a disruptiva Sophie ao leme, "Roll with Me" atirou pela primeira vez XCX para os domínios da eurodance, um pouco à semelhança do que aconteceria com "Girls Night Out", lançada no ano seguinte, mas gravada mais ou menos pela mesma altura. Em suma, é a banda-sonora para dar largas ao desejo na pista de dança. 

6) "ILY2", Number 1 Angel (2017)- Com Number 1 Angel entraram também em cena outros afiliados do colectivo PC Music: o fundador A.G. Cook, Easy Fun, Life Sim ou Danny L Harle, que lhe tece esta adorável confissão de amor pela sua cara metade, com recurso a sintetizadores tão Gaga circa 2008 e guitarras que piscam o olho à era de Sucker (2014).

7) "I Got It", Pop 2 (2017)- Agóra-agóra-agóra! Nove meses volvidos, chegava Pop 2: uma espécie de reboot visual para Charli, a reforçar a sua aliança com a etiqueta da PC Music (agora com o fundador A.G Cook a assumir o lugar de director criativo da sua carreira) e a sua missão de apontar os caminhos futuros da pop. "I Got It", com os talentos de Brooke Candy, Cupcakke e Pabllo Vittar - vivemos todos para a deixa do "minha bunda é mais forte que feitiçaria" - envolvidos, é uma das amostras mais excepcionais do registo, com a sua fusão de linguagens electropop, hip hop e experimentais. 

8) "Unlock It", Pop 2 (2017)- Lock-it-lock-it-lock-it. Pop 2 teve "Out of My Head" como cartão-de-visita, mas o melhor da mixtape estava concentrado no tema acima e neste "Unlock It", sonho cintilante de electropop-bolha-de-sabão, coadjuvado pelo coreano Jay Park e pela barbie alemã Kim Petras, alma gémea vocal de XCX e sua descendente natural na linhagem dos bops modernos. Got the key, can you unlock it?

9) "Focus" (2018)- No decorrer do ano passado, Charli abandonou o modelo das mixtapes e das colaborações e concentrou-se na edição de singles a solo e avulso. "Focus" reteve a ambiência futurista dreamy de Pop 2 numa composição sintetizada debitada numa cadência quase rap, que clama pela total atenção da sua cara-metade no atendimento das suas necessidades.

10) "No Angel" (2018)- Por mais que a versão futurista de Charli seja aclamada e necessária, é sempre melhor quando a sua carismática personalidade está ao serviço da melhor pop contemporânea. É precisamente isso que acontece em "No Angel", o reverso de "Focus", a sua justificativa de como não foi feita para ser menina de coro, numa imaculada produção synthpop com o carimbo dos The Invisible Men e dos Saltwives.



E agora façam um favor a vocês mesmos, e corram a escutar o novo álbum.

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