REVIEW: Ben Howard- I Forget Where We Were
Ben Howard deixa a prancha de surf para trás e atira-se ao mar revolto num barco a remos e com céu nublado, num segundo disco a anos luz do álbum de estreia.
Quem escutou Every Kingdom (2011) e agora ouve I Forget Where We Were, corre o risco de, das duas uma: apanhar um valente choque com o negrume que se apoderou das composições de Ben Howard, ou de ter uma epifania. Talvez esta segunda hipótese seja mais provável, pelo menos para quem deu ouvidos ao sombrio The Burgh Island, EP que editou em finais de 2012, talvez como resposta emocional ao enorme sucesso do disco de estreia.
Desde que Ben Howard aportou nessa ilha e deixou entrar a bordo canções como "Oats in the Water" e "Esmerelda", que não voltou mais a ser o mesmo. E este novo álbum parece ser obra de alguém que avançou pela bruma, em direcção aos recantos mais soturnos do seu ser. O optimismo, as melodias fáceis e a ingenuidade da estreia dissiparam-se e o que temos agora é um homem a sós, com a sua guitarra e os seus fantasmas.
As canções crescem em densidade lírica, na carga emocional e também na duração (há apenas uma abaixo dos 4 minutos). Ben Howard cresce como compositor, intérprete, mas sobretudo como guitarrista. São os seus dotes incríveis tanto com a guitarra acústica como com a eléctrica (uma estreia para o cantor britânico) que fazem de I Forget Where We Were um disco tão magistral. E intemporal, sobretudo.
Os riffs transtornados de "Small Things" e "Rivers in Your Mouth", as canções de abertura, são desde logo um prolongamento do torvelinho mental de Ben, dando a sensação de ter estudado avidamente a cartilha dos conterrâneos Foals. "In Dreams" é todo ele virtuosismo instrumental à volta de uma fogueira acesa nas Apalaches e "Evergreen" a nostalgia que resulta das brasas quase transformadas em cinzas.
"She Treats Me Well" e "Conrad" são talvez os momentos menos sorumbáticos, quase luminosos arriscaria dizer, e que melhor fazem a ponte entre a estreia e este novo disco, o primeiro sustentado pelo belo trinar de uma guitarra acústica e o segundo com recurso a entoações melódicas e aparentemente inspirado na obra do escritor polaco Joseph Conrad, com livros na sua maioria alusivos ao mundo náutico, de resto uma ligação também partilhada pelo músico.
O fabuloso tema-título teima em ficar encravado na memória muito por culpa da progressão instrumental, a proporcionar um dos momentos mais emotivos do disco. O latente "Time Is Dancing" convida a movimentos refractados na pista de dança num filtro embebido em tons sépia, enquanto a desolada "All Is Now Harmed" parece prestar homenagem à herança britpop. É um trio estupendo.
Resta "End of the Affair", a grande canção do álbum. Nos primeiros 4 minutos e 50 segundos ouvimo-lo a ressacar de uma dolorosa separação, entre o dedilhar de guitarra característico e o timbre aveludado de contador de histórias. Depois, a revolução. A fúria que chega depois da auto-comiseração. "What the hell, love?", como que bradado aos sete ventos e de joelhos no chão, soa incrivelmente poderoso. Por fim, o tema expande-se num segmento de guitarras picadas e velozes transformando-se então num portentoso pedaço de art rock. Um assombro de canção.
Pouco mais há para dizer, a não ser o que está à vista: é um dos melhores discos de 2014, com entrada directa para a prateleira dos indispensáveis lá de casa.
Classificação: 8,4/10
* Não estou certo de ter conseguido fazer completa justiça ao álbum, receio esse que me levou a adiar este texto durante tantos meses. Mas tinha que tentar de alguma forma, e este é o resultado possível. Oiçam-no porque vale mesmo a pena.
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