REVIEW: Everything Everything- Get to Heaven


Get to Heaven indaga, agita e trespassa a esfera musical, política e social, reflectindo negritude através de um prisma luminoso - novo triunfo para a mais audaciosa das bandas britânicas da actualidade.

"I think you'd have to be blind and deaf to have lived through 2014 and not shed a tear. If you put out a record this year and it's all smiles, then I think you're a liar, basically". As afirmações são de Jonathan Higgs, o vocalista, em entrevista à NME no início deste ano, explicando as motivações por detrás de Get to Heaven, um álbum zangado e reaccionário que espelha como nenhum outro lançado este ano os tempos de angústia e conflito que o mundo atravessa.

É quase como uma sessão de zapping pelos canais noticiosos da televisão - marcados por relatos de tensões globais, extremismo, corrupção política, terrorismo e massacres em massa - que feita rolo compressor de episódios trágicos, nos leva a uma certa desumanização e existência niilista. 

Liricamente negro, sim, mas sonicamente exuberante e radioso - curioso que aqui se encontrem algumas das canções mais comerciais de sempre dos Everything Everything - como que a encerrar sempre uma mensagem de esperança no meio de tanta escuridão. Essa é, aliás, uma preocupação expressa desde logo no título do disco, inicialmente intitulado Give Me the Gun mas com a denominação final de Get to Heaven num gesto subversivo de combate ao mal. 



Os três singles já lançados não são uma amostra fiel da evolução da banda, a transmitirem a ideia errada que se trata de um prolongamento do anterior Arc: "Spring / Sun / Winter / Dread" passa pelo novo "Kemosabe", "Distant Past" encontra-os no seu modo mais frenético e ravetástico a clamar por um regresso à pré-história como forma de escapismo ao presente hediondo e "Regret" parece ter sido feito no estúdio ao lado em que as Ronettes gravavam "Be My Baby" com Phil Spector. 

Ainda na primeira metade do disco encontramos o tema-título em convidativos tons afrobeat ao melhor estilo de Vampire Weekend, liricamente a narrar o episódio de um homem que se imola como forma de protesto perante o desinteresse público ("I'm thinking: 'what was my password?'/ as the vultures land") ou o inicial "To the Blade" - a trazer influências math rock para o universo da banda - que retrata o noticiado episódio de um cidadão britânico morto às mãos do Estado Islâmico. 



É na segunda metade do disco, com o apropriado "The Wheel (Is Turning Now)", que o disco começa a revelar os seus argumentos magistrais. Trata-se de do primeiro momento nitidamente influenciado por Yeezus de Kanye West, inspiração confessa da banda para este álbum, em loucas experimentações num drum pad justapostas no seu mural art rock, apontando o dedo às promessas ocas do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP). O Homem bate no fundo do poço em "Fortune 500", num ficcionado atentado à vida da Rainha que descreve os minutos de hesitação que antecedem a manobra do autor ("so is this still on or should I take on the king?") com a mesma arquitectura megalómana que reconhecemos das criações de Yeezy. "Blast Doors", por seu turno, aponta o dedo à inércia colectiva perante os horrores do mundo moderno ("you say you're gonna change/ but you don't have any time") e ao culto do solipsismo.



Forte e bem sucedido jogo de samples vocais no excelente "Zero Pharaoh" em novo acto de loucura em nome da opressão de um tirano reinante ("Why don't you smash him all up?/ give me the gun"); um "No Reptiles" a trazer de volta o dialecto everythinguish tão próprio, com uma linha de bateria imutável inspirada no horripilante "Frankie Teardrop" dos Suicide e marcada pelo desejo da absolvição pelos males do mundo ("it's alright to feel like a fat child in a pushchair, old enough to run, old enough to fire a gun") e um desespero agravante ("I'm going to kill a stranger/ so don't you be a stranger"). "Warm Healer", a fechar o disco, apresenta-se gingona na sua linha de baixo sedutora e expande-se depois numa secção electrónica que traz à memória os Radiohead de Kid A.

Megalómano, desconfortável por vezes, mas repleto de propósito e audácia, Get to Heaven catapulta os Everything Everything para uma liga à parte na esfera indie dos anos 10. Nenhuma outra banda actual faz o que eles fazem, pensa da forma que eles pensam ou tem coragem para dizer o que aqui dizem. Em ano de extraordinária colheita para o hip hop, o disco não terá hipótese de discutir os lugares cimeiros das listas de melhores do ano, mas pouco importa quando daqui sai esculpido um prodigioso Yeezus do art rock a marcar um tempo e uma geração, com possíveis efeitos nos anos que hão-de vir.



Classificação: 8,7/10

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