It's Britney, bitch! - 10 anos de Blackout


Assinalam-se dez anos do lançamento de Blackout, obra-mestra da discografia de Britney Spears e igualmente o seu trabalho mais aclamado pela crítica e renegado pelo público durante o seu reinado de Princesa da pop. Uma década volvida, olhamos para a história, contexto e legado do álbum que secretamente revolucionou isto tudo:

Princesa em fuga

Com a revisitação dos primeiros cinco anos de carreira no final de 2004, a agenda caótica bem como o exigente ritmo de edições eventualmente abrandaram e Britney dedicou-se a constituir família, permitindo-se ausentar do fardo e responsabilidade que o título honorífico de Princesa da Pop acarretava. A conquista de liberdade criativa, a maternidade e a ausência de pressões e expectativas ditaram então o rumo do seu quarto álbum de estúdio.

Caos, para que te quero


Britney tirava férias da agitada vida artística, mas enquanto isso era presença assídua nos tablóides um pouco por todo o mundo: foram os tempos do infame meltdown, algures entre 2006 e 2007, período que acolheu os mediáticos episódios do umbrellagate, da cabeça rapada, do divórcio de Kevin Federline e, como consequência do seu percurso errático, da perda da custódia dos dois filhos. Algures nesta espiral auto-destrutiva a música assumiu-se como escape do drama e negativismo em seu redor e a palavra de ordem em estúdio era a de criar canções uptempo e enérgicas que fizessem as pessoas e a própria Britney dançar.

Os obreiros do diabo

No seu longo processo de gestação, o controlo de Blackout foi maioritariamente assumido pelos estetas mais influentes da época que nele colaboraram, construíndo todo um álbum que gira em torno da percepção pública de Britney: a depravada e errática por excelência. Danja, Jim Beanz, Bloodshy & Avant, The Clutch, Kara DioGuardi, Sean Garrett, Keri Hilson, The Neptunes e J.R. Rotem constituíram a equipa de produtores e compositores que emprestou o seu cunho criativo ao projecto.

Em todos o testemunho é comum: apesar dos tempos conturbados que vivia, Britney agiu sempre com um profissionalismo, eficiência e capacidade de escuta impressionantes. Em estúdio havia apenas um ditame: nada de escrever sobre a vida pessoal da cantora. Regra essa que (felizmente) seria quebrada com "Piece of Me". 

O evangelho segundo Britney


Por muito input que tenham tido os produtores e compositores, a magia de Blackout só funciona porque Britney Spears é a sua intérprete e aquelas canções orbitam em torno do seu campo magnético.

Primariamente um ábum de dance pop e electropop com influências urbanas, Blackout soava a um futuro que é hoje o presente, trazendo para o mainstream uma série de marcas derivativas da música electrónica. Da abertura inesquecível com o verso "It's Britney, bitch" de um "Gimme More" aparentemente sobre devassidão e prazeres nocturnos mas que discorre na realidade acerca do fascínio obsceno dos media sobre a sua vida privada, passando por um incontornável e autobiográfico "Piece of Me", prosa electro repleta de distorções vocais reflexiva da fama e dos seus próprios erros de percurso com versos tão geniais como "I'm Mrs. Lifestyles of the Rich and Famous/I'm Mrs. Oh My God That Britney's Shameless", até ao deboche puro de "Freakshow", pioneira nos meandros da pop no uso de modulações e alterações de frequência inerentes ao dubstep - Blackout é icónico de uma ponta à outra.

"Radar" e "Get Naked (I Got a Plan)" exploram os seus apetites carnais com particular lascívia, "Break the Ice" é um monumento electro-R&B com um piscar de olho a Janet Jackson, "Heaven on Earth" desenha-se num céu euro disco/new wave inspirado por Donna Summer, em "Toy Soldier" procura um novo recruta para o coração suportada por uma batida militar, influências R&B e com a voz fortemente processada; "Hot as Ice" prolonga essas mesmas heranças com efeitos glitch e uma Britney no seu tom mais estridente/diabolicamente infantil; "Ooh Ooh Baby" junta duas das palavras mais recorrentes do seu léxico e cruza a batida de "Rock and Roll" de Gary Glitter com a melodia do clássico de 67 dos The Turtles "Happy Together"; "Perfect Lover" é uma masterclass de sensualidade servida com melodia típica da dança do ventre e "Why Should I Be Sad" uma catártica produção midtempo R&B em que se liberta do fardo causado pelo divórcio.

O grande trunfo de Blackout, no entanto, é saber manusear a voz de Britney como o derradeiro instrumento sobre o qual toda a parafernália digital se desenrola - um ciborgue que vive, respira e transpira de emoção.


Os singles

Foi a campanha promocional menos convencional e atabalhoada do seu percurso, mas o certo é que a história de Blackout não seria a mesma sem os seus representantes:

"Gimme More" (2007)
Realizador: Jake Sarfaty
130 milhões de visualizações no YouTube

Cameras are flashing while we're dirty dancing
They keep watching, keep watching



"Piece of Me" (2007)
Realizador: Wayne Isham
98 milhões de visualizações no YouTube
- Vencedor de 3 VMAs (Video of the Year, Best Female Video e Best Pop Video)

I'm Miss American Dream since I was 17



"Break the Ice" (2008)
Realizador: Robert Hales
58 milhões de visualizações no YouTube

Can you rise to the occasion?



"Radar" (2009)
Realizador: Dave Meyers
66 milhões de visualizações no YouTube

Interesting sense of style, ten million dollar smile
Think I can't handle that 



Fantasma prateado

Para os parâmetros de um astro da sua dimensão, Blackout teve um desempenho comercial bastante modesto, o que não só se deve ao seu som disruptivo como à inexistente promoção do trabalho junto dos media e do público. Sem qualquer entrevista, participação em talk-shows, performances televisivas - a par da trágica actuação de abertura nos VMAs de 2007 - ou digressão de suporte. 

Foi o primeiro dos seus álbuns a não se estrear no nº1 da Billboard 200, o que em parte aconteceu a uma contestada mudança de última hora das componentes da tabela, tendo vendido 290 mil cópias na semana de abertura e estreado em 2º lugar, atrás de Long Road Out of Eden dos Eagles. Melhor sorte teria no Canadá e na Irlanda, os únicos territórios em que alcançaria a primeira posição. 

Nos prémios, como nas vendas, o reconhecimento de Blackout pela indústria foi parco. Arrebataria três MTV Video Music Awards e MTV Europe Music Awards, mas apenas em 2008, quando a era estava praticamente encerrada e já se abria caminho para o seu mais consensual sucessor, Circus

Até que o deboche nos separe


O tempo provou ser a melhor forma de saborear Blackout. Dez anos volvidos, é considerado o título mais influente do percurso de Britney e é amplamente reconhecido pela indústria, pelo público e pelos seus pares como uma das mais vanguardistas obras da pop dos anos 00. Em 2012 chegou mesmo a ser incluído nos arquivos do Rock and Roll Hall of Fame, um feito de que poucos contemporâneos seus se podem gabar.

Os dias caóticos felizmente ficaram para trás e daqui Britney retornou à boa-forma comercial, tendo editado mais quatro álbuns de estúdio, ainda que nenhum tenha igualado a relevância ou recapturado a verve de Blackout. Esperemos que não lhe leve outro meltdown para dar ao mundo uma sequela antes de se entregar à reforma, mas sim um reencontro com Danja e mais alguns dos produtores conotados ao registo. Até que o deboche nos separe, ainda haverá estrada para andar. E esperança, sempre. 

Curiosidades

Um pequeno apanhado de alguns dos factos mais peculiares do disco:

                                                 Britney Spears britney spears blackout piece of me GIF

- Em Junho de 2007 Britney perguntava aos fãs no seu site oficial qual o melhor nome a atribuir ao disco, disponibilizando uma série de opções, entre elas Down Boy, Integrity, Dignity e a grande pérola OMG Is Like Lindsay Lohan Like Okay Like, What If the Joke Is on You. Livrámo-nos de boa.

- "Hot as Ice" intitulava-se inicialmente "Cold as Fire" (o choque!). Esta foi uma das mudanças que tiveram que ser feitas quando o álbum começou a circular ilegalmente na internet dias antes do seu lançamento oficial.

- A voz da sueca Robyn pode ser ouvida nos coros de "Piece of Me". A cantora gravou o demo da canção e os produtores decidiram manter a sua voz na edição final. O topping ideal, pois claro. 

- Estava previsto que "Radar" fosse o 4º single do álbum. Acontece que a era teve um fim abrupto para que a cantora se pudesse concentrar nas gravações de Circus. Só que a faixa acabou por ir parar aos temas bónus desse disco e tornar-se-ia no 4º single do mesmo, em 2009. Porque o que tem de ser tem muita força, não é?

- "Toy Soldier", "Get Back" e "Hot as Ice" chegaram a ser ponderados como 1º single do disco. Dá para imaginar um mundo em que "Gimme More" não anunciasse Blackout

                                        Britney Spears britney spears blackout gimme more GIF

Viva Blackout. Viva The Legendary Miss Britney Spears.

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