'La vita nuova' de Christine and the Queens: Canto Supremo
Héloïse Letissier provou ser a maior estrela da nova vaga de artistas franceses com a edição de Chris (2018), uma imensa obra sobre identidade queer, feminismo, poder e auto-confiança, embrulhada nas melhores oferendas electropop e pop-funk do final da década passada (escute-se "Girlfriend", "Comme si" ou "Goya Soda").
Não se esperava material novo tão cedo, mas 2020 não tardou a desenhar-se sem a edição de La vita nuova, um majestoso EP de cinco temas que não só prolongam o estado de graça do projecto, como ainda o propagam para um novo nível de solidez e aclamação.
O registo vive da faísca explosiva do disco anterior e da temperatura midtempo mais confessional do debute, num equilíbrio muito inteligente, esbatendo por completo quaisquer barreiras linguísticas que ainda pudessem existir - as canções servem a língua, e não o contrário.
"People, I've Been Sad" é uma confissão tão corajosa quanto necessária: uma belíssima composição pop downtempo e bilingue sobre reconhecer que interiormente há coisas que não estão bem e precisam de ser tratadas, antes que a consumam por completo. "Je disparais dans te bras" serve-se sobre uma musculada e propulsiva batida electropop, versando sobre a frustração de cair repetidamente nos braços de alguém tóxico. E tem um equivalente inglês como faixa bónus, igualmente estupendo.
"Mountains (We Met)" é outra canção magnífica envolta em tristeza e no pensamento de que a sua composição talvez a ajude a esquecer o elo significante que a liga a outra pessoa. "Nada" é uma pérola pop/R&B cardíaca com a sua autora decidida a pôr para trás das costas qualquer sentimento de remorso que se possa ter instalado com a desvinculação amorosa. E o delicioso tema-título, talvez o canto de regeneração que daí resulta, recaptura a atmosfera mais insinuante e incisiva de Michael Jackson da era de Bad (1987), numa aliança de sonho com Caroline Polachek, a trocar versos em italiano com Letissier.
E porque o compromisso de Christine and the Queens não se esgota na componente sonora, La vita nuova chega também acompanhado de uma maravilhosa curta-metragem realizada por Colin Solal Cardo e coreografada por Ryan Heffington, a ilustrar uma fascinante atracção entre a intérprete e uma criatura mística, com a Ópera Garnier de Paris como pano de fundo. Não poderia existir melhor forma de nos manter ligada a si e à sua visão artística, permitindo que esta crescesse pelo caminho.
1. People, I've Been Sad (10/10)
2. Je disparais dans tes bras (9/10)
3. Mountains (We Met) (9/10)
4. Nada (8/10)
5. La vita nuova (9/10)
Classificação: 9/10
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