Canções de uma agro-quarentena, I


Tenho enfrentado esta quarentena no campo, longe de casa. Novos hábitos, sentimentos conflituantes e muita, muita música, como de costume, para enfrentar este dias sem fim. Aqui fica um pequeno punhado das tantas canções que me têm acompanhado e das quais vos quero falar:

1) Labrinth- "Something's Got to Give"- Não sei bem quando é que Labrinth perdeu a relevância que vinha a cultivar desde o início da década passada, mas o certo é que Imagination & the Misfit Kid saiu no final do ano passado e ninguém deu por ele. Fica a sensação de que talvez merecesse um pouco mais de estima quando há uma canção tão fantástica quanto esta - louvor R&B/neo soul apregoado em congregação gospel - incluída no projecto. In the name of the Father. 

2) Noah Cyrus- "Lonely"- Algures entre colaborações mil e singles menores, o entusiasmo perante a Cyrus mais nova perdeu-se. Mas no ano passado deu-nos dois temas que justificam a recuperação da crença em si. Um deles é "Lonely", um pedido de ajuda à imagem de "Anyone" de Demi Lovato, tecido numa tocante balada ao piano entoada com entranhas, dor e remorso. Não estávamos preparados. 

3) Ella Eyre- "New Me"- Ella Eyre bem se desdobra em tentativas, mas parece que ultimamente todas falham o alvo. 2020 começou com a acelerada ginga R&B/dancehall de um hino zero bullsh*t tão assertivo e apropriado para a aurora de um novo ano quanto "New Me", que desvenda melhor o seu poder a cada nova audição. Tínhamos todos grandes expectativas, não era?

4) Jeremy Zucker- "comethru"- Não é propriamente nova, não é propriamente desconhecida. Mas faz tanto sentido neste tempo de isolamento social que atravessamos. "comethru" recolheu bastante popularidade no Spotify quando foi lançada há dois anos, que não se traduziu necessariamente em sucesso comercial, mas continuamos a gravitar em seu redor. E, no fim de contas, é esse o derradeiro desejo de qualquer autor ou intérprete. 

5) 5 Seconds of Summer- "Wildflower"- Wiii-iiiiii-llldddd-floooowweeer. Para subsistirem para lá das suas raízes pop/punk, os 5SOS tiveram que se Maroon 5-izar. Uma adaptação necessária, com tudo o que tem de bom e de mau, se pensarmos que ainda estão na fase tolerável e de boa colheita do processo. "Wildflower" convoca o mago pop Oscar Görres para uma primaveril brisa synthpop que vê o baixista Calum Hood a ocupar o lugar de Luke Hemmings. Não vamos chegar ao nível de "Payphone" ou "Animals", combinado?

6) Sam Fischer- "This City"- O horizonte temporal de uma canção pode ser incrível. Este tema foi escrito em 2016, lançado em 2018, e só em 2020 está a ser acolhido pelo público. "This City", pungente e apaixonante composição soul, documenta a relação do seu autor, australiano de gema, com a Los Angeles a que passou a chamar casa - uma cidade que tanto venera quem está no topo, para logo a seguir espezinhar quem bate no fundo. O vento mudou, por fim. 

7) Glowie- "Unlovable"- É a nossa estrela pop islandesa preferida (e neste momento a única, também), a mostrar que há mais bops recomendáveis de onde "Body" ou "Cruel" vieram. Pontos pela melodia, pela produção cintilante, pela mensagem de amor incondicional e pelo vídeo que coloca a natação sincronizada em destaque. Tudo certeiro.

8) Ava Max- "Kings & Queens"- Neste momento, só as comparações a Lady Gaga travam a aclamação definitiva de Ava Max, porque as canções nunca deixaram de estar no ponto (justiça para "Torn", "Salt" ou "On Somebody"). É certo que "Kings & Queens" poderia viver sem o sample de "If You Were a Woman (And I Was a Man)" de Bonnie Tyler (mais associada a "You Give Love a Bad Name" dos Bon Jovi), mas a ambição, o júbilo pop e a extravagância estão lá. 

Comentários

Mensagens populares