15 anos de 'The Emancipation of Mimi': Borboleta de Ouro


Atravessamos meses de várias celebrações para Mariah Carey, que a 27 de Março celebrou cinquenta anos de vida, que em Maio comemorará os trinta anos do lançamento do seu single de estreia, e - aguenta, coração - neste mês de Abril assinala o décimo quinto aniversário da edição de The Emancipation of Mimi, o disco mais aclamado que lançou este milénio.

Mariah vinha de uma época extremamente frágil repleta de desaires pessoais e comerciais - um esgotamento nervoso, dois álbuns de menor sucesso e um fracasso de bilheteira (Glitter diz olá) - por isso o único caminho possível era voltar ao topo da montanha. Reunindo um leque de fiéis produtores e colaboradores - Jermaine Dupri, The Neptunes, Darkchild, Snoop Dogg ou Nelly - e ligando as suas heranças pop, hip hop e R&B sob um motivo de independência e libertação, a cantora entregou-nos o seu melhor e mais bem-sucedido trabalho em vários anos que lhe valeu dez nomeações para os Grammys e dez milhões de cópias vendidas mundialmente.

Foi também através de The Emancipation of Mimi que conheci na plenitude e aprendi a respeitar Mariah Carey, daí que a forma mais nobre de o honrar seja revisitando-o faixa-a-faixa. Venham daí:


1) "It's Like That"- She came to have a party, so open off that Bacardi. O disco seria sempre brilhante porque é robusto de uma ponta à outra, mas talvez não tivesse tido um arranque tão triunfal se o seu cartão-de-visita fosse outro que não este. Luxuosa oferenda hip hop e R&B construída em torno de palmas, fragrâncias de piano, cordas elegantes, versos de Jermaine Dupri e ad-libs de Fatman Scoop, "It's Like That" versa sobre deitar os problemas para trás das costas e passar um bom momento no clube. Passadeira estendida, divanço a postos.

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2) "We Belong Together"- Mariah serviu-nos inúmeras baladas intemporais ao longo das últimas três décadas, mas esta é por excelência a melhor do novo milénio - e a canção que redefiniu a sua carreira, quando muitos a davam como moribunda. Despedaçada composição sobre o desejo de retomar o elo afectivo com um antigo parceiro, "We Belong Together" firma bem a sua estrutura em território R&B, entregando-nos uma estelar interpretação que culmina numa para-lá-de-épica nota sustentada durante dezassete segundos. Passou 14 semanas na liderança da Billboard Hot 100 - só mesmo Mariah para tornar uma balada no maior hit do Verão.

3) "Shake It Off"- Everybody just bounce, bounce. Quase uma década antes de Taylor Swift ter elevado a arte de sacudir os detractores a novos patamares de popularidade, Mimi deu o mote com esta composição midtempo de recorte R&B e hip hop que dispensa o drama na hora de terminar um relacionamento, no terceiro single consecutivo assinado por Jermaine Dupri - aqui a polir o lado ghetto de Mariah - que esteve em linha para se tornar no cartão-de-visita do disco. Malões Louis Vuitton em riste - a emancipação corria sobre rodas. 

4) "Mine Again"- Havia aqueles que se tinham esquecido de como Mariah era a melhor vocalista da sua geração. E outros que nem sequer tinham noção da dimensão da sua voz. Se "We Belong Together" não foi suficiente, aí estava "Mine Again" - uma balada retro-soul e R&B dos sete costados que suplica por uma segunda chance no amor - a esgrimir argumentos de peso, com uma performance vocal capaz de nivelar com o seu melhor catálogo da década de 90. Imensamente arrebatador.

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5) "Say Somethin'"- O triunfo de The Emancipation of Mimi não se explica só pelas capacidades da sua intérprete, mas também pela preocupação em aproximar Mariah das novas gerações. E isso significava trabalhar com os produtores mais ubíquos da temporada, como os The Neptunes, que assinaram duas canções para o disco. "Say Somethin'" - que esteve para ser o primeiro avanço do álbum e acabou como 7º e último single - é uma confecção R&B pouco usual para a diva, assente em padrões rítmicos irregulares que não permitem grandes acrobacias vocais. Mas cumpriu o seu propósito.

6) "Stay the Night"- Também Kanye West, ainda longe dos níveis messiânicos que a sua música (e o ego) viriam a alcançar, deixou a sua marca no décimo álbum de estúdio de Mimi. Recorrendo à  samplagem de temas soul com que fez escola em The College Dropout (2004), constrói "Stay the Night" - acerca da problemática de voltar a reunir-se com um ex-parceiro comprometido - em torno do loop de piano da versão de "Betcha by Golly, Wow" (1971) de Ramsey Lewis. Combinado com a vocalização apaixonante de Mariah, é puro ouro líquido. 

7) "Get Your Number"- O facto de todas as faixas produzidas por Jermaine Dupri no álbum terem sido transformadas em single, diz muito da sua relevância para o projecto. Em "Get Your Number", talvez o momento mais nitidamente pop do disco, até recebe honras de featuring, ziguezagueando estilisticamente entre Nelly e Pharrell. O tema gira em torno de um sample de "Just an Illusion" (1982) dos britânicos Imagination, vivendo dessa overdose de teclados típica da época, e de uma certa atmosfera lasciva, que Mariah bem imprimiu com um vestido de látex amarelo no respectivo vídeo. Ohh, daaaamn!

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8) "One and Only"- Não existe muito nesta canção que mereça ser revisitado: era aborrecida na altura e assim continua, com a particularidade de sempre ter soado datada, como se tivesse ficado presa entre 2002 e 2003. Parece estar no alinhamento apenas para cumprir a quota hip hop desejada: Mariah versa em cadência acelerada sobre a inquietação de não encontrar a cara metade, e Twista complementa-a no generoso tempo de antena que lhe é concedido. 

9) "Circles"- Por mais anos que passem, continuará a ser sempre de tirar o fôlego. Mariah Carey canta a indefinição romântica como ninguém: não há nota da escala pentatónica que fique por entoar em mais uma composição de recorte retro-soul, a transição entre registos vocais não é deste mundo e, como se não bastasse, a emoção que deposita em cada verso é palpável. "We Belong Together" e "Mine Again" dão luta, mas "Circles" é bem capaz de ser a jóia maior do disco. 

10) "Your Girl"- Se não olharmos para o ano da edição do disco, corríamos o risco de pensar que escutávamos uma qualquer faixa de um dos seus álbuns editados nos anos 90 ("Fantasy", és tu?). A atmosfera pode ser vintage, mas as coordenadas eram bem actuais: "Your Girl" sampla o tema "A Life with You" da dupla R&B/soul neozelandesa Adeaze, editado apenas um ano antes, com Mariah a desdobrar-se em argumentos para convencer o parceiro de que é a companheira ideal.

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11) "I Wish You Knew"- Outro caso de throwback a momentos passados da sua carreira: podia até pertencer ao registo MTV Unplugged (1992), dada a natureza com que foi captado. Soa à versão mais orgânica e mais contida de "Circles", e tem até uma secção de spoken word ao piano que traz à memória Alicia Keys. 

12) "To the Floor"- Num álbum que chegou aos sete singles, nunca poderemos lamentar que canção x ou y não tenha chegado a single, apenas imaginar como teria sido. Isso acontece particularmente com "To the Floor" - o outro bop urbano forjado pelos Neptunes - que talvez tivesse causado alguns abalos sísmicos. Contém a mesma produção staccato de "Hot in Herre", uma ambiência ultravioleta e libidinosa, e a mesmo intenção de traduzir modernidade. 

13) "Joy Ride"- Originalmente esta faixa não estava incluída no alinhamento do álbum, tendo sido recrutada como substituta de última hora de uma outra que não viu o seu sample aprovado. Talvez isso explique o facto de ser um tanto semelhante a "I Wish You Knew" - mas é de louvar quando uma "canção de desenrascanço" se transforma em algo tão celestial quanto "Joy Ride", sobre essa maravilhosa sensação que é estar apaixonado. A prestação vocal dos últimos 40 segundos é divinal.

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14) "Fly Like a Bird"- Oremos irmãos, vamos à igreja! Impossível não ficar inspirado e pleno de vida com o canto eclesiástico gospel/soul de "Fly Like a Bird", uma profusão de fé e esperança que vê Mariah a retribuir em forma de canção jubilosa a ajuda divina que recebeu nos momentos de maior desespero e solidão nos anos que antecederam a edição do álbum. Just carry me higher, Lord - a emancipação completa-se nas alturas.

Orgulho-me de afirmar que possuo este disco na minha colecção. Adquiri-o no Verão de 2005, mais pela necessidade de querer escutar algo novo - sim, naquela altura as pessoas não tinham outra hipótese se não comprar sem conhecer o disco na íntegra e ver no que dava - do que pela vontade de idolatrar Mariah Carey. Mas não posso dizer que tenha saído frustrado. Bem pelo contrário, foi uma maravilhosa lição musical.

Mais do que o próprio triunfo do disco em si, não nos poderemos esquecer que Mariah protagonizou este regresso glorioso aos 35 anos de idade e quando contava já com quinze de carreira, o que é absolutamente impressionante, tendo em conta que as estrelas pop são dadas como fora do prazo assim que chegam às três décadas de vida, ou completam os dez anos de carreira. Isso diz muito das suas inúmeras qualidades. A emancipação persiste - longa vida e glória a Mimi.

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