Odisseia Musical: 2012, Metamorfose- Parte III

Há três programas televisivos que marcam a minha ainda curta existência e que foram decisivos para a construção da minha identidade e visão musical: o TRL (Total Request Live) e European Top 20, ambos da MTV - que já tiveram lugar de destaque em Odisseias anteriores - e, porventura o mais importante de todos, o Top + da RTP. E é sobre ele que importa falar agora.

Antes mesmo de os primeiros dois programas referidos existirem, ele já estava lá. Ao que parece desde 1991, para sermos mais precisos, esse belo ano de colheita no qual me incluo. Talvez por isso me lembro dele desde sempre ou, pelo menos, desde que me recordo de ser gente. Todos os Sábados logo a seguir ao noticiário do almoço, desse por onde desse, a música ocupava a emissão do canal estatal. Eu assistia sempre que podia e mesmo quando não podia - haverá lá melhor justificação para faltar à catequese? - e só tenho pena de não ter nascido uns anos antes para poder acompanhá-lo desde o primeiro dia.

Para além de ter sido durante muito tempo a montra televisiva da indústria discográfica nacional, era também um poço de achados musicais e uma verdadeira lição de história. Da pop, R&B, jazz, kizomba, rock, hip hop, fado, electrónica, soul, música "ligeira" até à infantil. Dos Beatles, Led Zeppelin, Metallica, Foo Fighters aos Arctic Monkeys. Dos Kraftwerk, Depeche Mode, Moloko a David Guetta. De Tony Carreira, Rita Guerra a André Sardet. De Amália Rodrigues, Mariza, Camané, Ana Moura a Marco Rodrigues. Da Floribella ao Panda. Enfim, um rodízio de eras e géneros musicais transversal a várias idades e ouvidos mais ou menos apurados. Dependendo da semana em questão e do airplay, claro.

Muito lhe devo, é verdade. Mas o seu maior contributo foi o destaque dado aos artistas nacionais. E isso nenhuma outra tabela musical poderia fazer. Foi lá que conheci e aprendi a gostar de Da Weasel, Humanos, The Gift, Mesa, Blasted Mechanism, Deolinda, Dead Combo, Amor Electro, Blind Zero, Madredeus, Buraka Som Sistema, Expensive Soul, Clã, Aurea, The Legendary Tigerman, Rita Redshoes, Boss AC, peixe:avião, Sean Riley & The Slowriders e muitos muitos outros. 

O Top + finar-se-ia a 21 de Dezembro de 2012, possivelmente derivado ao declínio crescente da indústria discográfica portuguesa. Ou simplesmente porque deixou de haver espaço na estação pública para divulgar os seus intérpretes e autores. De qualquer das maneiras, foi e continua a ser uma perda lamentável. Esta foi a minha forma de homenageá-lo a ele e aos artistas que fizeram parte da minha infância e adolescência, dedicando-lhes assim o último recorte de memória desta valente epopeia. 

Os temas que mais me marcaram

6º Rihanna- "Diamonds", Unapologetic

Eu tinha chegado a um ponto de saturação tal de Rihanna que já não suportava sequer a sua presença nos media, nos topes e na minha vida. Tinham sido sete longos e intensos anos de actividade musical que culminariam com o lançamento do 7º álbum de originais. Bolas, não havia fã que aguentasse. Estava eu em pleno processo de rihannabilitação e eis que chega "Diamonds" para estreitar ainda mais os laços: uma estupenda balada pop semi-electrónica, de versos imensamente inspiradores e uma interpretação maior que a vida, possivelmente decalcada da versão que Sia lhe entregou. Foi a canção certa no tempo e disco certos - a que a salvou das malhas da banalidade em que começava a cair e de um afastamento pessoal que poderia ter sido mais grave. Que outra artista pop conseguiria contornar o incontornável?



5º Ellie Goulding feat. Tinie Tempah- "Hanging On", Halcyon

Há uma estreita linha que separa o underground do mainstream, e Ellie Goulding tem sabido percorrê-la ao longo da sua carreira: poderá a voz de "Lights", "Figure 8" ou "Burn" sair-se igualmente bem em recriações de "Tessellate", "Life Round Here" ou "High for This"? Completamente. É a sua constante permanência nesse limbo entre a dream pop etérea e uma synthpop acessível mas não genérica que a torna tão interessante. "Hanging On", a sua versão dreamy e dubstep de um tema de Active Child, permanece até hoje como sendo o seu pináculo artístico, assombroso pela forma como consegue ser celestial, diabólico e angustiante em iguais proporções - um pesadelo mascarado de sonho que me persegue recorrentemente. Há 0,01% de hipótese de Ellie algum dia voltar a fazer algo assim.



4º Disclosure feat. Sam Smith- "Latch", Settle

Como poderia deixar de fora a canção que assinalou o primeiro esforço comercial dos então ainda desconhecidos manos Lawrence e que revelou Sam Smith ao mundo? Não só deu novos mundos ao mundo da electrónica, revitalizando um género que estava francamente anémico, como despoletou em mim um renovado interesse pela dita música de dança. E depois, "Latch" é mesmo qualquer coisa de assombroso - ainda hoje é digna de fazer virar cabeças, arrepiar a espinha e cristalizar tudo em seu redor, tal como no primeiro dia. Possivelmente o melhor single garage/house do séc. XXI.



Os álbuns que mais me marcaram

2º Ana Moura- Desfado

A minha admiração por Ana Moura vem de há muito, mas foi com Desfado, o seu 5º álbum de originais, que as coisas ficaram sérias. Todo ele é um risco, uma ambiciosa e inesperada aventura para lá do fado e dos seus clichés. É a sua desconstrução e reeinvenção pela voz quente, sedutora e bem timbrada de Ana Moura, intérprete de excelência da nossa praça, que ganha ainda mais encanto graças ao conjunto de notáveis músicos que deram o seu contributo a este disco: desde Pedro da Silva Martins, dos Deolinda, Márcia, António Zambujo, Luísa Sobral, Manel Cruz, Miguel Araújo, Virgem Suta, passando pelos consagrados Pedro Abrunhosa, Tozé Brito ou Aldina Duarte e terminando nos lendários Lerry Klein, produtor executivo, Tim Ries e Herbie Hancock. Desfado projecta ainda mais Ana Moura tanto a nível nacional como internacional, serve de catalisador à minha metamorfose, sendo também fulcral no meu processo de aproximação ao nosso património musical. É e continuará a ser um dos discos da minha vida.
Este é o disco de: "Até ao Verão", "Desfado", "A Case of You", "Despiu a Saudade" e "Quando o Sol Espreitar de Novo"

Fim da parte III. Descubram como tudo termina na próxima semana, com o capítulo final da Odisseia de 2012.

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