REVIEW: La Roux- Trouble in Paradise


Cinco anos passaram desde que ouvimos falar de La Roux pela última vez. O que no panorama musical corresponde a uma vida. Tempo mais do que suficiente para assistirmos ao nascimento e queda de muitos fenómenos, a mudanças de paradigma e novos modelos de indústria. De lá para cá, Elly Jackson viu-se a braços com problemas nas cordas vocais, ataques de ansiedade e divergências criativas que ditaram a saída do parceiro - Ben Langmaid - deixando-a aos comandos do projecto. E subitamente, a demora já não importa assim tanto.

O que mudou durante este tempo e o que sobra da rapariga ruiva andrógina de 2009? Quem é La Roux em 2014 e como poderá ela manter-se à tona depois de tanto tempo ausente? Essas sim, são as questões prementes a que Trouble in Paradise deverá dar resposta. Vamos descobri-las:

1) Uptight Downtown- Quando um tema de abertura nos convida para dançar de forma tão gentil e irrecusável, só se pode ter um bom pressentimento quanto ao que aí virá. Sob um baixo furtivo, um elegante riff via Chic e propulsão disco/funk, Elly Jackson versa acerca dos motins londrinos de há 3 anos atrás e de como foi influenciada pelo caos e tumulto à sua volta. "Why are we fighting/ I don't understand/ Oh but the temperature is rising tonight". Quente quente, quase a escaldar. (9/10)

2) Kiss and Not Tell- Uma das intenções expressas pela ruiva britânica para este disco era que transparecesse uma atmosfera sexy sem que caísse na depravação ou, nas suas palavras, "the way sexy was before it got made dirty". "Kiss and Not Tell" é um bom exemplo dessa ambição, e acaba por ser também um dos momentos mais divertidos do álbum, com a sua melodia retro-cibernética, baixo pulsante e teclados bamboleantes. O melhor de tudo, porém, é a forma despudorada como Elly se entrega aos versos. "And all I want is to come right out of my shell"... (9/10)

3) Cruel Sexuality- Acho que joga com a questão da identidade sexual e a forma como a sociedade ou a própria pessoa se debate ou confronta com a recusa em viver nos termos definidos pelos outros. Liricamente é muito interessante, mas em termos melódicos não está ao nível dos dois temas anteriores: sinto que há um excesso de falsete algo estridente que compromete o groove, e o refrão é ligeiramente semelhante a "Uptight Downtown". Ainda assim é uma bela canção. (8/10)

4) Paradise Is You- Com o som longínquo do rebentamento das ondas e uma praia arenosa como cenário de fundo, Elly Jackson vagueia pelos seus recantos idílicos mas sem deleite contemplativo algum, pois o seu paraíso reflecte-se nos olhos de um outro alguém ausente e não nas palmeiras, nas dunas ou na água cristalina que por ali se encontra. É um imenso testemunho de amor, encharcado por nostalgia 80's e um piano delicado. "All my love is for you/ darling it's only you who can stop my heart from crying... you, my heaven is you". Muito bonito. (9/10)

5) Sexotheque- Deliciosa combinação entre sedução e diversão, tal como em "Kiss and Not Tell". Com uma toada disco pueril e percussão bem demarcada, versa acerca de um pinga-amor incorrigível que gasta rios de dinheiro na sexotheque - há que adorar o nome - e despreza a companhia e o amor da sua esposa. Começo a admirar a capacidade de La Roux em abordar assuntos sérios de forma tão festiva, amenizando a carga dramática que possam ter. E já é a terceira vez que o faz. Ganha pontos por isso e pelo infeccioso "all that money, money, money on him" do refrão. (9/10)

6) Tropical Chancer- Só consigo pensar que isto se trata de uma colaboração com os Daft Punk. Humm... eu sei que conheço aquele riff de algum lado. Uma visita rápida a Random Access Memories elucida-me: foi levemente decalcado de "Motherboard". E parece que também contém um sample de "My Jamaican Guy" de Grace Jones. Aprecio o balanço reggae e o registo suave adoptado por La Roux, mas as múltiplas "homenagens" impedem-me de saborear devidamente a canção. (8/10)

7) Silent Partner- Céus, que monstro. Ao 7º tema conforme as escrituras, Elly Jackson atira-se a um portentoso four-on-the-floor com bassline pulsante e sintetizadores abrasadores naquilo que me parece uma mistura explosiva entre "Just Can't Get Enough" dos Depeche Mode e "Beat It" do grande MJ. "I'm crying out for silence/ you're not my partner, no you're not a part of me/ I need silence!" - saturação do parceiro ou ameaça de descalabro emocional? Por volta dos 5 minutos a palavra de ordem é harder, better, faster, stronger e a coisa atinge proporções gigantescas. Gosto de imaginar que são 7 minutos de uma épica dancebattle furiosamente executada no fio da navalha. De tirar o fôlego. (10/10)

8) Let Me Down Gently- Deslumbrante primeira amostra do disco, porventura a faixa mais imaculada e devastadora do álbum. Nos primeiros dois minutos e meio o tema tacteia por labirintos semelhantes aos dos Florence and the Machine, com órgão e suaves texturas electrónicas, até que depois há uma quebra de 5 segundos e o trote lento dá lugar a uma passada mais acelerada, uma explosão synthpop contida, assertiva e elegante, com um belo saxofone à mistura. É absolutamente magnífica e merece desde já ser elevada a clássico dos anos 10. (10/10)

9) The Feeling- Depois dos dois últimos colossos, como encerrar este álbum com toda a honra e glória merecida? Simplesmente não dá. "The Feeling" é a tentativa possível, uma viagem pelo cosmos algo regressiva, com Elly a canalizar o seu Prince interior modo "When Doves Cry" e a reencontrar o seu falsete estridente que por alguma sábia razão foi preterido ao longo de todo o disco. (8/10)

Clap clap clap. Mas que grande regresso este. A demora, a incerteza e o caos em que o disco esteve rodeado parecem ter compensado, pois Trouble in Paradise é um absoluto triunfo. O que dele se pode retirar? Nem Elly Jackson é a mesma de há 5 anos atrás, nem o panorama musical se manteve imutável. La Roux apareceu numa época em que se assistia ao ressurgir da synthpop e house music, regressando agora num era em que se recua no tempo, às origens do funk, soul e disco para que se possa reflectir o presente e melhor compreender o futuro. Os Daft Punk fizeram isso em 2013 com o excelente Random Access Memories, e em 2014 parece ser a vez de La Roux. Com as devidas distâncias, claro.

Pouco resta da La Roux de "In for the Kill" ou "Bulletproof", a não ser a confessa paixão pelos anos 80. O falsete ultra-agudo e pueril foi substituído por um registo mais suave e melódico até, sedutor quando necessário. A sonoridade ganhou aprumo vintage e reveste-se agora de groove disco e funk, não rejeitando a synthpop da estreia, mas conferindo-lhe uma aura mais orgânica com a introdução de piano, órgão, guitarra, baixo e percussão a par dos sintetizadores e teclados. Até o visual andrógino tão 2054 deu lugar a uma estética visual mais elegante e sofisticada, com a mítica crista derrubada em prol de uma longa franja escadeada via anos 70.

De resto, o título não mente. Há ou houveram problemas no paraíso, mas La Roux nunca deixa que eles se sobreponham à música. É sempre o calor e a descontração dos trópicos que predomina, mesmo que esteja a cantar acerca de infidelidade, motins populares, crises de identidade sexual ou roturas emocionais - um disco que sabe e cheira a Verão e que felizmente resistirá ao avanço das estações. O próximo álbum poderá até demorar outros cinco ou dez anos, mas se for para chegar a material desta qualidade, a espera vai valer muito a pena. Good things come to those who wait, indeed.

Classificação: 8,9/10

Comentários

Mensagens populares