REVIEW: Sia- 1000 Forms of Fear


Celebro a minha review nº 50 com a apreciação a 1000 Forms of Fear, o 6º álbum de estúdio da australiana Sia, naquilo que parece ser o seu breakout definitivo no circuito mainstream. Nos últimos 4 anos concentrou os seus esforços na escrita de grandes canções pop, mas agora voltou a reactivar a carreira a solo, estabelecendo limites pelo caminho: nada de digressões nem aparições públicas que a exponham em demasia. Apenas a música importa, e essa, como se sabe, é excepcional. Vamos então conhecer os medos da adorada Sia:

1) Chandelier- Poderia tecer 50 adjectivos para descrever o quão magnífica esta canção é, mas dificilmente algum lhe faria justiça. É um tema pop como dificilmente haverá outro em 2014, não pela composição em si mas pela artista que lhe dá voz: facilmente passaria pelo próximo hit de Rihanna, não fosse a entrega visceral de Sia obliterar essa ou qualquer outra comparação. Os versos com balanço ragga conduzem a um refrão estratosférico que acende um fogo imenso do chão à lua e que é simplesmente lindo de se ver. Chamemos-lhe pop triunfante com asas de fogo. (10/10)

2) Big Girls Cry- Basicamente, vem contrariar tudo aquilo que Fergie dizia há uns anos atrás: que as raparigas grandes não choravam. Que se dane a pop culture, chora quem tiver que chorar pelos motivos que bem lhe apetecer. O pior será mesmo reprimir as emoções. Sia chora do vazio deixado por um desgosto amoroso e pela solidão que a invadiu ("tough girl/ I'm in pain/ it's lonely at the top/ block outs and airplanes"). Toda a canção é tocante, mas a vulnerabilidade e dor expressa no refrão desarma qualquer um, principalmente no último verso. (9/10)

3) Burn the Pages- Sofre de dois males: de uma estrutura semelhante a "Chandelier" (só com uma drum machine mais demarcada) e do mau emprego do total descontrolo e vertígio vocal que tornava essa mesma canção tão especial. A letra fala de redenção, de deitar o passado para trás das costas e abrir os braços a um futuro risonho, mas essa intenção não passa do papel. Da forma que Sia a canta, não consigo acreditar nela. Parece-me que teria funcionado melhor nas mãos de outro artista. (7/10)

4) Eye of the Needle- Às vezes não sei se as canções serão boas ou se é Sia que faz com que sejam verdadeiramente notáveis: aqui parece-me que é mais o segundo caso, já que tento imaginar isto na voz de Katy Perry, Christina Aguilera ou Britney Spears e chego à conclusão que nunca seria tão bom como é de facto na voz da sua criadora. E é isso: uma canção aparentemente inofensiva que ressoa na memória graças ao poder interpretativo e lírico de Sia. (8/10)

5) Hostage- O primeiro momento leve, divertido e radioso do disco que se aproxima da versão contemporânea de "Push the Button", ou pelo menos recaptura esse feeling edgy, blooperesco e charmosamente britânico (não estou certo que me tenha feito entender, mas não consigo explicar melhor do que isso). Consta que a canção é acompanhada à guitarra por Nick Valensi, dos The Strokes, o que contradiz as minhas suposições. E assim de repente até consigo sentir a atmosfera de Comedown Machine. Faz sentido, mas continuo a preferir o charme britânico. (8/10)

6) Straight for the Knife- Grande tragédia grega que para aqui vai, com Sia a narrar uma história de amor fatídico que certamente daria uma daquelas encenações propositadamente meio cómicas meio desajeitadas de um qualquer palco estudantil. É de um intelecto pop deveras aguçado, mas acaba por ser dos actos menos marcantes nesta peça. (7/10)

7) Fair Game- A continuação do acto anterior, mas desta vez dá lugar a uma dança interpretativa ligeiramente menos recambolesca. É igualmente estranha e tarda em ganhar voo, algo que só acontece quando entra em cena o solo de xilofone - há que adorar estes pormenores - que traz de arrasto uma marcha de procissão. Ainda assim não me dou por totalmente convencido. (7/10)

8) Elastic Heart- Os experimentalismos não cessam, mas a entrada de Diplo aos comandos da produção direcciona o disco para caminhos mais interessantes e frutuosos. É um triufante e heróico hino de resistência e superação, ou não tivesse sido criado a propósito do último filme de The Hunger Games, mas de pouco ou nada isso adiantaria se a execução musical não estivesse à altura dos seus versos: o sample vocal recorrente, as entoações de Sia e os digitalismos electropop fazem com que esta cantiga de combate seja mais do que uma arma de arremesso. Pede uma espectacular coreografia na arena. (9/10)

9) Free the Animal- Pop marcial, selvática e fantabulasticamente poderosa, muito na linha de "Chandelier" mas com um travo mais experimental e electrónico. Daria um excelente single com um vídeo incrível a acompanhar. (9/10)

10) Fire Meet Gasoline- Acho que aqui há uma tentativa de colagem demasiado evidente à produção de Ryan Tedder, nomeadamente a "Halo" de Beyoncé. É muito bem escrita e interpretada, como sempre, mas depois no refrão só falta mesmo ouvir "everywhere I'm looking now, I'm surrounded by your embrace...". É quase tão bonita como a original, mas não posso deixar o plágio passar em branco. (8/10)

11) Cellophane- Não há duas sem três. "Cellophane" é o 3º acto de Sia na dramatização visceral iniciada com "Straight for the Knife" e é também o melhor momento da tríade. Acho muito interessante o constraste entre a tensão/contenção que se escuta no pré e pós refrão, e depois o aumento da intensidade no dito cujo. Isso e imaginar que Sia o canta embrulhada em papel celofane... como eu aprecio o imaginário desta mulher. (8/10)

12) Dressed in Black- "I had given up/ I didn't know who to trust/ so I designed a shell/ kept me from heaven and hell". É este o tema em que Sia lida abertamente com a depressão que enfrentou há uns anos atrás e que a afastou da ribalta. Até que um príncipe encantado veio em seu auxílio e a tirou do negrume em que havia mergulhado ("and then you crossed my path/ you quelled my fears, you made me laugh/ then you covered my heart in kisses"). Para o final estão reservados dois minutos de ad-libs que até fariam Christina Aguilera franzir o sobrolho. Um cair do pano triunfante. (8/10)

Como se esperava, 1000 Forms of Fear é um sólido, competente e frutuoso corpo de trabalho de uma das artistas mais talentosas do seu tempo que finalmente parece estar a recolher o quinhão de reconhecimento há muito merecido pelos seus fabulosos préstimos ao serviço da pop, mesmo que envergando um manto de invisibilidade que a esconde dos olhares do público e concentrando todas as atenções na música. Há que valorizar e aplaudir isso, já que é tão comum nos dias que correm os egos artísticos sobreporem-se à música.

1000 Forms of Fear não é um álbum pop perfeito, nem tão pouco um álbum exclusivamente acerca dos medos e papões de Sia e a forma como estes a afectam no seu dia-a-dia ou transparecem nas suas criações. O negrume de facto é visível, mas Sia não se deixa condicionar por ele, utilizando-o antes como catalisador artístico para os seus intentos (oiça-se "Straight for the Knife", "Fair Game" ou "Cellophane", assentes numa dramatização do medo). Dor palpável, apenas a sinto em "Big Girls Cry", porque de resto "Burn the Pages", "Dressed in Black" ou "Eye of the Needle" deixam a luz entrar pelas cortinas. Depois temos "Fire Meet Gasoline" ou "Hostage", duas tremendas canções de embriaguez amorosa que nem deixam o medo passar da ombreira da porta. O álbum revela-se em momentos como "Chandelier", "Free the Animal" e "Elastic Heart", canções que, ao contrário das outras, não poderiam ser de mais ninguém se não de Sia. É ela que as faz à sua medida e as torna tão espectaculares.

Quanto à criação da pop imaculada, é uma obrigação que não lhe assiste. Dela espera-se que agite, questione, confunda e inebrie os ouvintes com pop mais arguta (e ela existe aqui de sobra) do que aquela que é possível de encontrar na sua lista de habituais clientes. Eles que se digladiem pela pole position. A Sia basta-lhe apenas que continue a ser o cérebro das grandes canções, a voz da diferença e o corpo da autenticidade pessoal e profissional. E a dar-nos grandes discos como este, de vez em quando.

Classificação: 8,2/10

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