Dumblonde: Esta Pop de Burra Não Tem Nada


Há vida depois das Danity Kane, parte II.

Ver Dawn Richard a transformar-se numa das mais visionárias artistas do R&B contemporâneo já é admirável, mas assistir também à emancipação artística de mais duas das suas antigas colegas é todo outro nível de assombro. O que quer que o processo de desvinculação a P. Diddy lhes tenha despoletado, está a resultar.

Vale a pena voltar a recordar a história. Depois de uma primeira separação em 2009, o grupo feminino formado na terceira temporada do programa da MTV Making the Band voltou a reunir-se em 2013 para um novo álbum. O outrora quinteto dera lugar a um quarteto que não tardou muito até transformar-se em trio. Os elementos remanescentes - Dawn Richard, Aubrey O'Day e Shannon Bex - duraram o tempo suficiente para gravar um terceiro disco que chegou já com a banda (novamente) extinta, devido a desentendimentos entre Richard e O'Day.

Dali, Dawn retomou a fulgurante carreira a solo encetada anos antes, que conheceu o seu pináculo com a edição do ainda presente Blackheart (2015), enquanto as bombshells platinadas das Danity Kane uniram esforços para dar vida às Dumblonde - quanta ironia neste nome - mas em arrojados ambientes electro/dance pop.



Rodeando-se de produtores como R8DIO, Dem Jointz (com créditos em Compton de Dr. Dre e Unbreakable, o último disco de Janet Jackson) e a compositora Candice Pillay (Christina Aguilera, Rihanna), O'Day e Bex desenham uma obra singular ancorada nas margens do mainstream, que as vê cumprir por fim um propósito nunca plenamente concretizado na girlsband alinhavada por Diddy.

A sua estreia em disco homónima, datada de Setembro passado, recupera os ensinamentos de Blackout (2007), obra-mestra de Britney Spears, pelo elaborado tratamento vocal inteiramente processado por maquinaria - por vezes chega a ser impossível distinguir uma voz da outra - ou os apetites electro de Christina Aguilera em Bionic (2010) e de uma Kylie Minogue em excelente forma dos tempos de X (2007). Apesar da clara rotura com as convenções pop, não escasseiam por aqui canções orelhudas, o que torna a experiência tão mais intrigante.

À cabeceira, três destaques óbvios: "White Lightning" poderia ter sido tecido por Diplo ou Skrillex, composição EDM semi-invasiva construída à custa de um verso tão pateta quanto eficaz ("you're white lightning/ so enlightening"); o paradisíaco e sedutor "Tender Green Life", com o seu loop vocal a alojar-se no ouvido num abrir e fechar de olhos; e a pop tribal de "Carry On", algures entre o balanço downtempo das Ibeyi e as aventuras retro de Taylor Swift em 1989 (particularmente próximo de "Out of the Woods").



Entusiasmantes são também temas como "Eyes on the Horizon", infalível na sua linha de baixo cintilante; o avassalador "You Got Me", encontro entre deep house contemporânea e a eurodance via 90's tal como Katy Perry fez no seu último disco em "Walking On Air"; o oh-so-80s e algo Minoguesco "Waiting On You", charmoso a valer; a recordação das Danity Kane - pelas harmonias e molde urbano - em "Yellow Canary"; ou a adopção da estética glitch no futurista "Dreamsicle". O único passo em falso parece ser mesmo a brisa reggae/tropical house de "Remember Me", a comprometer algum do esforço criativo aplicado no álbum.

À semelhança de Dawn, não é só a identidade sónica de Aubrey e Shannon que ganha relevo com este novo projecto, também a manifestação visual das ideias aqui expressas é um factor a ser levado em conta. Mais uma prova de que os produtores mais competentes e todos os orçamentos chorudos dos tempos das Danity Kane não souberam revelar o que de melhor havia para oferecer entre os vários membros da banda.

Celebremos, pois, a vitória da emancipação e a resiliência do espírito criativo após o fim do conto de fadas. Um brinde aos recomeços.



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